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˖࣪ ❛ FLOR DA LUA
— O3 —
WINNIE OBSERVOU ENQUANTO Wandinha removia os adesivos da grande janela que ficava bem no meio, dividindo sua parte com a de Enid.
Wandinha não aguentava mais um segundo com tanta cor.
Winnie era uma exceção, embora tivesse que admitir que demorou anos para se acostumar e querer pintá-la completamente em preto e branco, ou melhor ainda, sangue real com aquela bela cor vermelha.
Felizmente, as cores de Winnie eram mais suaves, ao contrário das de Enid, que pareciam berrantes como a própria usuária.
─ Você não acha que deveríamos ter pedido permissão primeiro? ─ ela perguntou depois de alguns minutos, um pouco tarde para reagir quando Wandinha estava prestes a terminar.
— Não. — disse ela sem mais delongas. — Se ela colocar de volta, vou fazê-la engolir.
Winnie piscou, tentando não imaginar aquela cena.
— Intenso.
A cabeça de Winnie girou quando ela ouviu a porta se abrir, estremecendo ao ver a expressão no rosto de Enid assim que ela entrou.
─ O que diabos você fez no meu quarto? — ela deu alguns passos sem esconder sua raiva, Wandinha nem se mexeu e continuou até que finalmente metade da janela estava livre para deixar entrar o luar.
— Eu dividir nosso quarto ao meio. — ela chutou os adesivos para o lado. — Além disso, Winnie precisa da luz da lua, não de cores insuportáveis que dão vontade de arrancar os olhos. — Enid deu uma espiada na menina e fingiu que o teto era mais importante. — Parece um arco-íris vomitado do seu lado.
Enid franziu os lábios em uma linha, segurando-se.
─ Eu...
─ Agradeceria o seu silêncio. ─ Wandinha a interrompeu, sentada em uma escrivaninha em frente a sua máquina de escrever. ─ É minha hora de escrever. ─ ela arregaçou as mangas e olhou onde havia parado anteriormente.
─ De escrever?
─ Dedico uma hora por dia ao meu romance. Talvez se você fizesse o mesmo, seu blog ficaria mais coerente. ─ ouviu-se um barulhinho indicando que ela poderia começar a escrever como deveria. ─ Eu li diários de assassinos em série de primeira linha.
─ Eu escrevo com minha voz. É a minha verdade. É o que meus seguidores adoram. ─ ela falou um tanto rápido fazendo Winnie olhar para ela, se sentindo mal.
Ela se lembrava daquelas vezes em que não entendia bem Wandinha e sempre acabava se sentindo mal, acreditando que ela era uma péssima amiga. Que não adiantava ser uma, faltava alguma coisa.
Wandinha era a única com quem ela conversava e saía. Se elas saíam e havia mais crianças da idade dela, algo a fazia recuar e choramingar toda vez que via crianças. Com as meninas ela era mais leve, mas mesmo assim nada conseguia aproximá-la.
A princípio aconteceu a mesma coisa com Pugsley, ele tentou se aproximar dela, mas ela rapidamente correu para os braços do pai e ficou ali por horas até se acalmar.
Seus pais não sabiam mais o que fazer.
Uma vez, quando ela tinha onze anos, Evangeline e Taylor decidiram deixá-la em uma sala de brinquedos supervisionada e saíram para voltar horas depois. Eles tinham que fazer alguma coisa, não era possível que uma garota como ela pudesse ter tanto medo de outras de sua idade.
Eles a encontraram abraçando os joelhos em um canto e, embora ela parecesse calma, seu olhar estava vazio. Não havia nenhuma criança perto dela, parecia que nenhuma queria se aproximar dela.
Desde então decidiram não forçá-la a fazer algo que ela não gostasse. Talvez fosse melhor se ela fizesse isso sozinha.
Até que descobriram que Wandinha estava indo para Never More, e eles sabiam que Winnie não iria tolerar isso.
Ela tinha quase dezesseis anos, era uma boa época para fazer amigos e sair e divertir como os adolescentes faziam.
A vida toda ela estudou em casa, enquanto Wandinha ia de escola em escola, mas elas não moravam tão longe e ela às vezes ficava dormindo lá todo o semestre.
Winnie concordou quando eles contaram a ela sobre a Academia, obviamente eles não fariam algo pelas costas dela. Eles não queriam que ela se sentisse obrigada ou se esforçasse para fazer algo que não estava pronta para fazer.
Talvez fosse hora de deixar aquele 'trauma' como muitos psicólogos acabaram dizendo. Embora ela não soubesse por que era um trauma, ela se lembrava de não ter passado por nada ruim.
Sempre foi assim.
Ou talvez não.
— Os traumas às vezes fazem com que suas memórias sejam bloqueadas para que você não seja dominado por eles. — disse uma psicóloga, a última que ela teve.
— Está claro que seus seguidores são idiotas. — atacou Wandinha, levantando-se da cadeira e dando alguns passos até ficar de frente para Enid. — Eles respondem às suas histórias com pequenos desenhos de mau gosto.
─ Os emojis? — Enid perguntou zombeteiramente. — É assim que eles expressam seus sentimentos, mas obviamente esse é um termo estranho para você.
─ Quando olho para você, os seguintes emojis vêm à mente: corda, pá, túmulo. ─ Enid fez uma careta com os lábios e Wandinha voltou antes de seus passos para a mesa. ─ A propósito, Addams é com 'd' duplo. Se você vai fofocar sobre mim, escreva meu nome corretamente.
Mas antes que ela pudesse se sentar e finalmente escrever, uma música desconhecida tocou em seus ouvidos. Winnie riu da dança de Enid, mas Wandinha não achou graça nenhuma.
— Desligue. — ela ordenou entre dentes, mas Enid fingiu não ouvi-la, fazendo-a se cansar e se aproximar novamente com notável desagrado. — Aviso final.
Winnie levantou-se instantaneamente enquanto observava Enid ficar em uma posição defensiva, aproximando-se até perceber que agora ela tinha unhas coloridas mais longas.
Ela não entendeu nada. Foi meio lento.
— Não mexa comigo. — ela rosnou, Wandinha apenas olhando para ela como se ela fosse uma piada. — Está gatinha tem garras e não tenho medo de usá-las.
─ Vou arrancar essas supostas garras...
─ Você é uma gatinha? — Winnie perguntou antes de continuarem lutando, e acabou quando Enid voltou sua atenção para ela.
─ O quê? Claro que não! — Winnie apagou seu sorriso ligeiramente confuso. — Eu sou um lobisomem.
─ Ah... Me desculpe, eu sou meio burra e já que você disse que era uma gatinha bem... Esquece. ─ ela se interrompeu antes de falar mais besteira. ─ Não me leve em consideração.
Enid abriu a boca, mas o som da porta se abrindo a fez esconder as mãos atrás das costas e as três voltaram a atenção para uma mulher com óculos.
─ Boa noite, meninas. ─ a música parou de ouvir assim que entrou. ─ Oh, desculpe. Eu queria ter certeza de que Wandinha e Winnie estavam acomodadas... — ela olhou ao redor da sala e Wandinha deu alguns passos para longe de Enid, cada uma em sua parte, o que a fez olhar para seus pés e colocar um de cada lado. — É um momento ruim?
─ Não, não se preocupe. ─ Winnie negou ao ver que nenhuma resposta foi dada, Enid apenas olhou de soslaio para Wandinha.
─ Sou a Srta. Thornhill, gerente da sala. ─ ela se aproximou alguns passos. ─ Desculpe, eu não estava aqui para dizer olá quando vocês chegaram. Espero que Enid tenham lhes dado as boas-vindas apropriadas.
— Ela nos sufocou com sua hospitalidade. — respondeu Wandinha, e Winnie apenas sorriu com força. — Espero retribuir o favor... Quando eu dormir.
Instantaneamente, o sorriso de Enid desapareceu, virando lentamente a cabeça para Wandinha.
A mulher deu uma risadinha levemente nervosa.
─ Bem... ─ ela se posicionou entre as duas garotas e deu as duas plantas para elas. ─ trouxe um presentinho da minha estufa.
Cada um pegou o seu e Winnie murmurou 'obrigada', admirando a linda flor. A Flor da Lua, exatamente o que a representava.
─ Eu tento combinar a flor indicada com cada uma das minhas garotas. E quando li a carta de apresentação dos seus arquivos, pensei imediatamente nisso.
— Uma Dália Negra. — Wandinha olhou.
─ Ah, você a conhece, e suponho que também. A Flor da Lua. ─ Winnie assentiu afirmativamente.
— Claro que eu sei, é o nome do meu homicídio favorito. — comentou Wandinha, a mulher inclinou a cabeça com a informação. Winnie lançou-lhe um olhar quando o silêncio caiu, Wandinha quase revirou os olhos com suas intenções. — Obrigada.
─ Oki-doki, mas antes de ir quero repassar algumas regras: luzes apagadas às 10, sem música alta e sem meninos. Nunca.
─ O que você faz aqui para ir para a cidade próxima?
— Os passeios de Jericó são um privilégio, não um direito. — relatou. — Fica a 25 minutos a pé e há um serviço de transporte aos fins-de-semana, os locais desconfiam um pouco do Never More. Peço que não façam nada, nem perpetuem quaisquer estereótipos de instintos. Quero dizer, mantenha suas garras escondidas. — ela lançou um olhar para Enid. — Não sufoque as pessoas durante o sono e... Isso não é problema com Winnie, certo?
Winnie negou, embora não tenha tanta certeza. Se havia uma coisa que estava clara para ela, era que ela jogaria junto com Wandinha se ela pedisse.
Ele não sabia dizer 'não', muito menos para Wandinha.
─ Bom. Está claro? ─ ela perguntou, mas só Winnie respondeu, mesmo assim um sorriso tomou conta de seu rosto. ─ Excelente!
A porta se fechou atrás da mulher e o silêncio tomou conta do local por alguns segundos. Enid parecia não saber se deveria se mover ou não.
─ Mais uma palavra e vou costurar sua boca. ─ Wandinha disse com seu tom de voz habitual e finalmente conseguiu continuar com seu romance.
Enid e Winnie olharam para ela por alguns segundos, até que a ruiva foi encorajada a olhar para a outra.
─ Eu... Eu gosto do seu cabelo. ─ ela soltou depois de alguns segundos debatendo se dizia ou não. — Combina com você, é muito... Você.
─ Obrigada! — Winnie se sobressaltou um pouco com o tom dela, ela estava tão acostumada com Wandinha que ouvir Enid era como se ela estivesse ao lado de um alto-falante. Um gemido de Wandinha fez Enid se esforçar para se acalmar. — Eu adoro o seu, embora para ser sincera, e não é que eu queira soar mal, esperava que sendo filha da Lua seu cabelo fosse branco ou um tom mais parecido com essa cor.
Winnie assentiu fazendo uma careta. — Hum, bom ponto.
Outro silêncio se instalou entre elas, apenas ouvindo o leve bater da máquina.
─ Ei... Eu espero que você não se importe, mas realmente, realmente, desde que ouvi falar de você, eu queria saber como é se conectar com a Lua. Ela é muito admirável entre nós lobisomens, e ter você aqui na nossa frente, ou pelo menos na minha frente, é uma grande honra.
Winnie riu, um pouco desajeitada. Ela não esperava que alguém a admirasse, ou pelo menos não fizesse isso na frente dela e até mesmo contasse a ela. Ela não sabia como agir ou o que dizer.
─ Obrigada... Eu suponho. ─ ela limpou a garganta e olhou para a varanda, olhando de soslaio para a lua. ─ Bem, você está com sorte, porque já era hora de me conectar com ela e deixar minha mãe saber que estou bem.
─ Certamente devo levá-la para a fora, amanhã iremos. ─ ela prometeu enquanto elas saíam, Winnie olhando para Wandinha com o canto do olho antes de perdê-la de vista.
─ Não se preocupe, quando tiver tempo, você deve ter coisas mais importantes para fazer e não quero que fique para trás. Também não estou tão desesperada para ir.
Mentira, mas ela não queria que Enid trocasse suas coisas por uma pintura que certamente diria algo típico e não a ajudaria em nada.
Enid passou o tempo todo ao lado de Winnie fazendo-lhe companhia, observando atentamente cada gesto e movimento que ela fazia. Ela pôde perceber como seu corpo relaxou completamente, era como se ela estivesse em uma bolha e tudo de ruim ao seu redor fosse deixado de fora dela, deixando-a em um vazio que ela achava reconfortante.
Wandinha terminou mais um episódio de seu romance, seu tempo não acabou, então ela continuou com outro. Ela olhou por cima do ombro para a varanda, notando o quão calma Winnie parecia quando horas antes ela estava enchendo sua cabeça contando todas as emoções que ela sentiu em um único dia, e isso foi apenas se acomodando e pronto.
Ela notou que Enid não estava lá e ficou grata. Embora quando ela pensou que estava do lado de fora com Winnie, uma sensação estranha se instalou dentro dela, pensando que ela iria vomitar se continuasse sentindo isso.
Estava tudo bem, claro que estava, Winnie finalmente estava progredindo como deveria. Mas um pensamento estúpido não pôde deixar de vir a ela.
Winnie estava com Enid, não ela.
Olhou de novo para a máquina e franziu as sobrancelhas, não entendia aquela sensação mas queria vomitar para tirar.
Ela estava sempre com ela e de repente a trocou por outra pessoa.
Ela franziu os lábios em uma linha e tentou se concentrar em seu romance, forçando-se a colocar esse sentimento profundamente dentro dela e esquecer que ela já sentiu isso.
Ela não estava pronta para esse absurdo.
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