BRI-ANT
Howard pensa em gritar o seu amor por aquele que se sacrificou por ele, todavia um berro repentino furta sua iniciativa:
— Saiam daqui, rápido! — exclama o Berseker, que ainda luta por sua vida, ao libertar-se do cerco de zublyes. Não custa em direcionar sua velocidade atlética à saída do refeitório. Corre até a passagem por onde todos chegaram ali, induzindo consigo os adolescentes infectados. — Depois encontro vocês!
Antes que o ardor nos olhos do jovem o faça piscá-los, todo o tumulto se esvai, restando o ecoar de gritos e rosnados. Fecha as pálpebras na esperança de finalmente acordar, suplicando internamente para que tudo seja apenas um pesadelo fértil. Não é.
Objetivando aquietar o corpo trêmulo, busca apoio na bancada à sua frente. A dor de cabeça não o permite regular a respiração. Suspira para concentrar suas ideias e tenta controlar o choro imparável.
“Um... Dois... Três. Soluço. Quatro... Cinco. Isto não pode ser real. Seis... Sete. Tenho que acordar. Oito... Nove. Preciso fugir. Dez...”
— Howard... — Um chamado fraco interrompe a contagem que usa como mantra a fim de se acalmar.
— Brian! — O pequeno Williams obriga seu corpo a endireitar-se enquanto abre os olhos. Ignora a tontura e segue a voz fraca que o convoca. O jovem com cabelo platinado e pele anormalmente pálida jaz sentado, suas costas escoradas na estante próxima à saída da escola. — Bri, você tá bem?!
— Estou, eu acho — declara vacilante ao receber assistência do amigo preocupado.
O moço moreno averigua o pulso do outro e também a temperatura. Corpo frio e hesitante, apresentando índices de confusão.
— Onde está seu namorado? — interroga com fraqueza no tom da fala quando vê o mais novo se afastar.
— E-ele... — Prepara-se fisicamente ao mesmo tempo em que tenta manter sua mente focada. — Ele atraiu os zublyes para que nós pudéssemos fugir.
Respira fundo e se lança contra a porta. O barulho emitido abafa o grito mental que surge da dor física em seu ombro. Não será fácil sair dali, mesmo sem a ameaça dos estudantes assassinos.
— Mas nós viemos até aqui..., só pra salvar ele. — Seu sucumbir aparenta servir como gatilho para Howard. — Não podemos deixá-lo.
— Ele disse que nos encontrará depois. — Repassa a promessa, mesmo entendendo que nunca se cumprirá. Quer acreditar nisto, assim como faz o moço com sobrepeso crer. — Agora temos que fugir.
Sua frase termina com outra investida forte na porta trancada. Mandy Morrissette, Stephan Golding... Havia perdido duas das melhores coisas de sua vida, por isto não se permite desistir de Brian, seu melhor amigo. A cada instante, a fuga ganha maior probabilidade; a dor corporal castiga o adolescente de jaqueta preta; e o moço sentado desfalece mais.
— Howard... — A atenção do Williams segue até seu amigo que aponta uma das prateleiras, todavia ao mirar aquilo que ele indica, o Zumbi percebe outra coisa que alerta seus sentidos. Uma aproximação. — Eu preciso de...
— Silêncio, Bri — cochicha ao se abaixar subitamente. — Vi alguém vindo pelo refeitório, não sei se fui visto.
— Eu preciso...
— Nós precisamos nos esconder. — Ainda abaixado, ele ajuda o Lewis a mover seu corpo pesado para trás de uma das estantes repletas de condimentos e louças. — Fique aqui e não chame atenção.
Em seguida, o mais novo rasteja até embaixo de um dos balcões da cozinha e permanece ali, ofegante. Respira mais devagar para que o som de sua respiração não seja um problema. Então, espera. Enquanto aguarda o desfecho do futuro, sente que suas emoções poderiam explodir aquela escola se decidisse libertá-las. Contudo, a razão, e talvez o medo, o contém.
Seus olhos se arregalam quando nota duas íris azuis através do reflexo desfocado de uma prataria bem polida. Um zublye busca sua próxima vítima ao bisbilhotar pela vidraça que se mantém, milagrosamente, inteira. Com as luzes acesas e a porta aberta, não há nada que os proteja da ameaça. Nada, a não ser o furtivo silêncio em que jazem.
Um caminhar vigilante revela aproximação da abertura, porém não é necessário ouvir os passos para saber disso, uma vez que o rosnado perturbador é um ótimo sinalizador. Os dois sobreviventes se encontram no final da cozinha, então lhes surge uma questão: quão longe aquele zublye precisará ir até desistir de sua caçada ali?
O com orbes azuis não se encontra mais no campo de visão do jovem atento sob o balcão, todavia este não deixa de sentir a presença intimidadora poucos metros à sua direita.
“Mandy batalhou por nós, Stephan batalhou por nós. Não posso decepcioná-los, não posso decepcionar o Brian. Preciso resistir.”
O pensamento encorajador adquire um ânimo que vira uma força interna nunca experimentada. No entanto, todo seu entusiasmo aparenta encontrar uma barreira emocional quando um barulho metálico insinua a incidência abrupta da porta com a estante que antes lhe firmava.
Não há tempo para cronometrar. Com os olhos escuros, e ainda escondido na penumbra oferecida pelo balcão, o jovem procura algo que sirva como arma. Uma faca; uma espátula, quem sabe; uma bandeja para se defender. Enquanto isso, supõe que seu oponente esteja em busca de uma vítima. Quem fará o primeiro movimento?
A resposta é dada de forma inesperada, pois quem toma toda a atenção é Brian. Na verdade, quem requisita os olhares é o seu corpo rechonchudo que desfalece e se aleita estirado. Desmaia ao lado do amigo e bem à frente do inimigo...
•••
Quatro anos atrás, o jovem Lewis vivia uma vida consideravelmente feliz. Isso se ignorar: qualquer problema possível de ter com 14 anos; a hipoglicemia, que não parecia tão difícil de lidar se mantivesse sua dieta bem açucarada; e também o certo atrito que seus pais estavam começando a apresentar.
Os senhor e senhora Lewis sempre foram bons em mascarar as coisas. Tendo uma procedência religiosa, mantinham bem a imagem de família perfeita, e até que foram por um bom tempo. Entretanto, por alguma razão, tudo se pôs a desfazer, sorrateiramente, como açúcar derretendo.
De uma hora para outra, o pai de Brian, o homem que lhe servia de apoio, inspiração, porto-seguro e herói, simplesmente sumiu de suas vidas. Branca não diria ao garoto pálido que seu adorado pai perfeito havia traído o juramento de amor eterno que um dia fizeram em um altar, por isso o deixou sem explicação.
A mulher não contava somente com a fértil imaginação de um pré-adolescente. Brian nunca aceitaria o fato de seu pai os ter abandonado, desse modo, sua mente sequer ousou supor isso. Concluiu que o mais provável era a morte. O homem também possuía hipoglicemia, então sua saúde já não era das melhores. A certeza logo tomou conta dele. Primeiro negou para si mesmo, em seguida negociou com Deus. Quando aceitou a morte de seu pai, desistiu da vida.
Diferente de muitos outros jovens, ele não precisaria se esforçar para cometer o maior dos pecados, segundo sua religião. Sem lugares altos ou cordas, nem objetos cortantes ou drogas, nada; bastava somente que não ingerisse açúcar.
Assim fez no fatídico dia que escolheu se reencontrar com o pai. Em um sábado calmo, simulou comer todas as refeições reforçadas, das quais sua mãe insistia que se alimentasse. O cachorro que possuíam foi muito útil em toda encenação, ajudando-lhe a pôr um fim nas comidas bem elaboradas.
No fim da tarde, o silêncio incomum chamou a atenção de Branca, a qual não demorou em verificar o quarto do filho. Lá, encontrou o pálido Brian sobre a cama, desfalecido. Não notou a carta póstuma que ele havia deixado na escrivaninha. O jovem com sobrepeso acordou algum tempo depois do desmaio, graças aos cuidados da mãe enfermeira, a qual se viu forçada a explanar o paradeiro do seu pai...
•••
“O medo se apresenta apenas quando temos algo a perder. E a coragem surge tão-somente no momento em que não aceitamos perder o que temos.”
O rosnado do zublye se energiza em entusiasmo, pois finalmente encontra o que buscava. Quando executa um passo para perto de sua vítima, o jovem Howard deixa o esconderijo, colocando-se entre a morte e o amigo inconsciente. Uma ligeira surpresa aflora no semblante do adolescente infectado, a qual perdura ao constatar o sobrevivente tomar para si uma faca e uma grande tampa de panela.
— Sai daqui! — Aponta a grande lâmina como uma espada e segura a tampa próxima ao corpo como um escudo. — Nossa carne é ruim!
Não há maneira de negociar com o desejo selvagem. O rapaz de olhos azuis move seu corpo rapidamente, então se lança sobre o Williams. O impacto rápido e forte os faz cair um sobre o outro. De seu manejo desaparece a faca, então o escudo torna-se o principal bloqueio ao colocá-lo entre seu corpo e os dentes persistentes.
Grito e rosnado se aglomeram; braços pelejam pela conquista; pernas esperneiam procurando a melhor posição para seus objetivos. Entre tudo isso, jaz a redonda barreira metálica impedindo o agressor sobre o jovem, o qual sente o peso doloroso sobre si.
Não há sangue na boca do atacante, podendo significar que procura sua primeira vítima. Talvez ainda esteja descobrindo como agir e fazer o que mandam seus instintos; tentando entender o porquê de tudo; ou cronometrando os momentos para desvendar o que virá em seguida. Quem sabe só esteja faminto, com tanto apetite quanto estava Brian Lewis antes de desmaiar.
Face a face, olhos nos olhos, impulso contra impulso. Se pensar bem, os dois jovens não são tão diferentes. Novos em suas respectivas realidades. No entanto, de nenhuma forma, isso parece tornar possível a empatia entre eles.
— Sai de cima de mim! — Sua mente queima tanto quanto as costelas, pois os pensamentos se aceleram ao caçar uma maneira para sair de tal situação. A cada instante, suas forças esvaecem, do mesmo modo diminuem as chances do pálido com cabelo platinado despertar do desmaio.
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