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Passeio pela Rua do Ouvidor

— Mirtes, já está me deixando zonza. — Ofélia ralhou com a irmã que andava de um lado para o outro.

— Perdoe irmã, estou ansiosa para ver as novidades do Ouvidor. — Mirtes sorriu largo de alegria. — Ademais o último passeio em companhia de Marcel foi muito agradável.

— Mirtes, você ama mais aquele homem do que a sua própria irmã. — Ofélia projetou um bico.

— Isso não é verdade, Ofélia. — A menina plantou as mãos na cintura enquanto replicava indignada. — Ele é divertido e gosta das novidades da moda também. Não percebe como ele está sempre bem composto?

— Não. Não observo aquele homem. — Ofélia fez cara de paisagem enquanto se lembrava de cada detalhe de Marcel nu em seu quarto.

— Pois repare mais. — Mirtes cruzou os braços.

— Sabe que as pessoas já cochicham pelos cantos que você se casará com ele? — Ofélia questionou enquanto dava um ponto em seu bordado. Havia muito tempo que não se dedicava a aquilo, mas não tinha esquecido como dar um bom arremate.

— Que culpa eu tenho se são um bando de imbecis? — Mirtes deu de ombros. — Até um cego vê que aquele homem arrasta bois por ti.

Ofélia olhou surpresa.

— Ora... — Respondeu atônita enquanto Mirtes ergueu uma sobrancelha.

— Acaso pensa que sou uma criança? — A irmã mais nova falou. — Tenho o mínimo de percepção sobre o que acontece a minha volta.

— Não use dessa rudeza em sociedade, irmã. — Ofélia passou a agulha pelo tecido.

— É difícil quando estou cercada por asnos com o dobro ou o triplo de minha idade. — A mocinha reclamou e deixou o corpo cair em uma poltrona.

A mais velha riu.

— Suponho que este comportamento seja culpa da maneira livre como te crio. — A mulher suspirou.

— Você me educa da melhor maneira, irmã. — Mirtes falou do alto de seus treze, quase quatorze anos. — Não sei tudo da vida, mas não sou bitolada como as demais.

— Espero que você só saiba o suficiente para se proteger. — A mais velha replicou.

— O suficiente para saber que Leandro Andrade é um galizé beberrão. — A menina observou.

— Já que tocou no nome de um de seus admiradores, muito me surpreendeu que não tenha se defendido sozinha diante da agressividade de Cristiano. — Ofélia falou o nome com desgosto.

— Enquanto puder, prefiro manter a chance de surpreender um possível agressor. Se pensarem que não consigo me defender sozinha, então eles estarão de guarda baixa. — A menina disse.

— Espero que você nunca chegue a essa situação. — Ofélia contou seus mais sinceros votos.

— Também espero que não, mas por experiência sei que os ataques piores vêm de onde menos esperamos. — Mirtes deu uma olhada rápida para a perna de Ofélia. Arrependeu-se em seguida, porque não queria deixar a irmã preocupada.

— Não tirarei meu chapéu. — Marcel falou da entrada da sala. — Perdoe pela demora, Mirtes.

— Marcel! — A menina saltou da cadeira e colocou o próprio chapéu. — Estou tão empolgada.

— Bem o vejo. — O homem riu. — Boas tardes para minhas jovens prediletas.

Ele piscou com um só olho. Mirtes riu e Ofélia sentiu o coração palpitar. Era incrível como o cheiro de Marcel sempre preenchia o ambiente quando ele chegava, seduzindo mais que ele mesmo.

— Boas tardes. — Ofélia respondeu enquanto ajeitava os cabelos. Naquele dia em especial, tinha a vontade de ficar aos beijos com Marcel.

— Não nos acompanha? — O francês convidou uma última vez.

— Não tenho vontade de passear pelo Ouvidor. — Ofélia revirou os olhos pensando em toda aquela gente que estaria lá.

— É realmente uma lástima. Eu soube de um lugar onde vendem ótimos confeitos. — Ele deu o braço para Mirtes.

— Posso já escolher os de meu aniversário. — Mirtes ficou ainda mais empolgada.

— Seu aniversário já se aproxima? — Marcel perguntou surpreso.

— Sim, é em um mês. — Mirtes respondeu. — Sempre comemoramos em particular, mas Ofélia deixa os doces a minha escolha.

— Por que não fazem uma festa maior? Você não gosta? — O homem questionou.

— É minha culpa. — Ofélia assumiu. — Não quero a sociedade aqui para festas, mesmo que sejam os abolicionistas. Volta e meia há pessoas aqui que são as mesmas perseguidas e acusadas pelas resistências.

— Entendo. — A mente de Marcel vagou até Julião.

— Não tem problema, senhor Marcel. — Mirtes tratou de não deixar a situação afetar o humor de Ofélia. — Não faço questão.

— Compreendo — Marcel sorriu para ela —, mas eu gostaria de um baile de máscaras, há tanto tempo que quero um pretexto para um baile assim. Você e sua irmã poderiam pensar com carinho em minha proposta.

— Façam o que bem entenderem. — Disse Ofélia que pensou que já não deixava a irmã fazer a festa ali, não a impediria de fazer em outro lugar.

— Oh! —Mirtes arregalou os olhos, imediatamente empolgada. Era claro que ela desejava muito aquilo, mas se pouparia para não incomodar Ofélia. E era natural que Mirtes tivesse vontade de ter uma festa de aniversário uma vez que todas as mocinhas de sua idade as tinham.

— Bem, creio que nosso simples passeio agora terá um propósito. — Marcel correspondeu à empolgação de Mirtes.

— Caso compre algo, peça para que me mandem a conta. — Ofélia falou para a irmã.

O dinheiro que Mirtes carregava consigo era suficiente apenas para comer e beber algo, ou comprar bobagens de menor valor.

— Não! — Marcel estendeu uma mão espalmada. — Essa festa será meu presente de aniversário. Trate de dar outro a Mirtes.

— Não fica bem você pagar a festa dela. — Ofélia repreendeu.

Mirtes somente olhava para um e outro enquanto esperava a conclusão.

— Desde quando se importa com a sociedade, Ofélia? — Marcel ergueu uma sobrancelha, indignado.

A mulher apenas acenou duas vezes balançando a mão.

— Desisto de discutir, se quer gastar então gaste rios de sua fortuna. — Dispensou.

— Gastarei. E se empobrecer, eu venderei minha casa e aqui morarei. — Sorriu em provocação. — Gosto desse lugar.

— Tome tento, Marcel. — A mulher ralhou.

Marcel não respondeu, somente virou as costas e engajou em uma conversa com Mirtes sobre a data, onde encomendar os convites, quem convidar e outras particularidades que tinham relação com uma festa.

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