Capítulo 10- Do Outro Lado
"Os dois lados possuem mentiras e verdades"
Glastonbury
Assim que a casa desapareceu e os prisioneiros fugiram, um rápido alerta foi mencionado ao líder do ritual.
Em um dos quartos de cima, estava Tyler Krost, preso, amarrado, com os olhos vendados e os braços sangrando.
Já não sabia se estava acordado ou adormecido entre as faixas, mas, quando escutou uma porta rugindo perto dele, uma certeza caiu sobre suas suposições.
-Ele está aqui. -Uma voz grossa e abafada prantou sobre o pequeno cômodo.
Logo atrás dos graves vocais do homem, passos fortes que rugiam na madeira também pairaram o lugar.
Tyler tentou decifrar quantos estavam ali, mas o barulho externo da neblina e os ventos fortes que batiam nas janelas seladas, atrapalhavam-no.
-Bom amiguinho...
Tyler sentiu uma mão tocando seu ombro.
-Como deve imaginar, sua situação aqui não é das melhores! Seus colegas quase mataram um dos nossos. Eu como um morador de Glastonbury devo respeito aos princípios de nossas missões, devemos antes de tudo derrubar Grinvield e seus perigos para o resto do mundo.
Tyler sentiu os braços do homem o envolvendo, uma sensação de aprisionamento, com bastante lentidão.
Depois de algum tempo, escutou as outras pessoas que ali estavam, sair do local, restando apenas o homem que estava o sufocando.
Ao ouvir um grito berrante o homem soltou o pescoço de Tyler e correu para o cômodo ao lado. Em um longo alivio Tyler despejou todo o medo que estava sentindo, e concentrado tentava escutar o que diziam.
-Ela simplesmente fugiu não pude conversar ou tentar convencê-la de que...
-CALA A BOCA!
Um silêncio ensurdecedor dominou a escuridão da casa.
-Não quero saber do que já aconteceu, quero saber quando você e o resto desses filhos da puta vão resolver o erro que cometeram.
-O que eu faço pai? -Uma voz feminina subia as escadas.
-Hydra! Na verdade, não precisamos de você. Apenas tome conta do prisioneiro ali no quarto.
-Temos um prisioneiro? -Gargalhou. -Queria uma tarefa melhor, mas acho que posso cuidar de um descartável hoje.
-O resto de vocês... -O homem apontou. -Procurem ela.
-Quem exatamente? -Hydra indagou.
O homem olhou profundamente para os olhos de Hydra.
Com a voz trêmula, tentando disfarçar o nervosismo crescente, ela levantou a cabeça, olhou para o lado e sussurrando disse: "Ela fugiu?"
-Sim.
-Eu vou atrás dela, eu preciso...
O homem agarrou seu braço com um só movimento e a puxou.
-Eu te dei uma tarefa, cumpra!
-Eu...
-Cumpra.
Hydra ficou paralisada, enquanto o resto dos homens desciam as escadas. Depois de todos saírem, ela entrou no quarto.
Ela se jogou no chão e se acomodou.
-Tamparam sua boca? -Ela se levantou e tirou a fita que prendia a boca de Tyler.
Tyler respirou fundo.
-Me tira daqui... por favor...
-O que fez pra eles?
-Nada, eu não fiz nada...
-Alguma coisa você fez, aliás, lábios bonitos.
-Por favor... eu não fiz nada...
-Qual é o seu problema? Han? Que porra você está fazendo aqui então? Alguma coisa você fez!
-Eu...
-Desembucha. Estou afim de conversar!
-Eu os segui.
-Quem?
-Os Morwoods.
-Os ricos do hotel de Grinvield?
-Sim.
-Você é de Grinvield?
-Sim.
-Bom... então é por isso que está aqui.
-Qual o problema de Grinvield? -A voz de Tyler estava quase muda.
-Poderia citar muitos, mas a nossa simples e única missão, é acabar com o mal de Grinvield.
Hydra pausou.
-Mas é um mal tão grande, que precisamos fazer coisas horríveis.
Tyler ficou quieto.
-Qual o seu nome?
-Tyler... Krost.
-Já assistiu algum filme de guerra Tyler?
Tyler ficou calado.
-Bom... para que uma guerra aconteça, devem existir dois lados, e um confronto entre os dois lados, no qual um lado não convém com tudo em relação ao outro lado. Na maioria das vezes existe um lado certo e um errado, mas, na nossa guerra, os dois lados estão errados. Os dois lados possuem mentiras e verdades. Os dois lados possuem seres humanos completamente descontrolados e desacertos sobre pelo o que estão querendo atingir, e por quê querem atingir. Mas, os dois lados, nunca, nunca desistiram de alcançar o que querem.
Tyler permanecia calado, ofegante e trêmulo.
-Os caras que te colocaram aqui, são do outro lado, do outro lado da sua cidade, do outro lado da guerra.
Lentamente Tyler levantou a cabeça de olhos vendados e começou a sussurrar.
-As coisas horríveis que você disse... tem a ver com as cinco crianças assassinadas?
-Digamos que sim!
-Então foram vocês.
-Você fala bastante para um prisioneiro!
Tyler tentava controlar os rápidos batimentos cardíacos enquanto religava os pontos em sua mente.
-Não eram cinco crianças... né? -Disse Tyler, dessa vez com um tom de voz mais alto e mais certeiro, concretizando cada palavra.
Hydra se mexeu e levantou.
-O que quer dizer?
-Foram encontradas só cinco crianças, mas eram mais, uma a mais, um menino. Não é?
Hydra teve uma mudança de humor drástica. Ela se agachou na frente de Tyler e o encostou.
-Onde ele está?
-No hotel, com os Morwoods. Na mesma noite em que as cinco crianças foram encontradas, esse menino apareceu no hotel. Eu os segui... eu quis saber a verdade... e vim parar aqui... o menino que os guiou.
Hydra o soltou e levantou.
-Foi bom te conhecer Tyler, mas preciso ir.
-Não... por favor eu te disse sobre ele... me tira daqui!
-As coisas horríveis que temos que fazer te incluem Tyler.
-Por favor... por favor...
-Não morra de sede até eu voltar, ok? -Hydra riu.
-Por favor... POR FAVOR! EU PRECISO SAIR!
-Tchau tchau!
Hydra ignorou os gritos de socorro de Tyler, fechou a porta, e saiu da casa.
Do lado de fora a neblina eminente, aos poucos, se distanciava, como um trem levando seus passageiros, a moça de cabelos azuis sentia o vento atravessar o seu corpo, cada toque, cada sopro, ela suspirava. Hydra nunca esteve tão conturbada, seus dedos não paravam de tremer, e seus machucados já não doíam tanto, pois agora, uma nova dor a consumia. O que ela não sabia era a intensidade dessa dor, não conseguia relacionar a si mesma se era apenas uma perda, ou um luto, ou só o medo de a ter perdido, perdido a sua única felicidade, sua única razão de viver que jurou para si própria que nunca iria a abandonar, nunca deixaria nada de ruim acontecer a ela. Mas Hydra sabia, que um dia, já não poderia mais impedir e estar sempre no controle.
Ela deu quatro passos na grama molhada, se virou, e parada observava a casa lacrada à madeira desaparecer aos poucos. Junto com a neblina, os fragmentos da casa se fundiam ao vento e eram levados lentamente. Em instantes, Hydra estava parada diante de grandes árvores, e a casa, desapareceu.
Ela fechou os olhos, apertou suas mãos e as enfiou nos bolsos da jaqueta jeans. Com passos curtos como de um zumbi, andou até o caminho que interligava a floresta à cidade de Glastonbury.
Hydra nasceu e cresceu em Glastonbury. A pequena e apagada cidade vizinha a Grinvield, vivia da economia oferecida pela cidade vizinha. Sempre foi menos populada e menos conhecida, esteve sempre em uma colocação de sombra, de segunda opção, ou até mesmo a última para aqueles que queriam viver nas redondezas de Londres.
Ao chegar à estrada esburacada, Hydra saiu da floresta e seguiu na segunda rua de uma das quatro paralelas a rodovia.
Estava sozinha. Caminhando em um longo caminho escuro lacrado por grandes casas.
Hydra olhava as casas e parecia não morar ninguém. Luzes apagadas, bicicletas jogadas na rua, carros estacionados, postes queimados, e em algumas partes a calçada era totalmente destruída com enormes buracos.
Ao final da rua Hydra seguiu para a direita, acompanhando uma rua possível de se avistar um rio distante passando pela cidade, quase escondido pelas árvores.
Ao atravessar a rua, chegou a uma ponte de madeira.
Ela parou.
Ela se escorou.
Prendeu a respiração.
Soltou.
Prendeu a respiração.
Soltou.
-Hydra!
Alguém a chamava da estrada.
Ela ignorou e continuou prendendo e soltando a respiração.
-Hydra... Ei!
A voz se aproximava.
-Não está me escutando?
-Não quero conversar agora Lincoln.
-É sobre a Helena, não é? Fiquei sabendo que ela fugiu.
-Eu disse que não quero conversar.
-Me atacaram na casa.
-O que? -Hydra se curvou.
-O moleque que fugiu, está com um pessoal de Grinvield. E realmente ta com os poderes.
-Tô sabendo.
-De quem?
-Um prisioneiro.
-E... sabe quem tá lá né? O inútil do Pugy.
-Gorven?
-Sim. Hydra ele não vai ter coragem de matar aquela criança, é capaz de ele fazer uma merda enorme.
-Eu vou lá. -Disse Hydra, tirando as mãos do bolso e levando até os ombros de Lincoln. -Fica aqui e cuida do prisioneiro na casa.
-Tem certeza? Vão achar que você está indo atrás da Helena.
- Se acharem, mandem ir pra puta que pariu, não me importo. -Começou a andar e parou. -Principalmente se for meu pai.
-Hydra! -Gritou. -Não esquece que o portal tá aberto, e que... que a Helena não é a mesma de antes. Ela é um perigo agora, mesmo que ela não queira.
Hydra ignorou e seguiu.
O caminho continuava vazio, mas dessa vez ela tinha companhia, a lua cheia luminosa no céu noturno a cima dela.
Cada passo, cada movimento, tudo que Hydra fazia, ela se lembrava de sua felicidade.
Ao voltar para a floresta, passou as mãos em seu cabelo, lembrando-se de quando ela o cortou, pintou com a tinta azul barata, e a beijou. Aquele beijo, tinha certeza, que jamais esqueceria.
A jaqueta jeans que estava usando, era um presente, dela.
A maquiagem pesada com cores fortes, era pra ela se segurar de que se chorasse, tudo aquilo mancharia. Assim, mesmo quando ela quisesse, mesmo quando ela precisasse, mesmo quando tudo parecer arruinado, não choraria.
"Não... não vou chorar... eu não..."
Se jogou na terra, rasgou a jaqueta jeans, e começou a chorar.
"Não vou..."
Esther, Eric, Thomas, e Liv, se encontravam voltando por todo o caminho que percorreram para chegar na casa.
Faltava pouco para que chegassem na estrada em que deixaram o carro estacionado.
Esther estava abalada, destruída, mal sentia seus pés pisarem na terra. Parecia estar fora de seu próprio corpo. Naquele momento, estar presente em suas ilusões, no lugar vazio e escuro, seria melhor para ela. Tudo que ela conseguia pensar era as coisas ruins que estava fazendo, o corpo do policial dentro do armário, e agora, seu recepcionista preso sendo torturado.
-Tá melhor?
Thomas se aproximou.
-Não sei.
-Já contou pro seu irmão o que vimos na casa?
-Não.
-Quando vai con...
-Não vou. E nem você vai.
-Por que?
-O que vimos lá, fica entre nós. Um dia vamos ter que voltar mesmo.
-Espera, voltar? Tem certeza?
-Absoluta Thomas. Ele está preso.
-Há, então por isso tá assim!
Um pouco a frente dos dois, estavam Eric e Liv, de mão dadas. Liv tinha acabado de acordar depois que usou sua mente para empurrar o homem armado dentro da casa. Seu corpo parecia estar acostumando aos poucos com as novas reações.
Segurar a mão de Eric, estava diferente de antes. Pra ele antes, os que o acompanhavam, eram apenas estranhos. Agora, Liv queria acreditar que estavam o ajudando.
-Tem certeza que está bem Liv? Podemos para pra descansar. -Disse Eric se agachando na frente de Liv.
-Acho que estou bem senhor Eric.
-Me chame apenas de Eric garoto.
Liv fez movimento com a cabeça.
-Qual o seu prato favorito? -Disse Eric, voltando a caminhar.
-Gosto de todos, mas prefiro o redondo.
Eric riu.
-Comida garoto! O que mais gosta de comer?
-Ha... bolo.
-De que?
-Chocolate.
-Vamos fazer um quando voltarmos, ok?
-Obrigado senh... obrigado Eric.
Eric deu um sorriso, e logo após sentiu ser esbarrado por Esther.
-Está com pressa?
-Quero ir embora logo daqui! -Disse Esther passando por eles correndo. Em instantes eles a perderam de vista.
-Ela está conturbada. -Disse Thomas se aproximando dos dois.
-Eu sei. -Disse Eric.
-Ela não gostou de termos deixado o Tyler na casa.
-E você gostou?
-Claro que não!
-Então. O problema da Esther é que ela acha que o mundo gira entorno dela. Todos nós não gostamos de abandoná-lo, mas já foi feito.
Thomas não soube o que responder, e ficou quieto.
-Vai começar a investigação na cidade amanhã? -Perguntou Eric.
-Eu... eu acho que sim.
-Não estou te pressionando. É só que seu chefe deve estar aguardando retorno.
-Sim, eu sei. Vou visitar as cinco famílias que perderam as crianças amanhã.
-Ótimo. Deixe a casa e o Liv com a gente. -Eric virou para Liv e o acolheu com mais um sorriso.
-Você e a Esther acharam alguma coisa dentro da casa?
Thomas ficou calado.
-Thomas?
-Her... não. E vocês?
-Nada demais também, só corredores e cômodos vazios.
A caminhada calma foi interrompida quando escutaram gritos dentre as árvores.
Rapidamente os três começaram a correr seguindo os gritos. Os passos começavam a ficar mais rápidos e mais rápidos, até que a fonte dos gritos fosse encontrada.
Depois de correrem muito se depararam com Esther se arrastando no chão.
-ESTHER! -Thomas gritou.
-Eu não... eu estou vendo... é mais uma das visões... mais um distúrbio... eu...
Thomas olhou para frente e avistou uma mulher de costas paralisada, vestida com um longo vestido molhado. Ela possuía alguns machucados nos braços, e estava descalça. Seu cabelo grande também estava molhado, e parecia estar sujo com pedaços de folha. O seu vestido era de cor clara, um branco esverdeado, com uma faixa verde escuro circulando-o, a alça se posicionava um pouco abaixo do ombro e era delicadamente fina. O vestido tocava a terra formando um desenho circular.
-Não é uma visão, eu também estou vendo. -Disse Thomas.
-O que? -Perguntou Esther confusa.
Eric soltou Liv e lentamente caminhou até a mulher. Ele levantou a mão direita e a encostou.
-Tudo bem? -Perguntou Eric.
A mulher abaixou a cabeça.
-Como se chama?
Ela tirou o cabelo caído do rosto e levantou a cabeça.
-Helena.
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