O que há de ser
Mirtes desceu as escadas se sentindo trêmula. Foi Marcel quem a recebeu lá embaixo. Um espaço que abriu no salão para que, como o francês havia orientado, a aniversariante pudesse iniciar a primeira valsa da noite.
A mocinha viu todos aqueles olhos voltados para si e teve vontade de correr de volta, tirar o vestido e se esconder. Alguns a olhavam com amizade, mas outros viam nela uma possível pretendente. A única coisa que a fez se acalmar foi ver Marcel ao pé da escada, com a mão estendida e postura que passava segurança.
A menina segurou naquela mão como seguraria na mão de um bom pai, coisa que ela nunca tivera. Deixou-se ser guiada por Marcel em sua primeira valsa enquanto procurava pela irmã no salão. Encontrou-a de pé, apoiada em sua bengala e com um sorriso terno nos lábios. Os olhos das irmãs Weirtz se encontraram e Mirtes pôde ver nos de Ofélia uma promessa de um futuro cada vez melhor. A menina sorriu e seus olhos ficaram marejados.
Como tinha dito para Camila, Mirtes realmente não tinha muitas ambições, pois sabia o quão privilegiada era.
— Por que chora, ma petite fleur? — Marcel perguntou enquanto olhava para ela com carinho e preocupação. — Não está feliz?
— Muito pelo contrário. — A menina respondeu. — Choro porque estou muito feliz.
— Entendo. — Marcel sorriu e resolveu mudar o tópico da conversa. — O que acha de eu me casar com sua irmã?
— Vocês estão noivos? — Ela perguntou surpresa, pois sabia que eles tinham uma relação, mas não pensava que estivesse tão avançada.
— Ainda não, no entanto tenho pensado se devo pedir a mão dela a você. — Marcel se fez de pensativo.
Mirtes riu e ele ficou feliz por poder arrancar um sorriso dela.
— Não me meta nessa encrenca, senhor. Cada um com suas lutas. — Mirtes retrucou.
— Vejo que fui abandonado no fronte. — Marcel brincou.
— Faço torcida para que vença essa guerra, senhor Desfleurs. — A menina sorriu torto. Um hábito que as mocinhas geralmente não tinham.
— Você me aceita em sua família, Mirtes? — Marcel questionou. Pensava que seria injusto entrar na vida dela sem pedir permissão. Mesmo que Ofélia o aceitasse, isso não significava que sua presença seria boa para Mirtes.
— Não poderia ser outro, Marcel. — Mirtes falou cheia de felicidade.
— E Julião? — O homem indagou um pouquinho enciumado.
— Poderia ser Julião, caso minha irmã o amasse, mas sabemos que não é assim. — A menina respondeu.
— Sabemos? — Marcel se fez de desentendido.
Mirtes não respondeu.
O resto da noite para ela foi quase como um borrão. Lembrava-se do bolo bonito, do jantar que fora oferecido em uma sala bem ornada, de pessoas que a parabenizaram por seus anos. E de uma dança em especial.
A tal dança foi com Igor Moreira que conseguiu um tempo com a solicitada aniversariante.
— Por que insistiu tanto nessa dança, Igor? — A menina questionou curiosa.
Igor suspirou.
— Porque tenho apenas hoje para me despedir de você. — Ele anunciou.
— Partirá em viagem? — Mirtes indagou surpresa.
— De certa forma. — Ele sorriu, um sorriso gentil que ela nunca tinha visto antes porque Igor era quase sempre pedante.
— Explique, por favor. — Mirtes solicitou atônita.
— Parto para estudar Direito. Meu pai quer que eu seja bacharel. — Igor revelou. — Hoje é minha última noite aqui no Rio de Janeiro.
— Isso é muito bom, Igor. Você é inteligente e será um ótimo bacharel. Espero que estude com afinco. — A menina deu seus melhores votos.
Igor sorriu emocionado.
— Eu quero dizer algo importante. — Falou para uma Mirtes cada vez mais intrigada.
— Sou toda ouvidos. — Ela se dispôs.
— Prefiro dizer em um lugar mais tranquilo. — O rapaz parou a dança.
Mirtes concordou em segui-lo e saíram para uma varanda onde ninguém estava.
— Agora diga. — Mirtes disse cruzando os braços.
— Isso não é postura de moça. — Igor provocou.
— Então sou um moço. — Ela bufou impaciente.
— Eu... — Igor abaixou a cabeça e olhou para o chão enquanto falava. — Eu quero agradecer por você ter sido minha amiga por todo esse tempo. E por ter me respeitado mesmo que eu agisse como um idiota.
A voz de Igor ficou embargada e Mirtes descruzou os braços, preocupada.
— Sei que sou um parvo, que às vezes pareço doidivanas, mas quero explicar antes de partir, porque você foi a única pessoa que teve paciência comigo. — Uma lágrima caiu no chão, seguida de outras várias.
Mirtes pegou em uma mão de Igor e o rapaz olhou para ela. As lágrimas corriam soltas.
— Meu pai não quer que ninguém saiba a verdade porque ele acha que pode desmoralizar nossa família, então peço que mantenha segredo. — Mirtes concordou assustada e com o coração apertado.
— Eu prometo. — Jurou.
— Eu perdi a visão de um olho, gradativamente. Não há sinais do motivo e nenhum médico consegue diagnosticar. — Mirtes colocou uma mão sobre a boca sentindo os olhos marejarem. — Meu pai diz que preciso atacar antes de me defender, por isso criei esse personagem detestável que vaga por aí. Se as pessoas odiarem outras coisas em mim, não irão perceber isso e meu pai vai me deixar em paz.
— Por que não me contou antes? — Mirtes questionou sentindo o coração apertar.
— Eu não podia. E ainda não posso, mas senti que devia dar uma satisfação por ter agido como uma besta mesmo quando você era tão gentil comigo. — Ele falou e soltou um sorriso amargo.
Imediatamente ela entendeu porque ele era um pouco estabanado. Às vezes trombava em móveis, não pegava coisas que lhe eram estendidas pelo lado direito e chegava a tropeçar em alguns lugares.
— Por que não me contou? — Mirtes deu um murro fraco no peito dele enquanto chorava.
Igor riu daquele golpe sem força.
— Não fique triste, Mirtes. Hoje é seu aniversário. — Ele enxugou as lágrimas da menina e sorriu para ela. — Quero que você sorria, como sempre, com franqueza.
— Você é um estúpido. Eu poderia ter sido mais gentil... — A menina disse inconsolável.
— Sim, podia. E todos notariam que havia algo de errado porque não é do seu feitio ser tão aberta assim. — O rapaz sorriu mais uma vez.
Igor tinha razão.
— Espere por mim. — Ele pediu. — Quando me tornar bacharel eu retornarei para que você possa me repreender mais vezes.
— Vou esperar, meu amigo. — Ela prometeu. — Em qualquer lugar onde esteja, esperarei pelo meu amigo Igor Moreira.
— Eu sei que vai, porque sua palavra vale ouro, Mirtes Weirtz. — Ele sorriu uma última vez para ela naquela noite.
— Está de saída? — Mirtes perguntou.
— Sim, preciso de uma boa noite de sono. — Igor afirmou tristonho. — Boa sorte, fique atenta. Esse lugar é cheio de abutres. E, diga a sua irmã que acho o tapa-olho dela esplêndido.
Mirtes riu enquanto Igor beijava sua testa.
Marcel, que ouvia tudo escondido no canto da parede, abriu um sorriso. Quando viu que Mirtes se retirava do salão em companhia de Igor, seguiu ela para garantir que ficaria bem, e acabou ouvindo toda a confissão de Igor. Claro que Marcel já tinha percebido que havia uma alteração na visão do jovem, só não pensou que fosse tão intensa.
Igor saiu sem vê-lo.
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