Capítulo 11- Helena Smith
"Também te amo pai"
-2 semanas antes dos assassinatos
Qual seria o preço da felicidade?
Até onde alguém teria que ir para alcançar sua própria felicidade?
Quais os riscos?
Quanto tempo?
"Não sei". Helena pensava. "Não sei".
Ela inalou o ar mórbido que entrava pela janela, e levantou.
Como todas as manhãs, ela foi até o banheiro, escovou os dentes, e rasgou um dos post-its colados no espelho. Faltavam apenas quatro post-its, apenas quatro dias. Jogou o papel rasgado na lixeira já imaginando como seria sua vida em Londres. Diferente de Glastonbury, Londres parecia um lugar feliz para Helena, uma cidade com sorrisos, com cor, com beleza, e claro, altos prédios e pontes gigantes. À frente da porta do banheiro, estavam as malas, já prontas a uma semana. Ela caminhou até a penteadeira, e com a ajuda de um pente velho, ela prendeu o enorme cabelo marrom ondulado.
Enquanto descia as escadas, escutou um bom dia, vindo da cozinha.
-Bom dia! -Helena respondeu com entusiasmo, descendo o último degrau.
-Fiz panqueca.
Helena andou até a cozinha.
-De novo? É a quarta vez só nessa semana.
-E quem mais gosta é você!
-Não inventa Hydra! Eu detesto panqueca, mas como as suas por educação.
-Você é tão educada que quando eu não faço pede pra fazer.
As duas riram, e se sentaram na mesa.
Helena olhou para Hydra e abriu um sorriso.
-Faltam quatro dias. -Engoliu um pedaço de panqueca. -Tem noção? Passou tão rápido!
-Mas..., mas já? -Hydra cuspiu o pedaço de panqueca, batendo os braços na mesa.
-Pensei que sabia.
-Eu...
Helena arrastou o prato de vidro quadrado com as panquecas, pegou a mão de Hydra, e com a outra mão concertou seu cabelo.
-Já está tudo pronto. Conversei com o síndico do prédio ontem e... não vamos precisar esperar. Já podemos nos mudar pro apartamento. Usei aquele dinheiro que consegui na loja, e já aluguei o carro. As malas estão todas lá em cima. E também tem outra coisa...
-O que? -Hydra cortou.
-Me aceitaram na faculdade de Londres. Recebi o e-mail a um tempo.
-Por que não me disse nada? -Hydra soltou a mão, e a levou até a cabeça.
Helena ficou calada.
-Por que não me disse nada porra?
-Pra não te assustar. -Ela fechou os olhos. -Não queria te contar com nada certo, mas agora está, agora eu pude te contar.
-Que? Caralho Helena você me prometeu.
-Olha... me desculpa, ok? Estou falando agora! Fui aceita, e está tudo pronto.
As duas desviaram os olhares ao escutar a porta da frente se abrindo.
-Voltei! -Uma voz masculina veio da sala.
-Estamos na cozinha pai. -Helena gritou.
Um velho barbudo de sessenta e poucos anos entrou na cozinha com sacolas nas mãos. Harry Smith era um homem viúvo solitário, que em sua vida só tinha a presença da filha adotiva. Voltando do trabalho um pouco mais jovem, ele encontrou Helena abandonada em uma caçamba de entulhos na rua, ainda bebê, enrolada em um lenço branco. Quando passou por uma das calçadas estreitas de Glastonbury, a escutou chorando. Foram cerca de alguns meses para que no cartório ele fosse oficialmente o responsável por ela. Com o tempo, Harry aprendeu a cuidar de uma filha, de como educá-la, como entendê-la, no geral como ser um ótimo pai sem a ajuda de ninguém. Quando Helena completou 10 anos, ele contou como a achou, e cada frase era acompanhada com um eu te amo no final. Ela cresceu sem querer saber quem eram os pais biológicos e porque fizeram aquilo com ela, pois o amor incondicional do pai já era o bastante, e sempre foi para que todos os dias acordasse com um sorriso no rosto.
-Sobre o que estão falando? -Ele deixou as sacolas na bancada e se juntou à mesa.
-Londres.
-Ha. -Ele arregalou os olhos. -Ainda não me acostumei que vão se mudar.
-Vamos te visitar sempre pai.
-Sei disso, mas será diferente sem você aqui. -Ele pegou uma panqueca e a colocou no prato.
-Também vai ser sem você lá! -Ela sorriu. -Mas faltam quatro dias, apenas, e já está quase tudo pronto.
-Deixe me adivinhar... faltam as malas da Hydra, estou certo?
Hydra deu um sorriso falso e concordou.
-Vou sentir saudades dessas nossas manhãs. -Harry disse mordendo um pedaço da panqueca.
-Também vamos pai.
Harry deu um sorriso, e logo após o fechou ao ver Hydra levantar da mesa. Ele tentou a avaliar em míseros segundos. Parecia aborrecida com algo, ou triste com alguém, suas mãos estavam tremendo de nervoso.
-Você está bem Hydra? -Harry levantou e a puxou.
-Sim senhor Harry. Só estou com uma tontura leve, vou descansar em casa.
-Hydra! -Helena insistiu.
-Desculpe. -Hydra se soltou e saiu pela porta da frente correndo.
Harry engoliu o pedaço de panqueca e voltou à mesa.
-O que deu nela? -Harry indagou, colocando um pouco de leite no copo.
-Eu escondi sobre a faculdade.
-A bom! Coitada, acho que esperava uma confiança a mais vinda de você.
-Eu tentei, mas queria falar no momento certo. -Helena suspirou, encheu um copo de vidro com leite, e depois ao apoiá-lo na mesa avistou o celular de Hydra na beirada, com metade dele para fora. Ela o pegou e levantou. -Ela esqueceu o celular! Vou tentar acompanhá-la.
Harry apenas deu um sinal afirmativo enquanto engolia panqueca. Helena sem antes terminar de comer, vestiu um casaco e saiu pela porta da frente.
A casa dos Smith era pequena, mas aconchegante. Uma casa de dois andares, com quintal nos fundos, garagem para três carros na frente, e um telhado feito do melhor material da Inglaterra, era uma casa de fato desejável para qualquer um que morasse em Glantonbury.
Helena abriu o portão firme da garagem e saiu para rua. Olhou para esquerda e avistou o bar McClaine Winstons a poucos metros lotado de jovens bebendo e velhos apostando em jogos de cartas, mas não avistou Hydra. Olhou para a direita e também não conseguiu vê-la, notou apenas crianças andando de bicicleta no caminho corrente ao rio Westgrin Chine que corria a quase quinze metros abaixo da rua depois de um barranco íngreme com algumas árvores, circulando um mesmo caminho em uma esquina. Decidiu então correr até a esquina perto das crianças.
No fim da rua transversal a sua casa, Helena avistou Hydra correndo na rua, e subindo na calçada apenas para desviar dos carros, e quando passavam por ela, voltava à rua.
Helena tentava acompanhá-la, enquanto gritava por seu nome, mas era visivelmente ignorada. Cansada, ela caiu no chão e sentou na calçada. Com o coração acelerado e a respiração ofegante, observava Hydra se distanciar cada vez mais, até sumir de vista virando outra esquina. Um pouco a frente dela, estava a loja de utensílios e artefatos antigos do seu pai, em que costumava trabalhar todos os dias. A loja era o segundo local em que mais estudava na época do colegial, só perdia para o seu quarto, nada superava sua cama bagunçada repleta de livros e fichários. Já fazia dois anos que não estudava. Com seus quase 21 anos de idade, Helena Smith se considerava sonhadora, e além de tudo planejadora. Depois de muito estudar e correr atrás do que queria, ela conseguiu vaga em uma faculdade de direito em Londres. Quando completou seus 14 anos, viu um documentário na televisão sobre advocacia e desde então se apaixonou pela área, sempre soube que aquilo seria seu futuro, ou pelo menos o futuro que ela esperava ter.
Ela se levantou, foi até a loja e certificou de que a porta estava trancada, lembrando da vez em que estava beijando Hydra no depositório dentro da loja, jurando para se própria que trancara a porta, só que depois de um tempo seu pai as encontrou, foi quando Harry descobriu que Helena também gostava de meninas. Ela teve seu primeiro namorado com 13 anos e depois de alguns meses conheceu Hydra na porta da escola. Inicialmente elas formaram uma linda e afetuosa amizade, o que elas não esperavam era que cinco anos depois em uma noite de festa, bêbadas, se formando no terceiro ano do colegial, elas se apaixonariam uma pela outra, e ali mesmo na sacada da mansão do rico jovem Lincoln Keneddy, elas dariam o primeiro beijo.
Depois de verificar a porta, Helena voltou para casa e pediu a chave do carro para o pai. Harry riu ao escutar a proposta.
-Você mal sabe controlar um triciclo Helena, imagina dirigir um carro! -Voltou a rir.
-Olha, eu estou aprendendo, pra sua informação ok?
-Vamos, eu te levo.
Os dois saíram, entraram no carro e Harry começou a dirigir.
O interior do carro velho do senhor Smith era acompanhado de dezenas de decorações. Nas portas estavam repletas de adesivos, e em encima dos bancos alguns bonecos de plástico, quase derretido.
Enquanto Harry manobrava o carro para tirá-lo da garagem, Helena colocava o cinto.
-Tá de brincadeira né? Não vamos andar nem duas quadras. -Harry riu.
-Só questão de costume.
-Você sempre foi assim né?
-Assim como?
-De se prevenir pra tudo. Não estou dizendo que é ruim, afinal isso me ajuda muito nas tarefas de casa. Você vai fazer falta quando for para Londres! -Harry abriu um sorriso.
-Vou te visitar tanto que nem vai sentir minha falta pai!
-Sou muito grato por ter você em minha vida, as vezes penso que nunca te mereci! -Harry disse apertando a mão da filha. -Agora que você está partindo para Londres, todo o seu valor especial, tudo o que você significa pra mim... parece que...
-Eu entendo pai! Um te amo já é o suficiente.
-Te amo filha!
-Também te amo pai.
Os dois se cumprimentaram com pares de sorrisos acolhedores.
Ao sair da garagem, sem nem fechar o portão, Harry acelerou com muito rapidez enquanto olhava para trás garantindo que ninguém do bar McClaine entraria na garagem.
Ao virar para frente novamente, sentiu o braço de Helena o apertando seguido de um grito.
Nem o grito desesperador de Helena e nem o mais rápido pensamento que pudera construir, foram capazes de fazer o carro desviar de uma menina andando de bicicleta na rua. Harry virou o volante diversas vezes para o lado direito, acelerando e ao mesmo tempo rezando para não ter matado a criança, tudo isso em questão de segundos. Enquanto Helena gritava gritos de choro desesperadores e se mexia sem parar, Harry acelerava o carro em direção ao íngreme barranco que caía no rio para tentar desviar da criança. Helena fechou o olho e sentiu o primeiro impacto. O carro tinha batido em uma árvore, mas não foi o suficiente para pará-lo. O carro começou a cair sem direção. Já não conseguia saber o que estava sentindo. O carro derrapou e deu o segundo impacto, a parte esquerda tinha batido em uma rocha no barranco, mas não foi o suficiente para pará-lo. O carro caía lentamente mas ao mesmo tempo rapidamente, era como se o barranco não tivesse fim. Com estruturas dificultando a passagem no barranco, o carro capotou uma vez, amassando o capô. Aguentando os olhos cheios de lágrimas, sentiu o terceiro impacto, dessa vez muito mais forte, levantando a parte de trás do carro, e o impulsionando para frente, era uma árvore maior e mais firme.
Em instantes, Helena sentiu cacos de vidro cair sobre sua pele, logo após o carro parou.
Ela não conseguia abrir os olhos. Sentia medo, sentia aflição.
Nunca tinha tremido tanto. Seus olhos fechados enxergavam apenas uma escuridão trêmula, que parecia a consumir. Nada além da escuridão, apenas ela, sozinha, presa. Helena respirou fundo, e abandonou a escuridão. Ao abrir os olhos avistou o vidro do carro quebrado com um enorme buraco. Seu pai, não estava do seu lado.
Ela soltou o cinto, chorando, tremendo, gritando.
Abriu a porta, ainda chorando, ainda tremendo, ainda gritando.
Ao descer do carro que estava quase que pendurado se apoiando no tronco da árvore, Helena escorregou o resto do barranco e se deparou com seu pai caído na margem do rio, morto. O corpo de Harry foi arremessado com o grande impacto e o fez cair no rio.
No mesmo lugar que ela o avistou, sentiu seu corpo cair no chão, ficando deitada, e no mesmo lugar que deitou, permaneceu paralisada pelos próximos trinta minutos, até algumas pessoas descerem o barranco por outro caminho e ajudá-la. Em cerca de cinco horas Helena permanecia do mesmo jeito, paralisada, com os olhos arregalados, sem falar uma palavra.
Ela estava deitada em uma maca no hospital Joe Macovvin de Glastonbury.
O hospital era simples, pequeno, de baixa qualidade, mas um estabelecimento suficiente para os moradores de Glasntonbury. Os atendimentos do hospital nunca eram tão graves, nada além de partos e doenças normais já estabilizadas. Se um paciente precisasse realizar um procedimento que exigisse mais do que apenas leitos e remédios, ele era enviado para o hospital cirúrgico de Grinvield, na cidade vizinha.
Helena se encontrava em um dos leitos. Seu rosto estava colado com alguns curativos pois sofrera ferimentos graves, e seus braços estavam enfaixados.
-Helena? -Uma voz doce e baixa pairou o leito.
-Como eu disse, ela não fala nada a muito tempo, mas com certeza irá te escutar. -Uma enfermeira disse.
-Obrigada.
A enfermeira deixou um copo de água sobre uma mesa pequena, e saiu fechando a porta.
-Helena? Sou eu Hydra.
Hydra pegou o copo e sentou em uma poltrona ao lado da maca.
-Eu escutei... eu escutei uma ambulância passando por mim. -Sua voz quase não saía, e parecia estar prestes a chorar. -Indo em direção... eu... eu vi... eu vi Helena... eu o vi morto... -Sussurrou começando a chorar. -Eu vi eles te resgatando... eu vi... Helena. -Ela pegou a mão da namorada. -Fui eu? Vocês estavam indo atrás de mim? Me desculpe... me desculpe...
Helena continuava calada, mas com consciência e acordada.
-Me desculpe! -Disse Hydra chorando, e logo após se jogando em cima da maca. -Me desculpe.
O momento triste mas acolhedor das duas foi interrompido com um abrir de porta estrondoso. Do outro lado estava o médico responsável por cuidar de Helena, segurando papéis na mão.
-Hydra Witchlock?
-Pois não?
-Podemos conversar a sós?
-Claro.
Hydra se levantou, deu uma última olhada para Helena e acompanhou o médico.
Os dois se apoiaram em um pilar no corredor.
-O que aconteceu?
-Foi registrado um falecimento...
-Doutor?
-No momento do acidente... os paramédicos registraram falecimento...
-Sim, o senhor Harry Smith faleceu. O senhor está bem doutor?
-Dois falecimentos.
-A criança atropelada morreu?
-Não, ela sobreviveu.
-Então como... como?
-Helena Smith faleceu no acidente e permaneceu morta por trinta minutos. Ela foi encontrada jogada no barranco. Os paramédicos tentaram reanimá-la mas não foi o suficiente. Seu coração não havia batimentos. Os paramédicos registraram falecimento.
-O... o que?
-Ao chegar no hospital, ela estava viva, e seu coração estava batendo de novo. Mas...
O médico deu uma pausa.
-Helena Smith chegou a morrer no local.
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