Capítulo 15- Incêndio Ardente
"Eu não quero morrer Esther, por favor"
O fogo ardente de um incêndio pode simbolizar não só morte e a destruição, mas também renovação e purificação daquilo que um dia se transfigurou em uma calamidade. Nós humanos também sofremos incêndios, mas não no sentido literal, e sim uma purgação de atos e memórias distantes que já fizeram parte de nossa mente, mas que precisamos abandonar as queimando, superando cada dor, e as usando de motivação para uma reconstrução daquilo que foi destruído pelo nosso próprio incêndio.
Em Grinvield, não era diferente. Cada incêndio que ocorrera naquelas últimas semanas, motivavam a cidade a continuar ali acreditando no potencial e na riqueza que os arredores possuíam, como se algo os prendessem naquela cidade.
O caos se construía pouco a pouco nos corredores e nas imensas salas da mansão Morwood. Hydra Witchlock e Gorven Pugy, membros de um ritual assassino sem precedentes estavam prestes a tornar aquele hotel em um incêndio, mas não um incêndio com fogo e destruição, e sim um campo de guerra dilacerando tudo aquilo que a linhagem Morwood construiu, tudo devido ao assassinato de um policial e a permanência de seu cadáver no hotel. Esse incêndio diferente dos outros, não causaria renovação ou reconstituição para Esther e Eric, e sim a decadência de suas vidas.
No andar à cima, Helena terminava de ler o livro "Olhos", ainda apavorada e com as mãos trêmulas. Às vezes passava por sua mente como teria se apaixonado por uma pessoa membra daquele ritual, e que incomumente ainda estava apaixonada. Enquanto Luna e Eric ainda estavam na missão de procura.
Liv, que parecia estar desaparecido para Eric, andava com passos lentos no grande jardim do hotel. Ele sempre foi um menino distraído da realidade que apenas vivia sem se importar com as coisas que aconteciam ao seu redor. As flores e o verde das plantas o traziam conforto. Ele sentou na grama, confirmou se tinha alguém por perto, levantou os braços, e com movimentos lentos e circulares começou a levitar as flores. Uma peça de teatro, um ato de mágica de um circo, e um filme de magia se idealizava no jardim forte em cores. As plantas e as flores começaram a circular no ar ao redor de Liv. Quanto mais força e poder ele usava mais flores saiam do chão. Sem perceber o garoto começou a levitar junto as flores, ainda sentado, mas agora no ar, sendo circulado por cores vívidas. Passos começaram a se aproximar da grande magia, e logo em seguida gritos fortes.
—LIV!
Era Eric correndo em sua direção, com passos trêmulos e atropelados. Ao escutar, o garoto desceu até a superfície e parou de levitar as flores.
—Não pode ficar andando por aí sem nos avisar, e muito menos usar seus poderes! Alguém pode o ver garoto. Sempre se recorde de que é uma criança desaparecida... ou melhor, um corpo desaparecido. —Eric disse o puxando para dentro do hotel.
Os dois subiram até o cômodo em que Helena estava.
—Onde a Luna foi? —Eric disse ofegante.
—Ela foi atrás do garoto do ritual.
—Merda! É perigoso para ela, eles podem a machucar.
—Eu... —Helena pausou. —Eu consigo achar ela.
—Como?
—Pela mente. Meu dom se baseia na mente humana, posso controlá-la, modificá-la, revisar memórias e a encontrar. Só preciso de fragmentações de DNA da pessoa. O Liv consegue levitar coisas com a mente e eu sou a mente! —Helena abriu um sorriso irônico.
—Uau! Fascinante. E como pretende encontrá-la?
—Usando as digitais dela no livro que lemos.
Helena fechou os olhos, e se concentrou. Começou a alisar a capa do livro com os dedos, ocasionando em movimentos trêmulos na sua cabeça. Quando abriu os olhos se revelou um olhar branco e pálido.
—A encontrei. Ela está nos corredores perto do quarto em que Hydra foi presa.
Os três desceram rapidamente até o local. Chegando aos corredores perceberam que o local estava vazio. Helena sentiu a presença de Luna por perto usando o livro novamente. A respiração dela começou a acelerar e olhos embranquecidos começaram a tremer.
—Hydra... escapou, ela está com Luna! —Helena se assustou ao ver a mente de Luna. Em seguida apontou para um dos quartos do corredor.
Eric abriu uma das portas rapidamente e os três avistaram Hydra tentando machucar Luna com uma faca. Liv em um movimento rápido imperceptível aos olhos, levantou Hydra ao ar e a segurou com as mãos a levitando.
—Olá pessoal! Bem vindos ao espetáculo. —Hydra gargalhou, ainda sendo sufocada ao ar. Era difícil conseguir falar.
—Como conseguiu fugir? —Eric disse firmemente.
—Gorven Pugy a soltou, o garoto do ritual. Estava atrás dele e a encontrei. —Luna disse estacando um corte no braço direito que Hydra a fez.
—Onde ele está Hydra? —Eric repetiu a entonação firme.
—Ah Morwood, se eu contar estragaria a grande festa!
—Conte ou será pior para você.
Hydra riu e abriu um sorriso.
—Ingênuo como um simples inseto. Oh Morwood quem entrará numa pior aqui será você, bom, pelo menos foi o que eu vi naquele armário!
Eric engoliu seco e fez uma expressão assustada.
—Sabe do que estou falando, não é? Não me diga que foi você que o matou.
—Não matei ninguém.
—Então por que têm um corpo de um policial inocente dentro da sua própria casa? Sabia que os Morwoods possuíam fetiches milionários, mas não que eram assassinos! —Hydra gargalhou.
Todos no quarto se encontravam assustados com a fala de Hydra. Eric tentava ao máximo não parecer suspeito, mas sua respiração ofegante entregava vagamente um cúmplice de um assassinato.
—Não sei do que está falando. —Eric disse quase gritando.
—Oh! Então... voltando à sua pergunta, Gorven Pugy está neste exato momento ligando para a polícia e avisando do malíssimo tópico que vimos naquele armário. Se você não sabe do que estou falando não se importaria de dezenas de policiais investigarem cada centímetro do seu hotelzinho e o transformar em uma cena de crime né bebê? —Hydra riu.
—Não! Você não sabe de corpo nenhum. —Helena se aproximou do corpo estendido de Hydra e estendeu seus braços até ela.
Os olhos das duas se embranqueceram, e suas mentes foram conectadas.
—Você agora irá esquecer tudo que viu naquele armário, me mostrará onde Gorven está e logo após também se esquecerá quem ele é e qual o propósito dele. Você não possui mais nenhum plano contra os Morwoods, não viu corpo algum e só se lembra de estar aprisionada. —Helena disse mexendo suas mãos.
—QUE MERDA É ESSA? —Luna gritou assustada.
—Ele está na recepção. Corra! —Helena disse se virando para Eric, ainda conectada à mente de Hydra.
Eric rapidamente sai do quarto.
—Agora você irá adormecer em um sono profundo e só irá acordar quando eu a ordenar!
Em poucos segundos Hydra fechou os olhos e desmaiou.
—Pode soltá-la. —Helena disse para Liv.
Liv parou de levitá-la a derrubando no chão.
—Que tipo de demônio vocês são? —Luna disse, confusa com o que acabara de ver.
A própria mansão de Eric nunca pareceu tão grande enquanto corria até a recepção. A cada corredor, e a cada cômodo, mais cansado e ofegante ficava. Quando chegou, avistou Gorven com um telefone.
—SOLTE AGORA! —Eric ordenou ainda correndo.
Gorven soltou o telefone no chão e correu até a saída. Uma perseguição se estabeleceu na portaria do hotel, confundindo os hóspedes que ali estavam. Gorven pegou uma bicicleta estacionada e com ela começou a fugir até a estrada. Quando Eric o avistou de longe foi até seu carro e começou a dirigir em disparo à sua direção.
Uma tempestade de areia se formou na estrada enquanto o carro acelerava parcialmente.
Ao perceber que ia ser atropelado, Gorven pulou da bicicleta e caiu na grama.
—Filho da puta. —Eric sussurrou parando o carro.
O jovem de cabelo escuro e bagunçado que tinha comprometido sua vida, começou a correr pela floresta sem saber para onde ir, e logo atrás vinha Eric enfurecido.
—Pare de correr! Você está morto pra mim moleque. —Eric gritou.
Seguimentos de árvores os acompanhavam em meio ao raiar do sol. A cada metro que percorriam mais longa se tornava a perseguição.
—Pare, mandei parar!
Gorven adquirindo uma distância considerável de Eric, parou de correr, mas não porque o estava obedecendo. Ele rasgou um pedaço de sua blusa, e enfaixou seus olhos. De um bolso tirou uma faca e a posicionou no pulso esquerdo.
—Te peguei filho da puta. —Eric disse achando que tinha vencido a perseguição.
Quando ele se aproximou, Gorven cortou o pulso e misteriosamente desapareceu, deixando ali sozinho e confuso entre as vegetações, Eric Morwood.
O incêndio abstrato pode simbolizar também o amor. Quando se ama alguém, e este amor é consideravelmente ruim, e possuí a necessidade de descartá-lo, precisamos fazer um incêndio em nosso coração, e o excluí-lo vagamente e lentamente, até esquecê-lo completamente. A superação de um amor verdadeiro, por outro lado, é em virtude mais complexo e difícil de acontecer.
Thomas Evan viveu seu amor verdadeiro, ou aquele que considerava ser o mais leal e forte de toda sua vida. Mas se encerrou, e Thomas decaiu em um abismo mental. Seus transtornos e principalmente sua claustrofobia aumentaram depois de se separar de seu antigo romance, ele não conseguia mais viver em seu apartamento pequeno e teve que se mudar para um maior, para encerrar de vez suas crises claustrofóbicas, além de não conseguir entrar em lugares pequenos por meses. O incêndio para superar seu amor, foi escolher uma profissão que o abalasse tanto que o faria esquecer da mulher que amava. Consequentemente, estava ali naquela cidade pacata investigando assassinatos de crianças, incêndios e desaparecimentos. Conseguiria Thomas amar novamente? Se apaixonar novamente? Ele ainda não possuía a resposta, mas no banco de trás de um táxi estava beijando Esther, olhando os olhos dela e abrindo um sorriso verdadeiro. O incêndio que fizera funcionou, e agora estava começando a se reconstituir.
—Chegamos. —O motorista disse estacionando o carro.
Os dois encerraram o momento em que estavam, pagaram o táxi e saíram.
—Bem-vindo ao centro de Grinvield Evan! —Esther suspirou.
—Por que diabos sua família construiu uma mansão tão longe da cidade?
-—Acho que pela paz que encontrariam na floresta. Essa cidade é cheia de problemas e eles queriam viver longe deles! —Esther sorriu. —Bom, por onde vamos começar nossa investigação?
—Em um dos locais incendiados, fica aqui perto.
Os dois passaram pelo centro comercial e chegaram à praça central, lá avistaram um grupo de pessoas reunido à frente de um poste com panfletos.
—Estão sabendo dos novos desaparecimentos? —Sussurrou um homem barbudo sentindo a presença de Thomas e Esther. —Uma delas é uma criança de Glastonbury que desapareceu misteriosamente aqui mesmo em Grinvield.
—Outra criança?
—Pois é! E a outra é um policial. Ele saiu para procurar um corpo, e desapareceu. Os policiais não sabem ao certo o local pois investigaram a cidade toda, ou melhor as cidades, tendo em conta que foram até Glastonbury.
Esther se comprimiu e começou a imaginar todo aquele momento na escada de sua casa, em que matou a olho frio o policial e seu corpo caiu lentamente pela escada circular, lembrou também dos momentos com seu irmão o colocando no armário e limpando todo o sangue que fez escorrer. Sua visão que teve também se repetiu ao fechar seus olhos. Lembrou de quando estava em uma de suas alucinações e estava presa no armário com o cadáver do homem. Uma vontade imensa de chorar e gritar, sair correndo dali e pensar em um jeito de morrer passaram por sua mente, mas para se concentrar na realidade ela segurou a mão de Thomas e se escorou em seu braço.
—Tá tudo bem? —Thomas perguntou a acariciando.
—Sim. —Esther disse mesmo não estando. —É só... isso tudo está sendo muito triste.
—Está mesmo, mas estou aqui com você, tá bom?
Esther se acalmou ao escutar os consolos.
—É realmente assustador o que está acontecendo. —Thomas se voltou para o homem barbudo.
—Me chamam de louco por dizer isso, mas não acha estranho essa garota desaparecida ter a mesma idade que as cinco outras crianças mortas? Parece que um assassino em série maluco e psicopata chegou nos arredores. Essa garota aí só está prestes a ser encontrada morta sem seus olhos, igual as outras!
Thomas ignorou a fala do homem e seguiu andando se afastando do grupo, com Esther entrelaçada em seu braço. Eles atravessaram a praça e do outro lado da rua se encontrava uma ruína do que um dia foi uma moradia.
Eles entraram na casa destruída sem que ninguém percebesse e começaram a se adentrar nos destroços.
—Parecia ser uma família pequena.
—Queria saber o motivo de provocar tantos incêndios e arriscar a vida de tanta gente. —Thomas respirou fundo enquanto subia uma escada.
—Como eu disse, essa cidade só atrai problemas!
Thomas tirou sua prancheta de anotações do bolso e abriu.
—Vou anotar sobre os novos desaparecimentos. Podemos investigar sobre. —Thomas pausou. —Você acha que esse policial foi assassinado pelo ritual porque ele estava se envolvendo no plano deles?
Esther ficou calada por um tempo sem saber responder, tentando se focar.
—Esther?
—Provavelmente sim... eles parecem ser capazes de tudo. —Esther disse segurando uma lágrima.
Eles continuaram caminhando pelos destroços por um tempo, sem encontrar nenhuma pista.
—Acho que não vamos encontrar muita coisa aqui! —Thomas disse baixo.
—Achei uma entrada.
Esther apontou para uma porta subterrânea que estava soterrada pelas cinzas. Os dois espalharam as cinzas e se revelou uma porta pequena. Quando entraram se viram em uma escada grande que levava a uma espécie de porão.
—O fogo não atingiu tudo aqui. —Esther disse terminando de descer as escadas.
O lugar era estreito e abafado. As paredes estavam pouco danificadas devido ao fogo, mas móveis de metal, que eram as únicas coisas que constituíam o local, estavam intactos. No centro estava uma mesa larga e ao seu redor cadeiras que pareciam ser muito desconfortáveis. Atrás de uma das cadeiras estava um móvel com dezenas de gavetas.
Enquanto Thomas abria e verificava as gavetas da esquerda, Esther fazia o mesmo com as da direita. Encontravam pedaços de sucatas, pilhas velhas, celulares quebrados, mas nada que fosse importante. Na última gaveta de Esther estava algo que a deixou espantada. Ela foi em direção a Thomas com um retrato nas mãos, com uma expressão de medo e aflito.
—É ele... o homem que vi na floresta... que nos paralisou naquela casa! —Esther suspirou.
O retrato era uma foto de uma família, de três pessoas, um pai, uma mãe, e um filho. O filho era Lincoln, um dos componentes principais do ritual.
—Não faz sentido, ele não é de Glastonbury? Ele morava aqui antes da casa ser incendiada?
—Além dele fazer parte do ritual... não faz sentido queimar a própria casa! Se não é o ritual que está causando os incêndios, quem é?
Os dois foram interrompidos após perceberem tremores vindos do lado de fora da casa. Rapidamente subiram e saíram da casa incendiada.
Do lado de fora dezenas de carros percorriam as ruas, acompanhados de caminhões de bombeiro, além de uma enorme multidão de pessoas correndo para o lado contrário, todas vindo de uma igreja em chamas. A igreja estava caindo e sendo desmoronada e tomada pelo fogo aceleradamente. A origem do incêndio foi rápida e indistinta.
—THOMAS! —Esther gritou apontando para o começo da floresta atrás da casa incinerada.
Correndo pelas árvores, um homem de olhos enfaixados e capuz ultrapassava a floresta saindo da cidade.
—É UM MEMBRO DO RITUAL! —Esther gritou começando a correr em direção ao homem junto com Thomas.
Se adentraram na floresta em busca do homem enquanto olhavam de vez em quando a igreja sendo tomada pelo fogo atrás deles.
—Pare. —Thomas puxou Esther. —Não adianta, ele já está muito longe.
— Foi ele. Ele iniciou o incêndio. Filhos da puta!
Antes de pensarem em voltar para a cidade, os dois são invadidos por uma neblina martirizante, penetrante à pele. Com a neblina sombras escuras viam do céu, sobrevoando a floresta, indo em direção ao fogo. Thomas e Esther caíram na terra assustados com a quantidade de entidades sobrevoando sobre eles.
Inesperadamente uma das sombras escuras desce do céu e começa a pairar mais a baixo, seguindo rumo a Thomas. A sombra com rapidez penetra o corpo de Thomas, o possuindo, tomando conta de sua estatura física. De repente seu corpo começou a flutuar, logo em seguida seus membros se esticaram.
—THOMAS! —Esther gritou agudamente.
Os olhos de Thomas estavam escuros, seu corpo não estava sendo controlado por ele, e uma força dominava sua mente pouco a pouco, tornando a entidade e ele em um só.
—Eu... está doendo Esther... não... não consigo respirar... não quero...
A força se tornou ardente dentro de seu corpo fazendo o parar de falar.
—Eu vou te salvar! Respira fundo! Eu vou te salvar! —Esther gritava enquanto lágrimas escorriam seu rosto.
—Eu não quero morrer Esther, por favor... por favor, EU NÃO QUERO MORRER! —Thomas gritava se agonizando de dor e sentindo sua alma sendo dominada.
—Você não vai morrer! Resista, por favor resista!
Ela olhou para o resto das sombras e percebeu que todas estavam indo em direção ao fogo. Deduzindo que as chamas estavam as atraindo, pegou um galho grosso e levou até o incêndio. Depois de alguns minutos voltou à floresta e arremessou o tronco já em chamas no corpo de Thomas.
A sombra que o estava dominando começou a se corromper e sair de Thomas, o derrubando no chão, e seguindo em direção ao incêndio junto as outras sombras.
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