Capítulo 35 - Inconsequência
A vida é uma cachoeira
Nós somos uma pessoa no rio
E outra após a queda
Nadando pelo vazio
Nós escutamos a palavra
Nós nos perdemos
Mas encontramos tudo
(Aerials - System of a Down)
🍂
No banco de trás de uma das viaturas, eu analisava a maldita situação em que havíamos nos metido, por consequência de atos ruins da adolescência.
Não preciso nem dizer que esses atos partiram de mim, não é?!
Minha soberba e falta de empatia com o próximo fez com que Sarah se afastasse muitas vezes de mim, em meio ao nosso namoro, dando brecha para que Shane se julgasse mais digno dela do que eu.
Talvez na época ele até fosse, já que eu só me preocupava em dar-lhe viagens e coisas materiais, sem me importar verdadeiramente com o que ela sentia à respeito da nossa relação. Embora soubesse que Sarah vinha de uma família simples e luxo não era uma de suas prioridades, eu fui um completo babaca e pensei que poderia comprá-la com presentes e jóias caras, me esquecendo da índole e dos princípios básicos de um relacionamento saudável, como o amor e a compreensão que um deve dar ao outro.
Quando ela negou meu pedido de casamento, fui tomado pelo ódio e pelo sentimento de rejeição, deixando-a ir, quando a única coisa que ela queria era um tempo para pensar, o meu apoio e carinho incondicional. Sarah sempre me amou e deu o melhor de si e eu estraguei tudo.
Hoje vejo onde errei e sei que por mais que as coisas se ajeitem entre nós, eu terei que passar o resto da vida me desculpando pelos erros que cometi no passado. Eu deixei Tyler entrar na vida dela, eu deixei Shane se aproximar, eu despertei nele a raiva por Sarah sempre se entregava ao cara errado, quando ele, se julgando perfeito, estava alí, pronto para consolá-la.
Eu sempre tive o pé atrás com Rhee , por conta da amizade que ele e Sarah mantinham, mas eu era o capitão do time, conhecido e popular na escola inteira, já ele, não passava de um nerd com sentimentos platônicos pela minha namorada e no fundo, eu achava toda essa situação um tanto quanto cômica.
Agora vejo que o subestimei. O sentimento não correspondido dele virou uma obsessão perigosa, o tornando um maníaco incontrolável e pondo a vida daquela que eu amo em risco.
Eu não poderia permitir que ele a tocasse, que a machucasse, nem a ela e muito menos a filha. Lizzie era só uma criança inocente que perdeu o pai e o avô, pelas mãos desse desgraçado e naquele momento, jurei a mim mesmo que se fosse preciso, daria minha própria vida para libertá-las dele.
Já passavam das 17h e não havia nenhuma movimentação na casa, de longe, podíamos ver Ricci e Geller à espreita, vigiando por de trás de alguns arbustos. A porta da frente se encontrava devidamente trancada e nem mesmo um filete de luz cruzava as frestas do local. Era como se ninguém habitasse alí.
O plano me parecia arriscado desde o início. A noite já começava a cair e um breu tomava conta da área, acompanhado por uma vasta e densa neblina, nos impedindo de ver com clareza o que acontecia próximo a casa.
Não havia nenhuma garantia de que Shane fosse dar as caras. Ele poderia ter abastecido o local com mantimentos antes mesmo de sequestrar Sarah, poderia ter tudo o que necessitaria lá dentro e nenhum motivo para deixar seu refúgio, sem falar no seus muitos conhecimentos tecnológicos, que já poderiam tê-lo deixado à par do que estavamos fazendo.
Foi então que como flashes minha mente começou a me mostrar centenas de hipóteses que nos colocariam em perigo. E se Shane já soubesse de tudo? Se ao invés de estarmos o encurralando, ele nos tivesse pego em sua armadilha? Se tudo não passava de um plano dele, com a ajuda de Natasha?
Minha cabeça rodava, minhas mãos suavam e uma falta de ar intensa me tomou, me fazendo deixar a viatura e correr para o meio da estrada deserta, a fim de respirar um pouco de ar puro, foi quando a vi correr em direção a casa.
Emma passou pelas árvores que cobriam um lado da via e entrou pelos fundos da residência antiga, impedindo que os policiais a vissem. Vestia roupas pretas, o que facilitava sua camuflagem e sua altura também corroborava com a tentativa de não ser vista por ninguém.
Eu devia saber que ela não aceitaria fácil ser deixada de fora daquela maneira. Emma sempre foi geniosa, nunca aceitou ordens de quem quer que fosse, além de que, seu amor por Sarah e Lizzie era inexplicável, assim como eu, ela daria sua própria vida pela da irmã.
Precisava fazer algo para impedi-la de por tudo a perder, mas no fundo eu já achava que tudo estava perdido. Shane era esperto e mesmo que a impulsividade de Emma pudesse tornar tudo ainda pior, a ideia de susrpeendê-lo como ela fazia, poderia ser nossa melhor chance.
Por um milésimo de segundo fraquejei. Pensei em deixá-la entrar e torcer para que conseguisse ter sucesso em seu plano, mas logo retomei minha consciência e voltei rapidamente para o carro policial.
- Minha cunhada está na casa, preciso informar ao Ricci - alertei os dois homens à frente do carro - Rhee pode estar armado, ele precisa impedi-la, antes que isso vire um chacina.
- Calma, senhor! - a voz tranquila do policial ao volante, fez meu sangue ferver - Passarei um rádio, mas não se exalte, por favor!
- Ah, vá pro inferno! - esbravejei - Minha mulher e minha filha estão lá dentro, minha cunhada está prestes a fazer uma burrada e você me pede calma? - abri a porta, pronto para sair e dar eu mesmo a notícia a Anthony.
- Nós sabemos como lidar com isso - o outro homem falou, chamando minha atenção para sí - Temos ordem da superintendente Geller de não deixar o senhor e nem ninguém se aproximar do local, por nenhum motivo.
Franzi o cenho confuso. "Ordens da Geller"? Repassei as palavras mentalmente, tentando assimilar o que significavam, mas não pareciam fazer sentido.
O local estava cercado para ajudar caso algo desse errado, os policiais de Apple Hill se mantinham distantes, mas nossa guarnição estava próxima justamente para garantir a segurança de Ricci e Geller.
De repente, vi Anthony gesticulando algo para Judith e levando a mão ao coldre em sua cintura, luzes se acenderam no interior da casa e também em um poste bem próximo de onde os dois policiais se encontravam.
- Filha da puta! - finalmente me dei conta do que estava acontecendo e amaldiçoei-me por não ter notado antes - Mas que merda!
- O que está havendo? - questionou o policial sentado ao volante - Detetive Ricci, responda, detetive Ricci - gritava ao rádio - Aguardamos suas ordens, senhor!
Era minha deixa, não poderia mais me esconder dentro daquele carro, algo estava muito errado e um aperto no peito parecia querer me dizer que muita merda estava por vir.
Saquei minha pistola Taurus calibre 22, que levei escondida no tornozelo, presente de formatura que recebi do meu pai e sai do carro, traçando o mesmo caminho feito por Emma, evitando ser notado.
Os dois policiais que aguardavam comigo no carro tentaram me impedir, mas a não ser que me parassem com um tiro, eu não iria retroagir, Sarah precisava de mim e algo me dizia que Anthony também estava em apuros.
Ao me aproximar da casa, notei que ao chão, próximo as escadas que davam acesso a porta dos fundos, havia uma espécie de porão subterrâneo. As trancas estavam abertas e a passagem parecia não ter nenhuma iluminação. Emma deveria ter passado por ali para entrar na casa e era minha chance de fazer o mesmo.
Desci a escadaria procurando por uma chave de luz, mas não havia nada, forcei minhas vistas tentando enchergar por onde andava, mas era impossível evitar os tropeços. Chamei em sussuros pelo nome das mulheres, mas não obtive respostas, até que ao tatear a parede em busca de equilíbrio, esbarrei no interruptor e o local se iluminou.
Era um cubículo gélido e mofado, havia um sofá, uma cama e alguns poucos objetos velhos e empoeitados, um poste de concreto ao centro, com correntes presas a ele, davam forma a um cativeiro em potencial, mas nem ou Lizzie se encontravam alí.
Caminhei até uma porta bastante danificada pelos cupins e notei que abaixo dela havia uma pequena passagem, perfeita para alimentar um preso, mas que ao mesmo tempo o impossibilitava de fugir, já que nem mesmo uma criança passaria por ela.
Subi os pequenos degraus, forçando a maçaneta e para minha surpresa, a porta se encontrava aberta. Abri com cuidado, para evitar que fizesse qualquer barulho e andei pelo corredor, apoiando as costas na parede e andando por ela, empunhando a arma de maneira cautelosa.
O caminho que percorri era longo e pouco iluminado, a casa parecia ser enorme e com centenas de quartos e cômodos escondidos, um verdadeiro labirinto, fácil de se perder. Seria praticamente impossível saber onde aquele desgraçado havia escondido Sarah e Lizzie, mas eu não podia desistir, além de tudo, Emma havia percorrido esse mesmo caminho e algo devia ter acontecido com ela, por isso, todo cuidado era pouco.
Ouvi passos vindos em minha direção e procurei um quarto para me esconder, quando uma risada desdenhosa fez-se ouvir - E não é que o "Pepe Le Pew" quer brincar de gato e rato?! - outra risada e eu soube que estava perdido, ele sabia que eu estava alí - Pois bem, que os jogos comecem!
Eu estava armado, mas sem contar as aulas de tiro, nunca havia usado um revólver antes e Rhee deveria estar bem seguro de si, já que me chamava para o embate.
Me esgueirei pela parede e procurei por proteção. Precisava chamar a atenção de Anthony, mas para isso teria que encontrar a porta da frente, sem ser pego por Shane antes disso.
- Vamos lá, garanhão - ouvi ele dizer - Seja homem e me enfrente, ou vai desistir dela de novo? - seu tom de voz ia aumentando e se tornando cada vez mais rancoroso - Ela era minha, sempre foi minha e você a fez sofrer, jogou ela nos braços do demônio - pude intensificar que ele falava de Tyler - Agora que eu a tenho, ninguém mais vai ferí-la, já me livrei do inútil Armstrong, agora é a sua vez, King!
Um estrondo alto e ensurdecedor soou pelo corredor e pude sentir o vento causado por uma bala passando a centímetros de minha cabeça e atingindo a parede, me deixando atordoado. Era o que eu precisava, embora aquele tiro pudesse ter me atingido, o barulho chamaria a atenção da polícia e eles saberiam que algo não estava certo no interior da casa.
- Acho que não tem uma boa pontaria, Rhee - provoquei, correndo para o outro lado do corredor - Agora me diga, onde estão Sarah e Lizzie e o que fez com a Emma?
- Emma? - a confusão lhe atingiu - Minha bonequinha está aqui também? Como entrou sem ser vista?
Por um momento, um sorriso despontou em meu rosto, ela era mesmo terrível, conseguiu entrar sem ser vista e se manteve sem ser pega. Onde ela estaria? Será que havia encontrado a irmã? Elas estaria tentando sair ou presas sem alternativas de fuga?
- Nenhuma delas é sua, seu maldito doente - cuspi as palavras com avidez - Você não tem nada, você é um pobre infeliz que vive de fantasias, sua vida é uma mentira que você mesmo acredita.
- Cala a boca! - gritou irritado - Você se julga esperto, mas está na minha mira.
Outro tiro atingiu a parede ao meu lado e escapei ileso novamente, mas dessa vez resolvi revidar, já que a ajuda parecia nunca chegar. Corri para dentro de um quarto e pela fresta aberta da porta atirei em direção ao nada, pois a luz baixa me impedia de ver mais do que a silhueta do homem.
- Parece que não é tão bom com armas como era com bolas, não é capitão? - zombou de meu erro - Agora eu cansei dessa palhaçada!
Seus passos iam se aproximando e não havia para onde correr, eu estava preso naquele quarto, se saísse ele me veria e suas chances de me atingir era gigantescas, mas se eu ficasse, estaria perdido.
- Deixa ele em paz! - uma voz doce e melódica fez-se ouvir - É a mim que você quer, deixe-o fora disso e terá o que sempre quis.
- Sarah, não! - gritei, deixando o quarto e correndo em direção a ela.
Seus olhos encontraram os meus e o medo se fez presente. Ela era tudo o que eu tinha e como prometi, minha vida pertencia a ela e eu me daria inteiro, me colocaria a frente de qualquer coisa ou pessoa que quisesse ferí-la.
No momento em que encontrei os braços de Sarah um tiro foi disparado, ainda pude ver Anthony invadir o local, seguido por mais dois policiais e Emma surgir por de trás de uma coluna, com uma arma apontada para a cabeça. Geller a prendia, com um braço em torno de seu pescoço.
A bala atingiu meu peito, perfurando minha pele e banhando meu corpo de sangue. Suspirei profundamente, sentindo uma dor aguda e lancinante no local onde o projétil havia me acertado. Sarah e Emma gritaram, mais tiros puderam ser ouvidos, até que, lentamente, meus olhos foram se fechando e não tive mais forças para me manter acordado. Desmaiei nos braços de um anjo.
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