02
Turin, Itália, ainda setembro de 2015.
— Essa droga de mês não acaba? — Giulia bufou enquanto jogava paciência no notebook em cima de suas pernas.
Era domingo, seu dia de folga e lamúria. O momento que estava mais lisa do que cabelo pós escova bem feita. Mal tinha dinheiro para sair para um lugar legal. O mês havia sido muito difícil, por conta dos problemas de seu pai no Brasil. Até o último suor, juntou dinheiro o suficiente para conseguir uma passagem para visitá-lo pelo menos até o fim do ano e jurou não mexer no dinheiro, mesmo que estivesse totalmente dura. E como ela soubesse da maré de azar fungando em seu ouvido, estava sem dinheiro e sem Milene, que tinha partido um dia antes para o interior da Itália afim de visitar seu irmão mais velho.
Agora, vestindo seu roupão e suas pantufas roxas, cheia de argila preta no rosto, a jovem permanecia encoberta pelo tédio de fim do mês. Restava apenas procurar algo para fazer, algum tutorial do youtube, matar saudades da comida brasileira e inventar algo que tranquilizasse seu paladar. Mas a procrastinação era tanta que a única coisa que sabia fazer no momento era finalizar o jogo presente no software de seu computador. E quando finalizou, bufou por finalizar sua atividade do dia.
— Preciso fazer algo, se não vou enlouquecer! — Jurou para si mesma, enquanto olhava em volta de seu pequeno espaço de apenas três cômodos, bem pequenos e organizados. Pensou em até fazer as unhas, mas logo olhou para a televisão e franziu o cenho, lembrando em seguida que hoje teria jogo do seu time. Olhou para relógio e pelo notebook, confirmou que o jogo estava iniciando e se arrastando, pegou o controle em cima da estante e ligou o aparelho, colocando rapidamente no canal onde o jogo entre Juventus e Sevilla, pela fase de grupos da Champions League.
— Um jogo é sempre bom para o marasmo. — Sorriu de lado, enquanto jogava as pernas para cima do sofá e se endireitava, tomando cuidado para não bater em um dos seus bebês que desfrutavam de um bom sono em cima do móvel. Garantiu que assistiria até o final, lembrando da época que iria para o estádio, quando vivia no Brasil, acompanhar o time favorito de seu pai.
Quando a câmera cortou para a torcida gritando o nome da Juve, seu coração aqueceu, repleto de nostalgia regada aos encantos que ela se rendia quando ia para o estádio juntamente de seu pai. A agitação sempre fizera parte de sua vida e agora, vivendo em um local mais civilizado, compreendia seu tédio interno. Se ela estivesse morando ainda em terras brasileiras, com certeza uma hora dessa estaria na rua, batendo papo com o pessoal que fizera parte de sua vida.
Enquanto estava inebriada com suas próprias lembranças, deu um pequeno pulo com o som do gol entrando em seu ouvido, o grito da torcida em sintonia comemorando o feito de Álvaro Morato quase no fim do primeiro tempo. Só nesse momento que ela percebeu que Mário não estava jogando. E confirmou ao ver que, enquanto o banco de reserva foi televisionado, a câmera fitou no rosto do atacante, que provinha de um sorriso meio escanteado, as mãos no queixo, talvez tristonho por não ser relacionado na partida. Giulia fez um estralo com a boca e ficou observando o croata, até a câmera voltar para o jogo. Sentiu um embrulho no estômago e culpou a taça de vinho seco por isso. Ou pelo menos tentou culpar.
— Até aqui você me persegue! — Soltou embargada, enquanto o jogo iniciava após o gol. E como já não se bastasse, a câmera resolveu brincar com a sua pessoa, mostrando diversas vezes o banco de reserva, por conta da agitação em torno deles. Principalmente focando em Mandžukić.
Vendo que não poderia escapar, mesmo ele estando na reserva, desligou a televisão antes do jogo finalizar, sua cabeça recebendo uma enxurrada de imagens do atacante. Raivosa consigo mesma, brigava com seu eu para deixar de lembrar do episódio de uma semana atrás, que ainda a perseguia com frequência. Tentava convencer a si própria que era normal ter esse tipo de reação.
Mas ela bem sabia que não era tampouco normal.
— Mario, Mario... — Repetiu com um estralo mínimo na boca, antes de ir correndo para o banheiro tirar a máscara que já estava a um tempo considerável em sua pele.
Quando saiu do banho, jurando deixar todas as energias pesadas escoarem para o ralo junto da água, ouviu seu celular apitar e logo correu, como se estivesse esperando um chamado divino para tirá-la do tédio. Ao ver que era seu pai, não hesitou e atendeu já segurando as lágrimas, pesadas pela saudade.
— Pai! — Se alegrou ao escutar o pigarreio típico do velho. — Que saudade!
— Minha piveta! — Leonardo riu, — Ainda com voz de menina sapeca!
— Essa voz irritante não muda. Como o senhor está?
— Indo. Os remédios me deixam totalmente incapaz. — Suspirou, cansado.— A hemodiálise então... uma lástima!
— Você vai ficar bem. — Giulia respondeu, tentando impor total convicção. Seu pai já havia começado o tratamento há alguns meses e ela bem sabia o quanto era doloroso o processo. — Duvido que alguém te derrube tão fácil assim!
— Permaneço aqui graças a Lurdes, ao seu irmão. Principalmente a você. — A voz do seu pai a tirou do eixo, não deixando a mesma segurar algumas lágrimas que insistiam em sair. — Quando vem visitar o velho?
— O mais rápido possível. — Alegou, lembrando da viagem que faria em menos de dois meses. — Prometo estar aí brigando contigo o quanto antes!
— Saudades dos seus gritos sobre a minha desorganização e minhas costas sem postura. — Riu, enquanto averiguava uns papéis em sua mão.
— Espero que quando eu chegar eu nem precise falar de novo sobre isso! — Respondeu, fungando.
— Sabe que eu detesto te ver chorando. — Um breve silêncio na linha e Giulia teve de respirar bem fundo para não desabar, o peso da saudade e da impotência de não estar com seu pai em seu momento mais instável.
— Estou com saudades, não consigo evitar.
— Eu também estou, minha filha. Espero matá-la o mais rápido que puder.
— Eu também, pai, eu também. Ei, senhor Leonardo?
— Diga, senhorita Lanzianni.
— Eu te amo. — Protestou, agora inundada pelas lágrimas.
— Eu também te amo muito. — Leonardo finalizou, logo em seguida avisando que já era hora de ir dormir, mostrando o defeito dos fusos. Giulia se despediu e mandou um beijo para sua madrasta, antes de largar o telefone e deixar uma pitada de tristeza tomar o lugar do tédio. Quando saiu do país, seu pai era parecia um touro de tão saudável. E de uma hora para outra, parecia que tudo havia escolhido o momento certo para desmoronar, quando ela já estivesse na Itália, tocando sua vida, distante de seus vínculos.
Seu pai havia tido outro filho, Juan, mas o mesmo parecia ter o sangue frio da família da mãe e sequer dava tanta importância. Ainda mais que, Juan havia conseguido uma oportunidade na na região Sul, deixando os pais no Sudeste brasileiro. Fazia anos que não falava com o irmão e sequer fazia questão, pois o convívio não era um dos melhores. Sua vontade era ligar para Juan e xingá-lo de todas as maneiras possíveis, mas desistia ao se sentir culpada por ir embora, mesmo ligando todos os dias e tentando estar sempre presente.
Além da teimosia, um dos piores defeitos de Giulia Lanzianni era se culpar por situações que não era dela o fardo.
Depois de um tempo se recuperando, abriu o notebook e viu que Milene estava online no Skype e como se fosse destino, a amiga logo a chamou, iniciando um bate-papo em vídeo.
— Seus olhos estão inchados! — Milene indagou, enquanto percebia que algo estava errado.
— Acabei de falar com o velho. — Fungou, passando a mão no nariz vermelho.
— Em breve você estará lá. Pode até adiantar suas férias, já falei sobre isso!
— Comprei a passagem para novembro, pois é um mês especial. Ele vai ficar bem.
— Ele vai e você também! Deveria ter te trago para cá. Torino é maravilhosa! Próxima vez virá comigo.
— Se tudo estiver bem, eu prometo. — Respondeu, enquanto fazia carinho em seu cachorro, que havia acordado com o choro da dona. — Agora me diz: porque essa merda de setembro não acaba logo? Que mês horrível!
— Sabia que reclamaria disso. Mas lembre-se, não foi tão ruim assim!
— Lá vem. — Indagou, enquanto escutava a risada da amiga, que parecia estar em um local bastante calmo.
— E eu estou errada? Eu estava vendo o jogo da Juve, ele não estava jogando!
— Interessante, Milene. Você me ligar para falar de jogador de futebol.
— Mas sempre fizemos isso. Lembra quando você era doida no Buffon? Só faltava acampar em frente a casa dele, quando descobriu onde era.
— Acho que essa ideia ainda ronda minha cabeça de vez em quando. — Riu, lembrando de sua época de fanatismo pelo goleiro italiano. — Mas agora esfriou, meu demônio está adormecido.
— E parece que logo logo acordará de novo, pronto para abocanhar um certo atacante que adora arrancar para-choques alheios.
— Tenha uma boa noite, sua maldita! — Fechou o notebook e em seguida abriu, vendo a amiga se acabar na risada. Não sabia o que seria dela sem Milene, mas não podia evitar ter pensamentos de jogar a amiga em um rio com uma corda amarrada no pescoço, sustentada por uma pedra.
— Descobri seu calcanhar de Aquiles. Depois do negócio do seguro, teve notícias dele?
— O que você acha? Obvio que não. E nem quero, não estou a fim de mais problemas.
— Um problema bem gostoso, inclusive. Se você não quer, eu gostaria de ter.
— Eu estava reclamando do silêncio mas agora eu nunca o desejei tanto na vida. — Rolou os olhos, conforme a risada de Milene aumentava.
— Quando você vai derrubar essa carranca toda? — Milene fez bico, enquanto Giulia a encarava em total desdém.
— Na próxima reencarnação, quem sabe. E quando você vai parar de ser uma idiota?
— Quando você demonstrar seus sentimentos. Quem ganha primeiro?
— Ganha a coragem, porque a noção você enfiou no seu c...
— Fera á vista! Tudo bem, vou lhe deixar no silêncio e me encarregar de saborear alguns vinhos daqui. Semana que vem estarei de volta. Acha que segurará as pontas para mim?
— A escravidão ainda é bem visível, para quem ainda duvida. — Respondeu enquanto sorria. — Se divirta. E não arranque a roupa! Você adora fazer isso quando o álcool começa a subir.
— Te digo o mesmo! Estou vendo a taça de vinho daqui.
— Não corro riscos. Eu já eu estou sem elas. — Falou divertida, ficar sem roupas em casa era um dos seus maiores momentos de paz.
— Ué, o atacante está atrasado? — Milene murmurou antes de finalizar a chamada sem escutar a depravação de Giulia com sua pessoa. Quando Giulia imaginava esquecer, Milene fazia questão de lembrá-la sobre o croata e ela bem sabia que ele não sairia da sua cabeça tão cedo.
E claro que isso servia como um alimento para o seu demônio até então, adormecido.
Não esqueçam de seguir a bonita nas redes sociais! @lanziannigiu
O que estão achando? Mario parece causar mais estragos do que se imagina.
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