Capítulo 24 - Brigas e intrigas
Quanto mais continuo menos eu posso encarar isso
E essas coisas podres que vivem na nossa sombra
Nós andamos na linha entre a morte e a forca
E espero que o caminho que vamos seguir esteja livre
(When I Was Young — Blink-182)
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- Eu vou matá-lo! - o reconhecimento despontou no rosto de Anthony, como se a frase que eu lhe dissera ter ouvido ao telefone, fosse a prova que faltava.
- De quem você está falando? - indaguei.
Ele bufou, passou a mão entre os cabelos e me fuzilou com o olhar - Não está mais do que claro? Ele disse "Sarah é minha", quantas vezes ouvimos isso sair da boca daquele maldito advogado?
Não pude evitar, soltei uma gargalhada em deboche - Achei que já tivéssemos superado essa fase. Me diga que não vai começar com isso outra vez.
- Eu conheço homens como ele, Emma - tentou argumentar - Acham que têm tudo o que querem facilmente e quando não conseguem, são capazes de qualquer coisa.
Sentei sobre o sofá de Sarah e procurei por palavras que o fizessem ver o quanto estava sendo tendencioso - Quer saber, ao invés de tentar culpar Scott por tudo, não acha que seria de grande ajuda se tentasse rastrear a porra do celular que me ligou?
Seu rosto voltou a se contorcer, mas dessa vez em um sorriso tristonho e tive a impressão de que ele pensava em Sarah.
- O que foi?
- Estava lembrando - o sorriso continuava presente em seus lábios - E respondendo sua pergunta, já designei uma equipe para checar essas informações, mas creio que o aparelho em questão seja também descartável e impossível de rastrear.
- Que droga!
- Preciso ir - sua face voltou a se fechar dura - Estarei disponível pelo telefone, caso aja alguma novidade, não exite em me ligar.
- Onde você vai? - eu já sabia a resposta e não deixaria que ele continuasse com aquela desconfiança injustificada.
- Scott King é um suspeito e eu vou investigá-lo - referiu ele - Você pode achar que ele é inocente, mas meu trabalho é desmascarar pessoas como ele.
Rodei os olhos, visivelmente inconformada - Cara, você é um filho da puta de um rejeitado. Será que não enxerga que Scott já esfregou a verdade na sua cara sem esforço algum?
Ele parou. Olhou-me sem enteder onde eu queria chegar com aquele discurso, mas se manteve calado, esperando que eu terminasse minha preleção.
- Anthony, quando falamos com Henry ontem, tudo se esclareceu - para mim era tão óbvio que pensei não ser mais um problema à partir de então - Ele deixou claro que Sarah esteve mesmo com Scott e que ela disse que amava outra pessoa. Estava feliz, sem lágrimas, apenas o contentamento de quem esteve nos braços de quem ama.
Sei que fui dura, mas precisava abrir os olhos dele antes que alguma loucura fosse feita. Anthony era um bom homem, mas se perderia em seu ódio por Scott, caso não fosse alertado.
Ele desviou o olhar, andou até a janela onde o sol já começava a se esconder e em um desabafo quase que desesperador, apoiou-se sobre o parapeito e desabou em lágrimas.
- Eu perdi ela, Emma - falou entre o choro descontrolado - Pensando bem, acho que nunca tive.
Me aproximei, pus a mão sobre o ombro do homem e afaguei com ternura - Não levo muito jeito em consolar as pessoas, mas você ainda pode lutar por ela, só que pra isso, nós precisamos unir forças, precisamos trazê-la de volta.
Anthony se recompôs tão rápido que só então percebi o quanto a cena de um policial fardado e chorando daquela forma podia ser cômica. Tive de segurar o riso. Eu sei, eu sei, sou uma pessoa horrível, mas não estou acostumada a lidar com homens choramingando daquela forma.
- Você precisa conversar com seus pais e também com a Liz, explicar o que está acontecendo e mantê-los em alerta - Anthony caminhou até a porta - Eu vou voltar pra delegacia e ver se conseguiram descobrir algo.
Assenti e sai ao lado dele. Nossos carros se encontravam estacionados em frente à casa e cada um seguiu para o seu, mas antes que eu pudesse adentrar meu veículo, Anthony chamou minha atenção.
- Ei, Emma! Sarah tem sorte de ter uma irmã como você.
Sorri e acenei. Deixei o local e fui até meus pais, que já estavam agoniados sem ter notícias de mim e principalmente de Sarah. Tentei acalmá-los, mas parecia simplesmente impossível falar sem chorar.
No início pensei que poderia ser alguma coisa atoa, que Sarah logo apareceria com uma desculpa bem convincente e todos voltaríamos a nos unir em volta da mesa, felizes e agradecidos pela família que temos, mas agora, já se passando quase 24 horas de seu desaparecimento, com a ligação e tudo mais que cercava o caso, eu tinha certeza de que o perigo à rondava e eu precisava achá-la o quanto antes.
Meus pais ficaram arrasados e Lizzie só chorava sentindo falta da mãe. Por sorte nada de ruim aconteceu com relação à meu pai e seu coração fraco, mas ele ligou para todos os antigos companheiros da polícia local e os deixou em alerta. Isso não era necessário, já que Anthony estava cuidando dessa parte, mas ele se sentia útil fazendo aquilo.
Achei melhor que Lizzie continuasse sob os cuidados deles, já que eu não descansaria até descobrir o culpado e ficaria na cola de Anthony, mesmo que ele não me permitisse.
Liguei para o pet shop e cancelei todos os clientes dos próximos dias, não tinha cabeça para trabalhar e o foco agora era encontrar pistas relevantes para o paradeiro de minha irmã.
Decidi que permaneceria na casa de Sarah, talvez o stalker fizesse contato novamente e eu precisava estar por perto. Saí de casa com o intuito de falar novamente com Anthony, então segui até a delegacia.
Fui recepcionada por uma mulher baixa e loira, cabelos presos em um rabo de cavalo e vestindo um terninho feminino bem alinhado.
- Posso ajudá-la, Senhorita?
Seu nariz empinado e o ar de superioridade não me intimidaram - Estou procurando o policial Ricci.
- Suponho que seja a irmã da doce princesa em apuros - Cruzou os braços e sustentou meu olhar.
Meus punhos cerraram e tive que me controlar pra não armar um barraco em meio ao posto policial.
- E você é a ex esposa inconformada? - rebati - Judith, não é? Sinto muito pela minha indelicadeza, mas você deveria seguir em frente. É ridículo pra uma mulher da sua idade agir feito adolescente.
- Acho que não tem medo de passar uma noite na cela dessa delegacia, não é, senhorita McKay? - um canto de sua boca elevou-se - Eu sou quem controla tudo por aqui.
- Belas palavras, até desconcertantes, eu diria - devolvi o sorriso torto - Se eu não conhecesse muito bem o tenente coronel Donald's e soubesse que ele sim é o responsável por esse departamento.
Um rubor facial se fez notar e a mulher deu de ombros. Eu não era como Sarah, comigo as coisas não ficam em aberto e não meço minhas palavras. Se essa vadia acha que vai me amedrontar só porquê é policial, está muito enganada, já passei por situações muito mais fodidas do que meia dúzia de ameaças sem fundamento.
- Emma? - Anthony veio até mim - Achei que só viria pela manhã. Vamos até minha sala!
A loira nos encarou, mas engoliu o que pensou em dizer. O segui como havia pedido e me acomodei em uma cadeira, enquanto ele fechava a porta, para manter a privacidade em nossa conversa.
- Quero saber se tem alguma novidade! - questionei.
Anthony sentou-se de frente para mim, jogou seu corpo sobre o encosto da cadeira, apoiou o queixo na mão esquerda e contornava os lábios com o indicador - Voltei a falar com o tal Henry, ele me permitiu verificar a casa e não há nada que o ligue ao crime.
- E o celular?
- Como eu já imaginava - seus olhos verdes perdiam o brilho a cada palavra - Não dá pra rastrear.
Deixei a cadeira e caminhei desorientada pela sala. Não era possível que aquilo estivesse mesmo acontecendo, Sarah sempre foi uma boa pessoa, não merecia isso.
Meus olhos ardiam, o choro pedia passagem e a angustia me consumia - É tudo culpa minha, tudo culpa minha... - repetia as palavras continuamente, enquanto lágrimas transbordavam e escorriam sem controle por minha face.
Anthony se aproximou e no impulso me envolveu em seus braços. Minha cabeça repousou no seu peito, molhando a farda que ele vestia e enquanto afagava meus cabelos, murmurou - Vai ficar tudo bem!
Fomos interrompidos pelo chamado de um de seus subordinados. O homem bateu na porta da sala, chamando nossa atenção e acabando com o momento terno.
- Senhor, os resultados das digitais no aparelho celular não foram precisos e o tenente coronel mandou que se dirija imediatamente ao gabinete dele.
Trocamos um olhar tenso e Anthony me deixou só, indo cumprir seu dever. Alguns minutos mais tarde, eu já estava mais calma e tentava pensar em tudo que havia acontecido naquela noite, pessoas conhecidas que poderiam cobiçar Sarah em segredo, mas não conseguia chegar a lugar nenhum.
Anthony estava se demorando muito, então resolvi ir embora. Não havia mais nada para mim alí, as investigações continuavam paradas e talvez eu pudesse obter mais informações em casa, perto do telefone e com as coisas de Sarah.
Passei por Judith ao sair, preferi nem olhá-la para que não tivéssemos mais nenhum atrito. Entrei em meu carro e dirigi, mas a cabeça passeava em meio a todas as coisas que haviam transformado meu dia em uma caçada desesperada por notícias.
Ao chegar, me vi sozinha com tudo que me lembrava Sarah. Um ano novo se iniciaria e da pior maneira possível, nem o mais sádico pessimista imaginaria tal coisa, o sofrimento já era extremo e o primeiro dia de buscas por minha irmã terminou sem perspectiva alguma.
Após tomar um banho e me alimentar, fui para o sofá e fiquei diante da tv, mas sem conseguir assimilar nada do que via. Meus pensamentos foram de encontro aos meus pais e principalmente minha sobrinha. O Natal já não havia sido dos melhores, não era justo que o ano terminasse daquela maneira.
🍂🍂🍂
Já haviam se passado duas semanas desde que Sarah desaparecera e não tínhamos nenhuma pista concreta do que poderia ter acontecido com ela.
Tive de voltar ao trabalho. Não por vontade própria, mas por insistência de meus pais que, embora estivessem bastante aflitos com o desaparecimento da filha, sabiam que nem eles, muito menos eu, poderíamos de fato fazer algo a mais do que a própria polícia.
Anthony designou uma viatura para vigiar a casa de Sarah, como o coronel Donald's ordenou, ao chamá-lo em sua sala, no dia em que Sarah desaparecera e eu permaneci morando nela, assim me sentia mais próxima e era como se cuidasse de tudo o que ela amava.
Lizzie continuava com os avós, mas vez ou outra, ela insistia em dormir comigo e pelo estado frágil em que ela se encontrava, não conseguia lhe negar nada.
O reveillon passou em branco. Não haviam motivos para comemorar o novo ano, bem pelo contrário, desejávamos voltar na tempo, mais precisamente, para o dia em que Sarah supostamente conheceu o cara que a sequestrou e comemorá-lo de outra forma.
Todos dizem que não devo me culpar pelo que aconteceu, mas é inevitável. Sarah sempre odiou baladas, detesta lugares com muita gente e eu à convenci de que seria bom sair, respirar novos ares e deu no que deu.
Scott está devastado. Já contratou e demitiu mais detetives particulares do que se possa imaginar e nenhum deles foi capaz de descobrir o que é que aconteceu com minha irmã.
Acordei com um pressentimento ruim naquela manhã. Fazia frio e Lizzie dormia ao meu lado, na cama de Sarah, por isso levantei-me lentamente, sem fazer movimentos bruscos, tentando não acordá-la e desci para preparar o café.
Era sábado, não havia trabalho, mas eu precisava ir até a delegacia para ver à quantas andavam as investigações e só desejava não ter de encontra a rainha da arrogância, senhorita "eu mando aqui Geller". Não fazia sentido algum, um homem como Anthony ter se envolvido com ela, mas cada chapeleiro com sua loucura.
Fiz panquecas com chocolate, as preferidas de minha sobrinha. Cozinhar não era meu forte, mas Lizzie estava passando por tanta coisa nos últimos tempos e sendo tão pequena, precisava que todos se esforçassem ao máximo para fazê-la se sentir melhor.
Ao adentrar a cozinha, seu semblante tristonho não deu a menor chance para minha culinária limitada e nem mesmo esboçou um sorriso.
- Sei que está com saudade da sua mãe, mas coma pelo menos um pouco. São suas favoritas - supliquei - Você precisa se alimentar, meu amor.
- Quando a mamãe vai voltar, tia Emma?
Seus olhinhos piscaram em busca de respostas, mas eu não às tinha. Estava difícil me manter firme, difícil ver o quanto Sarah fazia falta e mesmo assim não poder dizer nada para amenizar o vazio no peito de minha sobrinha e no de todos nós que a amamos.
Forcei meus lábios a sorrir, mesmo que minha vontade fosse desabar em prantos - Logo, querida. Mas você tem que me prometer que vai comer. Está bem?
Ela assentiu, mas a face contorcida não a deixava mentir, enquanto Sarah não voltasse, Lizzie seria uma criança depressiva e desanimada. Não era justo, perder o pai e também a mãe em tão pouco tempo.
Eu assistia enquanto ela se esforçava para engolir a comida e não me desapontar. Uma pequena lágrima me escapou pelo canto do olho, enxuguei-a rapidamente e fui até a pia lavar os pratos que haviam ficado sujos, na noite passada.
Lizzie se acomodou na sala, assistindo um de seus desenhos favoritos, durante toda a manhã. As horas passavam e eu não tinha sequer uma notícia de Anthony sobre as investigações, o que já estava me deixando aflita.
À tarde, após o almoço, me juntei a Lizzie no sofá, mas minha cabeça rodava naquele carrossel macabro e maluco de angústia por não ter notícias de Sarah.
A campainha tocou. Deixei Lizzie no sofá e caminhei até a entrada, pelo olho mágico pude ver Anthony de costas, parado nas escadas da varanda. Abri a porta e me deparei com um homem bastante ferido, seu olho direito arroxeado e a boca inchada, sem contar os inúmeros ferimentos espalhados por seu rosto e coberto por curativos.
- O que houve com você? - questionei horrorizada com a aparência do homem em minha frente.
- Eu sofri uma emboscada!
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