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13. Mantenha Os Olhos Abertos

Por um instante, Eric não conseguia acreditar. A luz do sol quente beijava-lhe a pele e ele precisou abrir a janela do Jeep para respirar. O vento intenso bateu em seu rosto, e o deserto o recebeu de braços abertos, com cheiro de liberdade e esperança. Um sorriso desenhou-se em seu rosto, que logo transformou-se em uma risada.

Ele olhou para o lado, para Louis no volante. O amigo ainda arfava com a adrenalina. Este o encarou de volta, um sorriso travesso no rosto.

E ambos caíram na risada, como se tivessem acabado de renascer. Lou bateu as mãos no volante e Eric olhou no retrovisor, ainda com um sorriso de orelha a orelha. A fumaça e o fogo subiam do que um dia foi um posto militar dos Corvos. Sabia que provavelmente aquilo não matara a todos eles, mas pelo menos tirou de cena qualquer veículo que poderiam usar para ir atrás deles. Os outros, roubados por seus amigos, vinham logo atrás. Eric contou pelo menos seis, e quis chorar de emoção. Voltaram por ele. Todos eles voltaram por ele. Assim que os Corvos conseguissem meios para segui-los, o vento rijo do deserto já teria encoberto os rastros.

– Eu disse pra você – Eric começou a vangloriar-se, lembrando-se da mulher no banco de trás. – Eu disse que não morreríamos ali!

Ele olhou para trás, e seu sorriso e felicidade desmancharam-se.

A garota estava escorada na porta de trás, logo atrás do assento de Lou, as pernas sobre o banco. Estava branca como papel, os olhos desfocados pescando pesado, e as mãos trêmulas seguravam a perna ferida. Eric olhou para o sangue que de lá jorrava, por sob a atadura mal feita de seus torturadores.

– Não, não, não – ele amaldiçoou baixo.

– O que foi? – Lou tentou olhar para trás, mas a garota estava fora de seu campo de visão.

Eric não respondeu. A adrenalina que ainda sentia era suficiente para acobertar a dor no corpo um pouco mais. Ele pisou no assento do carona e pulou para o banco de trás. Empurrou devagar a perna dela para ganhar espaço e sentar ao seu lado. Apoiava-se com uma mão no vidro, ao lado da cabeça da mulher, e a outra segurava no banco de Lou.

– Ei, está me ouvindo? – Eric se deu conta de que nem ao menos sabia seu nome. Ela piscou fundo. Tentou arregalar os olhos, mas esses voltavam a se fechar como se estivesse exausta de mantê-los abertos, e as pálpebras pesassem toneladas. Mesmo assim, ela esforçou-se para focar as íris nas dele. – Deixe os olhos abertos, ok?

– O que eu faço? – Lou perguntou, quase um gaguejo, conseguindo apenas ver o desespero de Eric pelo retrovisor.

– Dirija mais rápido!

Eric olhou para a perna dela, para o sangue que escapava por suas mãos com dedos longilíneos e que já não mais pressionavam a ferida. Fitou a própria blusa, pronto para tirá-la e usar de atadura até que chegassem ao abrigo. Então, lembrou-se do vômito seco que ainda estava lá, resultado da concussão pela pancada.

– Segura o volante! – Lou praticamente gritou, estudando a cena pelo retrovisor. Eric escorou o tronco para a parte da frente e obedeceu, engolindo a dor aguda que sentiu na altura das costelas. Segurou o volante com mãos firmes enquanto via Lou tirar a farda que roubou do Corvo. O amigo arrancou a parte de cima, ainda ficando acobertado por uma camiseta branca surrada, e jogou-a sobre o ombro de Eric. Eles outra vez trocaram as funções.

– Porra, garota...! – Eric revesava o olhar entre a perna e os olhos dela, que lutavam para ficar abertos. Ele levantou a coxa dela apenas o suficiente para passar a roupa fardada por baixo desta, e amarrou a ferida devagar. – Não vai nadar e morrer na praia, não é?

Mas ela não exibiu reação alguma. Nem mesmo dor. Suas mãos ensanguentadas caíram do lado do corpo.

– Ei, fique comigo, ok? – Eric pediu, segurando o rosto dela para cima, a cabeça pesando em sua mão. Procurou seu olhar, mas não o encontrou. – Mantenha os olhos abertos.

Mas estes se fechavam.

Mantenha os olhos abertos, garota.

Mas perdera muito sangue.

E eles se fecharam.




Benji finalmente pegou no sono.

Chorou tanto durante o dia que a garganta doía, competindo com o coração. Os gêmeos de Trisha – Anika e Ishan – até tentaram dar apoio ao amigo, mas a mãe não deixou. Não até Benji se acalmar. Era um baque e tanto o que o menino sentia, e ela só queria proteger os filhos de um sentimento que não sabia se entenderiam. Não ainda.

Mas Ben não queria ficar perto de Trisha, tampouco. Ela mentira para ele. Disse que Sam estava bem e que voltaria logo. E ele acreditou, caiu em sua teia de mentiras como uma mosca.

Andy foi uma rocha que ele duvidou muito que conseguiria ser. Ficou no quarto de Sam, deitou em sua cama, ao lado de Benji, e ouviu-o chorar, sem dizer nada. A roupa de cama ainda tinha o cheiro dela, e Andy quis tirar o irmão mais novo dali. Mas Ben não queria sair do quarto. Era o seu quarto, era o quarto dela, e a última conversa dele com a irmã ainda era tão vívida que repetia-a diversas vezes na mente, até cansar.

– O que eu sempre te digo?

A voz dela era uma lembrança tão clara, e ele temeu que um dia a esquecesse.

– Você protege a gente, ele disse.

Isso, eu protejo vocês.

E a culpa consumiu aquele pequeno garotinho de dentro para fora. Só conseguia pensar na trágica cadeia de acontecimentos; um carrapato o mordeu, ele teve febre, Samira surtou com a possibilidade de perder o irmão que criou, e só foi para aquela cidade, para aquele lugar horrível, e só tomou aquele comprimido nojento porque queria salvá-lo. Queria protegê-lo, como prometeu. E agora não iria mais voltar.

Raquel o olhava dormir da porta. Via Andy acariciando os cabelos do irmão caçula e doía no peito a falta que a irmã mais velha fazia naquela cena.

Andy estava de costas para ela, mas sentia-se observado por alguém. Já fazia minutos. Então, olhou para trás.

Raquel tinha olheiras sob os olhos exaustos e inchados, assim como deviam estar os do garoto. Ele estava com medo de encará-la desde que voltara da cidade. Raquel foi sentir sua dor e a deixou com a dele, e a culpa de que, de alguma forma, tivesse matado a irmã. Mas, agora, encarava-a nos olhos. Precisava que ela dissesse alguma coisa. Qualquer coisa.

A mulher que ele tomou como mãe por mais da metade da vida tirou os sapatos ao entrar no quarto, tomando cuidado para não acordar Benji. Ela sentou-se ao lado de Andy. Mas ficou em silêncio.

Tanto silêncio.

Até que Andy não aguentou mais.

– Raquel? – chamou.

A mulher olhou-o de soslaio, como se acabasse por despertar de devaneios.

– Oi, Andy.

A voz embargada de Andy escorregou pelos lábios:

– Vai me exilar?

As sobrancelhas de Raquel cerraram em dúvida, talvez até indignação. Ela ajeitou-se, desencostando as costas da parede para olhá-lo. Apesar de Andy ter crescido tanto e ser mais alto que ela, parecia apenas um garotinho de olhos marejados esperando sua sentença.

– Do que está falando?

– Você sabe.

Raquel respirou fundo, com pesar.

– Eu não posso fazer isso, Andy...

– Mas... as regras, elas...

– Pare por aí.

A mulher olhou pela janela. O sol começava a nascer em algum lugar, mas ainda demorava-se para entrar pelas frestas entreabertas. Seus lábios tremularam, e ela não conseguiu sustentar o olhar de Andy.

– Eu... eu consigo dissuadir qualquer um que me perguntar o porquê de eu não fazer isso, querido – murmurou. – Posso dizer que você voltou com medicamentos suficientes para nos acobertar por... um ano, talvez?

Andy olhou para as mãos enfaixadas, cabisbaixo.

– Mas... – Raquel engasgou na própria fala –, eu sei que não tenho sido muito presente... o que é estranho, já que moramos nesse cubículo há uma década. É que...

Andy sentia um pequeno remorso que nunca admitiu. Samira era a favorita de Raquel, a menina dos olhos, e ele era seu discípulo atrapalhado. Um lado obscuro de sua mente estava se perguntando se Raquel não preferia que Sam tivesse voltado e ele não.

– Você é meu filho, Andy – Raquel desabou.

Ela olhou-o, e o garoto levantou a cabeça para fitá-la também.

– É castigo suficiente eu perder a minha menina, mas... exilar você? Por ter quebrado as regras? Isso... isso acabaria comigo, filho.

E Andy desabou com ela, as lágrimas retornando, mudas dessa vez. Não queria acordar Benji. Esperava que seus sonhos estivessem mais tranquilos.

Raquel envolveu Andy com os braços, e ele aninhou-se em seu colo como se tivesse sete anos outra vez.

– Eu não sei como eu vou aguentar essa merda, Raquel – admitiu, abafando o choro na gola da blusa dela.

Raquel mordeu o lábio, segurando a própria dor. A verdade é que também não sabia. Só sabia de uma coisa, até então:

– Vamos segurar a barra juntos.




Samira despertou de um sono sem sonhos. As pálpebras demoraram a reagir, um medo inconsciente do que veria, uma exaustão que mais um dia inteiro de sono não bastaria.

Quando finalmente conseguiu abrir os olhos, estes pesavam como se a própria gravidade os quisesse fechados.

Sam deparou-se com um ambiente parcialmente escurecido. Conseguia ver uma porta cinzenta e uma vela acesa, sobre uma mesa de cabeceira. E só, daquele ângulo. Estava deitada de lado em uma cama, percebeu. Não era mais no chão, nos colchões improvisados que tinha no abrigo. Não tentou se mexer, nem mesmo um dedo. Não sem antes deixar que todas as lembranças viessem à tona.

Os olhos de Samira tornaram a se fechar, com força, e suas pálpebras doeram onde tinha certeza que estavam feridas. Ela lembrou-se de ser capturada, de ver Andy fugindo, de ser torturada, de sentir dores que nem sequer sabia que podia sentir sem que o corpo entrasse em colapso. Lembrou-se dos Corvos querendo arrancar-lhe os olhos por não serem como os deles. Lembrou-se, então, do homem dos olhos azuis, cuja esperança de viver lhe magoara, mas cujos amigos de alguma forma a tiraram daquele lugar assombroso e recusaram-se a deixá-la para trás, mesmo sendo a opção mais fácil.

Seus devaneios foram interrompidos quando olhou para a porta. Soltou um ganido de surpresa ao vê-la entreaberta e, por entre a fresta, alguém a observava. Era uma garotinha, Sam percebeu, e suas sobrancelhas se arquearam. Era mais nova do que Benji, com certeza, e Samira abriu a boca para falar algo, mas a menina saiu correndo por onde quer que tenha vindo.

A mulher ficou sem palavras. Por muito tempo, a criança mais nova que conheceu fora Benji, o irmão que praticamente criou desde que nasceu, e já quase esquecera-se como era ver alguém mais novo que ele.

A lembrança de Benji doeu-lhe no peito. Sam sentiu uma mistura de sensações distintas. Dor, alegria, medo, esperança. Precisava voltar para casa, para Ben e Andy e Raquel e Zoe, e precisava contar-lhes que estava bem, de alguma forma que ainda não entendia. Só de se colocar no lugar deles sua garganta já apertava. Não queria ao menos imaginar o que estavam passando. Isso supondo que Benji estivesse bem. Ela apertou os olhos outra vez para afastar as hipóteses ruins.

E, afinal, que lugar era aquele? A curiosidade veio depois de tanto. Quem era o homem de olhos azuis? Quem eram seus amigos? Quantos deles voltaram por ele? Por quê?

Sam não soube por quanto tempo mais ficou em silêncio, fitando a porta, talvez esperando que a menininha voltasse, talvez apenas receosa de levantar e descobrir o que tinha acontecido com ela. E, quando finalmente decidiu que precisava fazê-lo, esticar as pernas e medir os danos, a porta se abriu e, para sua surpresa, um espontâneo sorriso desenhou-se em seus lábios ao vê-lo.




Preparou o emocional para encontrá-la aos cacos, pronto para juntar os pedaços. Eric não esperava, entretanto, encontrá-la sorrindo.

Sorrindo. Não fazia o menor sentido. Ou eles a levaram à insanidade, ou aquela mulher à sua frente era a pessoa mais forte que já conhecera. De alguma forma, estava convicto da segunda opção.

– Ei – conseguiu que seus lábios falassem, ainda chocados –, você acordou.

O sorriso da mulher diminuiu, mas não a abandonou.

Ele entrou no quarto que tinham por enfermaria. Acendeu uma lanterna forte e apontou-a para o teto, deixando-a ao lado da vela.

– Quanto tempo fiquei aqui? – ela indagou, e Eric gostou de ouvir sua voz sem que a atmosfera caótica a deixasse em segundo plano.

– Quinze, dezesseis horas, talvez. – Cruzou os braços, pensativo, e repousou as costas na parede. O corpo ainda pedia repouso. Por sorte, Eric não quebrara nada, mas isso não diminuía a dor, e com certeza fraturara alguma das costelas. A pancada na cabeça estava com um curativo feito por Drica. Depois de ela ter brigado imenso com ele, xingado-o por tê-los assustado tanto, decidiu que ele precisava de cuidados. – Como está se sentindo?

A mulher encolheu os ombros, o rosto agora impassível.

– Ainda não tentei me mexer – admitiu, e Eric viu medo em seus olhos, o que de alguma forma tomou como obrigação afastá-lo.

– Ok – concordou, sentindo-se confortável para se aproximar –, então vamos fazer isso juntos, está bem?

Ela concordou. O homem prostrou-se ao lado da cama e ajudou-a a afastar as cobertas, mas ela não olhou para baixo, para o corpo ferido, e Eric teve certeza que ela temia pelo que veria. Com cuidado, envolveu-a com os braços, e ela fez o mesmo ao redor de seu pescoço. Ele colocou-a sentada, as costas encostadas no espaldar da cama.

Então, lhe deu espaço. E a mulher olhou para baixo, para as roupas novas que lhe doaram de bom grado – um shorts de moletom azul bebê curto que deixava as pernas respirarem, o que foi bom para cuidar dos ferimentos, e uma camisa de linho verde escura, desgastada, mas muito melhor do que os trapos ensanguentados que ela usava e que Drica fez a boa ação de jogar no lixo. Ela estudou a própria coxa, por fim, e demorou os olhos ali, vendo-a agora suturada por linha cirúrgica. Ele tentou desvendar seu olhar, mas não conseguiu.

– Eu... eu nem percebi que me costuraram – ela admitiu, a voz rouca e a feição desconcertada. A pele ainda estava branca como papel.

Bateram à porta, e ela levantou os olhos para o batente.

Eric abriu-a. Não tinha ninguém lá, mas a bandeja que pedira estava no chão, com um prato, um lanche, e água. Ele abaixou-se, pegou-a, e viu os olhos da mulher brilharem quando retornou.

– Deve estar faminta.

Ela riu, e ele outra vez admirou-a por conseguir. Temeu que a tivessem quebrado de verdade.

Eric colocou a bandeja perto dela, na mesa de cabeceira, e viu-a pegar o lanche de pão velho e queijo e a água nas mãos desesperadas como se fosse seu prato favorito. Devorou-o e quase engasgou com a água, mas ele tinha certeza de que ela sentiria-se melhor logo. Foi assim consigo, também. O homem encostou na parede outra vez, estudando-a.

– Percebeu, sim – contou.

– O quê? – ela indagou, confusa, limpando a boca com as costas da mão.

– Estava consciente quando costurei sua perna. – Ele olhou para o chão, evitando aqueles grandes olhos indagadores. – Me implorava para que eu parasse e... Lou teve que segurar você, então... eu não me senti muito melhor do que...

– Está brincando? – Ela inclinou-se para frente, as sobrancelhas arqueadas. A comparação dele com os homens que a fizeram sofrer parecia tê-la desconcertado. – Não faz ideia de o quanto eu sou grata. Não se sinta mal. Eu... eu não lembro, me desculpa.

Eric soltou uma risada distante e amarela, obrigando-se a levantar o olhar e vê-la com as sobrancelhas arqueadas. Os cabelos ruivos e soltos deixavam-na diferente, menos postura de sobrevivente e mais postura de paz, um pouco de calma, mesmo que seu rosto ferido contrastasse tanto.

– Às vezes nossa mente bloqueia lembranças dolorosas – ele explicou. – É um mecanismo de defesa.

Ela devorou o lanche, bebeu toda a água, e deixou o prato e a garrafa na bandeja.

– Então minha mente bloqueou as lembranças erradas.

Eric apenas evitou seu olhar. Compartilharam muita coisa. Não sabia o que falar, ao mesmo tempo que tinha tanto a perguntar. Mas sabia que aquele limiar de uma conversa amena e confortante para um interrogatório era tênue.

– Eu costumava correr – ela despejou, e ele percebeu que ela procurava algo a que se agarrar. – Todos os dias. Eu era boa. Era rápida.

Ela e Eric trocaram olhares. Os dela, esperançosos. Os dele, compreensivos.

– Eles me arrancaram isso, também?

O homem pensou naquele também. Quis perguntar, mas guardou para si. Foi sincero, então:

– Vai voltar a correr.

– Vou? – ela indagou, esperançosa.

– Sim. Só... seu músculo precisa se regenerar.

– Quanto tempo?

Ele calculou minuciosamente, porque não queria dar-lhe falsas esperanças, ao mesmo tempo que não queria que ela as perdesse.

– Em um mês deve estar andando – pensou. – Em mais um, pode voltar a correr aos poucos, eu acho.

A mulher concordou. Abriu um sorriso de canto, como se estivesse feliz com a notícia. Parecia tão curiosa quanto ele quando tornou a olhá-lo, e Eric esperou por alguma pergunta, mas ela apenas disse:

– Samira.

Ele olhou para cima ao ouvi-la, confuso. Ela estudava os pontos em sua perna, os dedos passeando pelas laterais, testando a dor.

– O quê?

– Meu nome é Samira – ela o olhou, voltando a sorrir. – Me chame de Sam.

Então, ele sorriu, porque finalmente tinha um nome. Era mais um passo andado.

– Eric.

Samira riu.

– Eric? Sua mãe gostava da Pequena Sereia, é?

– E a sua era uma bruxa da floresta ou algo assim? – Eric entrou na brincadeira, debochando.

Ela tornou a rir, e ele pensou que aquele sorriso era dos mais lindos que já vira. Não por beleza física ou nada do tipo. Era por ser genuíno, transparecer uma felicidade repentina por estar viva, fora daquele lugar em que estava convicta de que iria morrer. Era como nascer de novo.

– É, algo do tipo, sim – ela brincou, e ele percebeu que também sorria.

Sam, então, olhou para baixo, para as pernas dobradas, e levou as pontas dos dedos com cuidado até o rosto, como se tivesse medo que se queimasse. Eric congelou, assistindo. Ela tateou os minuciosos curativos que ele fez em sua face. O breve sorriso que ele vira desapareceu por completo, e Sam então levantou os olhos para ele, que observava-a com cuidado. Os olhos da mulher estavam trêmulos quando perguntou:

– Você tem um espelho?

Eric respirou fundo, o peito visivelmente subindo e descendo. Ele não conseguiu sustentar aqueles olhos por muito tempo, mas Samira não deixou de olhá-lo até ter uma resposta. Seus dedos ainda seguravam o rosto, transitando pelas bandagens.

– Por favor? – insistiu, vendo a hesitação do homem.

Eric mordeu o lábio, mas concordou.




Ele ajudou-a a se levantar, por mais que Sam recusasse ajuda como uma menina teimosa. Estava ainda frágil, com dificuldade de manter-se em pé, mas foi criada em um lugar onde precisava ser forte dentre todos para mostrar alguma autoridade, que fosse. Precisava ser forte para ir a campo periodicamente, voltar como se as cidades fantasmas não a abalassem em nada, por mais atrocidades que encontrasse no caminho, e tinha aquela mentalidade pré-definida de que sua fraqueza deveria ficar resguardada só para si. Às vezes para Zoe.

Eric apoiou-a com um dos braços ao redor de sua cintura, e ela passou o seu pelos ombros dele. Não deixou que a perna ferida tocasse o chão.

Eles nem ao menos saíram daquele quarto. Ele levou-a à uma porta que Sam não tinha visto, do lado oposto ao que ele entrara, e abriu-a. Trouxe consigo a lanterna, e Samira conseguiu distinguir um banheiro. Uma privada, uma pia, um box sem chuveiro, nada de janelas, um piso de cimento mal acabado, e um espelho. Um espelho em cima da pia.

Eric sentiu a hesitação quando ela o soltou. Ele quis dar espaço, mas não sabia se era o certo. Não sabia se ela o queria. Quando chegaram ali, horas antes, ele mesmo não quis ficar sozinho. Não admitiu a ninguém, porque sabia que isso o faria soar como um bebê, mas a ideia de ficar sozinho era apavorante, como se pudesse adormecer e acabar percebendo que tudo era um sonho. Que não saíra do lugar de seus pesadelos. Por isso, ao dormir, Laila adormeceu ao seu lado. A menininha só perguntou o que aconteceu com ele, aceitou sua resposta de que Eric se metera em uma briga com gente má, e abraçou-o feliz por ele estar de volta. E mesmo uma criança de sete anos o fizera se sentir menos desamparado. Era a mesma sensação de desalento de um garotinho longe dos pais. Eric longe de casa. Se ainda se sentia assim lá dentro, imaginou como Samira não estava.

Ela mancou até a pia, os olhos fixos na porcelana ao qual agarrara-se com as duas mãos. Os ombros encolhidos mostravam que ela colocava todo o seu peso sobre os punhos, e os dedos tremiam sob o aperto.

Então, Samira olhou para o espelho. Ignorou o fato de estar enferrujado nas extremidades e desgastado, e focou apenas no que a luz da lanterna lhe mostrava de seu rosto.

E Eric viu qualquer indício da felicidade que vira nela antes desaparecer.

Tudo desmoronou sobre Sam outra vez quando ela levou as mãos ao rosto. Quando tirou o primeiro curativo da testa, viu o corte preciso da tesoura, e lembrou-se do que quase fizeram com ela. Por tão pouco. E seus olhos marejaram.

Lembrou-se da horrífica sensação de lhe negarem o ar. De puxá-lo com toda a sua força e sentir apenas o plástico entrando por seu nariz e boca. Do corpo aos espasmos, lutando contra as cordas, ferindo-lhe os punhos, o desespero para arrancar aquilo do rosto e respirar. A luta em vão.

Tirou outra bandagem da bochecha, vendo um corte mais profundo, e lembrou-se de mãos sujas em seu corpo. E uma lágrima escorreu.

Então, tirou mais um curativo, e viu os ínfimos cortes ao lado de seus olhos. Viu as pálpebras feridas onde a tesoura do Corvo forçou espaço para arrancar sua orbe fora, à sangue frio, e Sam teve que segurar-se outra vez na pia fria para recompôr-se. Ela olhou para baixo, sentindo o corpo inteiro tremer.

– Quando cicatrizar – Eric falou, perguntando-se se era o certo a se fazer –, quase não se dará para notar.

Samira engoliu o choro e olhou para cima. Viu-o a estudando pelo espelho, as sobrancelhas arqueadas como se quisesse mostrar empatia.

– Não ligo para isso. – Sam balançou a cabeça, voltando a se olhar no espelho. Era mentira. Muitas coisas foram arrancadas deles durante os anos, mas Sam ainda era vaidosa. Desde que começou a ir a campo trazia pinças e lâminas de barbear e alicates e lixas para ela e Zoe. E logo aquilo virou um grande contrabando dentre as pessoas do prédio, o que elas acharam graça. Gostar do que via no espelho acabou mostrando-se mais importante do que achavam necessário, uma pequena fração da sanidade e humanidade que tentavam manter. Mas, não. Sam não estava pensando em vaidade quando deixou que uma lágrima escorresse no banheiro daquele lugar estranho e claustrofóbico. Só conseguia pensar em uma coisa: – Eric?

– Hum? – o homem ergueu as sobrancelhas, surpreso ao ouvir seu nome, e deu um passo à frente. Seus olhos se encontraram pelo reflexo no espelho.

Sam virou-se para ele, os lábios tão trêmulos quanto as pernas.

– Não sei quem você é. Não sei porque seus amigos voltaram por você. Mas... se não tivessem voltado... se não tivessem chegado exatamente naquela hora... tem noção do que...?

Tem noção de onde eu estaria agora?, ela quis perguntar, mas as lágrimas engasgaram-lhe.

E Eric fez o possível para sustentar aquele olhar. Sim, ele pensara naquilo. Se Lou e Mat não tivessem chegado, ele estaria aos frangalhos, com certeza, torturado pelas mãos do coronel. Mas, Samira? Ela estaria presa em algum lugar com soldados sujos de mãos sujas, sem os olhos, esperando que a morte chegasse logo para não ter que sentir mais nada. E, se aquele pensamento era sufocante para ele, tentava imaginar o que se passava na cabeça dela.

– Você acredita em Deus, Sam?

Não, ela quis responder. Há dez anos não acreditava. Se Deus existisse, a noite que mudou sua vida não teria existido. Ela não teria sido obrigada a deixar o pai para trás. Não teria sido obrigada a ser a adulta que se tornou com catorze anos, que criou Benji e Andy. Que viu muito. Se Deus existisse, ela e os irmãos teriam ido à escola, à faculdade, teriam namorado, teriam tido uma vida normal, de estresse de estudos e dilemas de vida. Se Deus existisse, Benji não teria adoecido. Se existisse, ela não teria tido que passar por tudo aquilo. E, mesmo assim, não conseguiu dizer não, porque a ideia de estar sozinha no universo, abandonada à sua própria sorte, era quase sufocante.

– Não sei – admitiu. – Você acredita?

Eric respirou fundo antes de responder.

– Eu acredito que... há alguma coisa superior a nós, sim. Algo que não entendemos. Só sei que, Sam... se tudo isso aconteceu porque devesse parar aqui?

O semblante de Samira contorceu-se em dúvida.

– O que quer dizer?

– E se passamos por tudo o que passamos para que nos encontrássemos?

Samira sustentou o olhar dele. Queria estar furiosa ao ouvir que passou por tudo aquilo apenas para que o destino unisse-os. Com certeza teriam caminhos mais fáceis. Mas, de alguma forma, fazia sentido. Era um pequeno conforto, afinal. Ela e Eric passaram por tudo aquilo, Lou e Mat chegaram na hora certa, ela estava suturada e ferida e traumatizada, mas agora sabia de sobreviventes como eles. E eles sabiam de sobreviventes como ela. Era um passo à frente. Ver que há vida como as deles em um mundo de Corvos.

Então, ela limpou a lágrima que pecaminosamente escorreu e engoliu a própria fúria. Precisava voltar para casa quase tanto quanto precisava saber sobre a vida daquelas pessoas.

Sam voltou para o espelho. E fitou o olho que por pouco sobrevivera. Pensar que não foi em vão deixava mais fácil lidar com aquilo. Ela não deixaria ser em vão, então.

– Me leve a quem manda aqui, então – Samira pediu. – Temos muito a conversar.

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