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COM INCÓGNITA BELEZA

Após a conversa, na qual ficou decidida a ida do casal à festa de despedida estudantil, Howard se vê aliviado com o fato de não precisar mais escolher entre amizade e paixão. Uma ansiosa felicidade não o permite dar atenção ao anime que volta a assistir, tão pouco o deixa dormir. Contudo, algumas horas depois, seus olhos acabam cedendo.

“A esperança é como uma droga lícita. Mesmo sabendo que ela pode gerar um grande arrependimento em consequência, ainda nutrimos a expectativa... Eu espero que essa noite seja incrível.”

A primeira coisa que o jovem Williams faz ao acordar é escrever em seu diário, sentado na cama. Em seguida, pega o celular ainda conectado ao carregador e, no grupo com três integrantes apenas, informa que resolveu ir à festa.

Junto à manhã de sábado, quase meio-dia, o adolescente se mostra com incomum alegria. Faz suas higienes e também prepara o café, o qual ele descobre não ser tão ruim quanto imaginava, se acompanhado com uma fatia de pizza requentada. Isto tudo depois de tomar a medicação matinal.

Regressando ao aposento, passa pela sala de estar e nota Ronald ainda ali no sofá, dormindo profundamente. Segue até seu destino final e começa a pensar no que deveria fazer para impressionar na festa. Enquanto a consciência não encontra uma resposta, o aparelho telefônico recebe notificações do grupo.

Super Mandy: Sabia que escolheria bem.

Bri-ant: Eu sempre soube que não resistiria a minha persuasão.

Eu: Espero que isso não seja um erro...

Bri-ant: Este dia entrará pra história!

Eu: Tomara que seja por algo bom.

Super Mandy: Eu quero vocês dois arrumados, cheirosos e deslumbrantes. Entenderam?!

Bri-ant: Precisava nem pedir, vamos impressionar!

Eu: Vou ver o que eu faço...

Após algumas frases motivacionais, Brian se despede ao avisar que sua mãe o chama, e a Morrissette alega precisar escolher sua roupa para aquela noite. Howard deleta as notificações do instagram, e a mistura de saudade com ansiedade o faz olhar os seus contatos, mais especificamente, Olhos Azuis.

Uma vez mais se pergunta o porquê de não salvar os números com os nomes reais, mesmo já sabendo a resposta. É, na verdade, uma mania intrigante ganhada ao escrever em seu diário.

Não deseja conversar, somente contemplar a bela foto no perfil, o que faz por poucos minutos antes de lançar o celular na almofada e seguir em destino à frente de seu guarda-roupa. Escolher o que vestirá talvez acalme seus ânimos.

— Coloridas demais... Muito formal... — alega à medida que rejeita algumas vestes passando-as para o lado. — Simples demais... Esta eu usei mais vezes do que posso contar.

Roupas que nunca havia provado, ao menos não se lembra de ter vestido em nenhuma ocasião. Doar certas peças é a ideia que lhe surge enquanto busca algo apropriado. Entre tantas opções, escolhe a calça escura com detalhes que dão um ar jovial, uma camisa preta simples e uma jaqueta da mesma cor. Separa as peças optadas.

“Dizem que o que vestimos fala muito sobre quem somos... Pelo visto, vivo em um mundo onde as pessoas dão mais atenção ao que os tecidos falam do que a quem os usa.”

O almoço toma sua mente, opta por uma comida saudável neste sábado. Tendo isto em mente, decide começar a prepará-lo o quanto antes. Desce as escadas e encontra a televisão ligada, todavia não há ninguém assistindo.

— O tráfico e o contrabando de drogas aumentaram consideravelmente nesse último mês... — É o que a moça do jornal reporta antes de Howard desligar, usando o controle remoto. Ao fazer isto, questiona-se: quem, em sã consciência, dispõe-se a assistir notícias ruins em um sábado?

— Eu estava assistindo. — Sua resposta vem instantaneamente quando percebe Ronald na passagem da sala à cozinha. Os pelos faciais começam a dar sinais de descuido.

— Aah, desculpa. — Sem demora alguma, o jovem liga a TV e põe o controle sobre o estofado, onde se encontrava antes. Negando qualquer contato visual, os dois Williams trocam de lugar, entretanto, ainda na passagem, o mais novo se volta ao pai que toma seu lugar no sofá. — É... Hoje à noite eu vou pra uma festa na escola... Vou pedir para o Bri me buscar aqui.

— Já é grande o suficiente para saber o que pode, ou não, fazer. Não precisa me pedir nada. — O homem troca de canal como se quisesse mudar aquela conversa, ou nem tê-la.

Mesmo não tendo feito nenhum pedido, Howard não discutiria tal fato com intenção de poupá-los de uma situação desagradável e desnecessária. Retira-se dali ignorando a indiferença do pai.

Prepara a comida enquanto ouve músicas aleatórias e, no processo, pergunta-se o porquê de não ter feito uma solicitação de entrega. Indagação respondida por sua vontade de fazer o que não fazia há algum tempo: cozinhar. Além de lhe parecer mais saudável, e ainda ocupar a consciência, a qual o leva insistentemente a pensar em como será aquela noite.

Após o almoço, toda sua tarde é dividida entre jogos no computador e conversas corriqueiras com seus contatos, especificamente, os dois amigos e a pessoa com quem mantém a relação em sigilo. Todos aparentam estar ansiosos para a noite de hoje, inclusive os estudantes comentando nas redes. Alguns postam fotos enquanto organizam a escola. Pelo que o adolescente percebe nas imagens, a festa será maior do que imaginava.

À medida que a tarde é varrida pelo anoitecer, o coração do jovem começa a cronometrar os segundos com batidas mais fortes assolando seu peito. Esta será sua primeira festa com vários jovens, o que deve aguardar? Ainda pensa em ver tutoriais no YouTube de como dançar e como se comportar em eventos assim, julga desnecessário, todavia, já que só precisará imitar os outros.

“Quando algo acontece em surpresa, não sabemos o que esperar. No entanto, parece-me muito mais angustiante saber o que vai acontecer, mas precisar aguardar.”

Toma um demorado banho com água quente o suficiente para que seus músculos relaxem. Acredita que assim sua mente também pode relaxar, e realmente parece ter o efeito previsto. Respira fundo ao olhar no espelho as olheiras que já fazem parte de sua imagem. Na mente, questiona-se sobre o que pode conceder ao destino em troca de um corpo mais próximo do padrão, como o do capitão do time Berseker, Stephan Golding. Entretanto, não consegue pensar em nada que possua de tão valioso para ceder na permuta impossível.

— Você não é tão feio assim... — Howard declara a si mesmo, encarando seu reflexo desnudo. — Só precisa se arrumar.

Dito isto, põe-se a esconder com maquiagem as manchas escuras sob seus olhos, além de passar um pó no rosto a fim de encobrir sua ligeira palidez. Assim que veste a roupa escolhida, constata que ainda faltam uma hora e quarenta e três minutos para o começo da festa, de acordo com o comentado nas mídias.

Descarta a ideia de comer algo antes de ir, pois sua ansiedade é suficiente para coibir a fome. Considerando-se pronto, deixa o seu aposento com um comprimido na mão e se dirige à cozinha, na qual busca um copo d’água e bebe junto ao medicamento.

— Quer que eu vá deixá-lo na escola? — Com a aparência menos abatida, Ronald surge pela entrada do recinto.

— E-eu... — Tenta se recuperar do súbito susto ao colocar a mão no peito. — Não, não precisa.

— Espero que se divirta bastante — deseja o homem com alguns fios de cabelo branco.

“Querido Diário, O QUE É QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?!”

Neste instante, o moço de cabelo incomumente arrumado não quer saber o momento em que o pai voltou a lhe apresentar prudência, nem o motivo da mudança repentina. Não precisa ter ciência do porquê. Um sorriso surge em sua mente, o rosto maquiado, porém, mostra-se estupefato demais para demonstrar a alegria em receber tal atenção.

Ronald ainda parece precavido nas ações, observa seus dedos estralarem um contra os outros antes de cruzar os braços. Percebendo isso, Howard decide não forçar a barra emocional e seguir o roteiro do destino com calma. Daria um passo de cada vez em direção à reconciliação.

— Obrigado... Não sei que hora voltarei, mas provavelmente será antes da meia-noite. — Quanto dura uma festa de adolescentes sem limites? Ele não sabe responder.

Executa uma marcha lenta e cautelosa em direção à saída daquele cômodo, todavia cessa seu caminhar quando suas íris escuras encontram os orbes azuis do homem estagnado.

“Palavras são transmitidas pelos que usam a boca; e poesias soam nos versos dos poetas; já alguns segredos são revelados apenas pelas janelas da alma, os olhos.”

Após se contemplarem pelo que parece um eterno instante, não há mais o que ser falado. Um buzinar os desperta. Ronald assente com a cabeça e dá espaço ao filho, o qual segue às pressas no destino do quarto. Pega seu celular e corre com cuidado para não cair nas escadas. Após sair, ao fechar a porta da casa, pede ao universo que, quando voltar, não encontre seu pai inconsciente, caído em algum cômodo da grande residência, alcoolizado.

— Pensei que ia desistir! — Brian exclama de dentro do carro estacionado em frente à casa dos Williams. — Você está lindão, hein!

— Deixa de ser escandaloso!... Obrigado — cochicha a última parte quando entra no veículo por umas das portas traseiras. — Boa noite, senhora Lewis.

— Boa noite, querido. — Sem tirar as mãos do volante, Branca cumprimenta volvendo seu olhar ao amigo do filho. Ela apresenta um corpo com curvas acentuadas e esbeltas, uma pele clara, assim como seu cabelo. — Está realmente bem bonito. Com certeza irá conseguir uma namorada.

— Mãe! — repreende o jovem de cabelo platinado no banco ao lado dela.

— Um namorado? — questiona inocentemente, erguendo os ombros.

— Só dirige, mãe! — Eleva o tom, apontando para frente.

— Tá bem, tá bem. Desculpa, Howard...

— Tudo bem, senhora Lewis — agradece cortando-a com um sorriso amigável quando ela dá a partida. — E obrigado pelo elogio, mas não fiz planos de começar a namorar...

— O Brian deve ter comido o suficiente para alimentar três famílias, de tão ansioso que estava. Sabe se ele vai se encontrar com alguém especial? — Branca indaga com humor ao girar o volante intencionando fazer o automóvel virar na encruzilhada.

— Mãe!

— Não sei nada sobre isso, mas já ia perguntar se ele tomou algum energético, está mais agitado que nunca. — O clima alegre não o impede de perceber as rechonchudas mãos frenéticas do amigo indignado. Pelo visto, não é somente o Howard que apresenta certa ansiedade.

— Vão mesmo falar como se eu não estivesse aqui?! — A indignação faz os outros dois gargalharem.

“Após meu pai me repudiar por ter visto uma falsa imagem de mim, comecei imaginar uma realidade paralela onde sou um Lewis e não Williams. Isso talvez resolvesse a maioria dos meus problemas.”

Quando o carro estaciona, alguns minutos depois, Mandy Morrissette entra pela porta que o amigo abre com cortesia. Sua pele bronze leva um curto vestido preto, rodado e sem alça. Em vez do costumeiro turbante na cabeça, fios de cabelo escuro lhe alcançam até a cintura, uma peruca com algumas tranças perfeitas. Maquiagem simples e brincos chamativos.

— Você está linda... — Aqueles já no veículo comentam em um uníssono tom de surpresa e encanto.

— Não acredito que nós três viemos de preto! — É a primeira coisa constatada por ela ao mirar Howard e Brian. O segundo destes com camisa e calça sociais escuras.

— É a cor favorita de vocês dois. Sabia que viriam de preto, então fiz o mesmo — comenta o sentado no banco da frente.

— Vocês estão muito charmosos, meninos. — A senhorita declara enquanto o automóvel torna a se locomover. — Você também, Branca, como sempre.

— Ah, obrigada, querida. Quero pedir uma coisa a você. — A mulher pausa a fala dando atenção ao trânsito que se mostra maior naquela parte da cidade. — Como a mais velha, quero que cuide dos garotos...

— É só um ano mais velha que eu, isso não torna ela nossa chefa...

— Mas ela é garota, por isso é muito mais responsável! — A mãe contrapõe a resposta do filho, o qual concorda com seu argumento. Não há como contestar tal fato. O mais novo se mantém apenas atento à conversa interessante, dando sorrisos sorrateiros. — Fiquem longe dos banheiros e lembrem-se de não aceitar nenhuma bebida suspeita, ela pode estar batizada...

— Ninguém aqui bebe, mãe... Só a senhora.

— O quê?!

As risadas trazidas pelo humor dos Lewis são reconfortantes e tomam o lugar do frio na barriga que os ansiosos sentem. A primeira festança de suas vidas... Em alguns momentos, parecem até esquecer para onde estão indo, porém, sem que percebam, logo chegam ao destino final.

— Divirtam-se muito, mas com moderação! — Branca deseja com um sorriso logo ao estacionar o carro.

— Vou te ligar quando quisermos ir embora — avisa o de cabelo platinado. Os outros dois adolescentes agradecem a carona, e o trio desce do veículo.

— Prontos? — Entre seus amigos, Mandy pergunta quando se colocam de fronte a escola, a qual se mostra bem iluminada à noite.

— Não... — Quem responde é o de cabelo preto. Ainda estagnados, observam alguns poucos alunos se aproximando.

— Então vamos! — completa o terceiro. Assim, começam a marchar em direção à porta. — Aliás, Howard, não me lembro de você ter me elogiado. Que tipo de amigo é esse?

— Você está gatíssimo! — O elogio eleva o ego do adolescente que coloca uma goma de mascar na boca.

— São apenas seus olhos... que enxergam a verdade. — As risadas deles roubam a atenção dos estudantes, os quais também se dirigem a entrada.

Enfim, entram na escola escondendo o leve receio e mostrando um sorriso inédito para qualquer outro aluno. Vestem preto, contudo não aparentam um triste luto eterno, e sim uma elegância misteriosa que finalmente surge das cinzas. Por bastante tempo camuflaram muito de si mesmos, inclusive a incógnita beleza que possuem. Não mais...

“Hora de me sentir vivo.”

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