Alguém melhor
Ofélia estava quase terminando o bordado quando Julião entrou na sala. Estava completamente sujo, provavelmente de plantar algo na horta. O homem se sentou no chão para observá-la enquanto deixava o corpo esfriar antes de ir tomar banho.
A mulher tocou um sino para que as pessoas da cozinha a atendessem. Quem veio foi Camila.
— Está ocupada, Camila? — Ofélia questionou.
— Não, dona Ofélia. Precisa de mim? — A moça examinou a cena.
— Sim, preciso, para dois serviços. — A mulher anunciou a moça ficou esperando. — Primeiro prepare um banho para Julião, sim. — Camila concordou com a cabeça. — Vou precisar de um vestido de baile. Será um baile de máscaras, então veja os detalhes com Mirtes.
— Sim, dona Ofélia. — Camila respondeu com os olhos brilhando. Amava costurar e para Ofélia faria o melhor e mais belo dos vestidos.
— Vou pagar a mais por esse serviço, não se preocupe. Sei que vou tirar o tempo que usa em outras encomendas. — A mulher avisou.
— Não precisa. — Camila disse. — Porém agradeço, visto que a senhora insiste.
Ofélia riu e Camila saiu.
— Essa menina vive muito solta. — Disse Julião enquanto passava a mão pela barba baixa e crespa.
— Penso que ela é comprometida até demais. — Ofélia replicou enquanto dava um último arremate.
— Por que não encomenda o vestido com uma modista? — Julião questionou curioso.
— A modista precisará de minhas medidas e não estou disposta a encarar aqueles olhares que ela lança em mim. Além disso, ela ficará ocupada com muitos pedidos. — Ofélia ergueu os olhos para o homem e colocou seu bordado de lado.
— Teremos uma festa? — O homem estranhou o fato de Ofélia pedir um vestido tão caprichado.
— Mirtes fará anos e o senhor Desfleurs dará uma festa como presente para ela. — A mulher contou.
Julião virou o rosto para aquilo. Sentia-se nitidamente incomodado. Desde que vira Ofélia na cama com Marcel, não conseguia esquecer a cena. Ficou com o coração em frangalhos.
— Julião... — Com um pouco de dificuldade pelos movimentos meio limitados, Ofélia se sentou na frente do homem e olhou para ele. — Minha intenção nunca foi magoar você.
— Se eu tivesse te dado um filho, você me amaria Ofélia. E então você não ia querer o branco. Não fui homem o suficiente. — Ele desviou o olhar enquanto se sentia humilhado.
— Não tem relação com absolutamente nada disso, Julião. — A voz de Ofélia saiu firme, mas terna. — Eu nem mesmo tinha a intenção de me casar com você.
Os olhos do homem marejaram diante da lembrança daquela condição.
— Se eu fosse branco e educado você se casaria. — Ele se ressentiu com as lágrimas correndo fartas por sobre o rosto.
Ofélia também sentiu o coração se partir mais uma vez na vida, porque, apesar de não querer Julião da forma como ele almejava, o amava como um grande amigo. Uma das últimas coisas que queria fazer era magoar ele, mas já estava feito. Infelizmente ela não podia prever o futuro, a volta de Marcel ou que teria vontade de ceder ao amor que sentia por ele. Na verdade nem mesmo sabia que aquele amor estava adormecido dentro de si, até que o viu em Flor Bonita.
— Não tem relação com educação, porque isso é aprendizado, nenhum de nós nasceu sabendo. Também não é sobre cor de pele, eu não tenho nada a perder, poderia me casar com você. — Ofélia explicou. — Isso é sobre sentimentos, Julião. E aqui — a mulher colocou a mão sobre o coração — já existia um amor por Marcel.
— Ofélia... — Julião já chorava abertamente.
— Meu amigo, saiba que é difícil para mim também. Partir seu coração é tão triste e eu só queria não fazer isso, mas é tudo sobre sentimentos e eu amo Marcel. — A mulher enxugou as lágrimas do rosto dele com o polegar e ele segurou seu pulso.
— Eu queria tanto que você fosse uma pessoa má, Ofélia. — O homem falou com a voz tremida. — Seria fácil odiar você e inventar pretextos para deixar de te amar, no entanto, você é uma das pessoas mais extraordinárias que eu já conheci em toda minha vida. E eu realmente amo você.
— Sinto tanto, Julião. — Ofélia chorava por precisar fazer aquilo, mas era melhor. — Agradeço pelo seu amor e prometo guardar ele na minha memória até o fim de minha vida. Sei que você vai encontrar alguém me melhor que eu, que te faça feliz como eu jamais seria capaz de fazer. E essa pessoa amará você tanto quanto você a amará.
— Esse Marcel é realmente uma boa pessoa? — Julião questionou ainda com um pouco de rancor.
— Tão bom que está há semanas esperando que eu fale com você e não me cobrou sequer uma vez. — Ofélia revelou. — Ele é o homem de minha vida.
— Parece paciente. — Julião enxugou as próprias lágrimas enquanto tentava se acalmar.
— É um tipo raro de encontrar. Espero que no futuro haja mais homens como ele. — Ela sorriu miúdo.
— Você sabe que ele carrega algumas mortes nas costas? — Julião perguntou.
— Sim. Assim como eu. — A mulher recordou.
Julião não tinha mais o que dizer ou fazer. Se a mulher não o amava, não tinha outro remédio que não fosse seguir a vida. Camila apareceu para avisar que o banho estava pronto.
O homem ajudou Ofélia a se levantar e depois foi se lavar.
Ofélia se sentou no sofá sentindo que estava finalmente livre para aceitar Marcel. Seria horrível se tivesse massacrado o coração do pobre homem depois de ela mesma deixar que ele entrasse em sua vida, mas no fim fez tudo certo.
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