Capítulo 16 - Um horror de Natal
Eu sou o medo que mantém você acordado
Eu sou a sombra da parede
Eu sou o monstro que eles se tornam
Eu sou o pesadelo em seu crânio
Eu sou o punhal em suas costas
Uma curva a mais na tortura
Eu sou o tremor em seu coração
A dor pontuda, o começo rápido
...
E é tão fácil quando se é mau
Esta é a vida, sabe
O diabo tira o chapéu pra mim
Eu faço isso tudo porque sou mau
E eu faço tudo de graça
Suas lágrimas são todo pagamento que preciso
(When you're evil - Voltaire)
🍂
Ainda parada em frente à porta, segurando a caixa e o cartão, eu soube que me arrependeria de abrí-la, mas ignorando todos os meus instintos, eu o fiz. Quando pus os olhos no teor do fatídico presente, soltei um berro, deixando a caixa resvalar por entre os dedos.
Naquele instante me senti como uma criança, apavorada, com medo sem saber como lidar com tamanho horror contido naquela caixa. Alí mesmo, caí de joelhos e lágrimas transbordaram por meus olhos, a caixa rolou pelas escadas da entrada principal e seu conteúdo macabro ficou exposto sobre um de seus degraus.
- Quem era na porta, Sarah? - meu pai aproximou-se, notando o tamanho de meu desespero, tentou me içar em seus braços - Querida, o que houve?
Não pude pronunciar nada, apenas continuei ao chão, como um guizo muito pesado para ser erguido.
- MEU DEUS DO CÉU! - exclamou ele, quando seus olhos pousaram sobre a pele e os dedos humanos, saídos do pacote que recebi.
- Senhor McKay, o que está acontecendo? - Scott aproximou-se, seguido por minha mãe, Emma e minha pequena Lizzie.
Ao ver o motivo de nosso desespero, ele deu dois passos para trás, afastando as mulheres novamente para longe daquela cena medonha.
- Emma, leve Lizzie e sua mãe lá para cima, por favor! - havia urgência em sua voz.
- Mas por quê? O que houve de tão grave? - minha irmã tentava incansavelmente olhar por sobre os ombros de Scott.
Ele a pegou pelos ombros e ordenou - Só faça o que estou mandando. Leve a menina daqui agora!
À contragosto, Emma fez o que fora pedido, mas ao longe pude ouvir a voz de Lizzie dizendo - Eu quero ficar com a minha mãe, quero ficar com a minha mãe...
Scott alcançou meu pai e o ajudou a me tirar do chão. Me levaram até o sofá, e deitaram-me como fora possível, já que meus membros do corpo se recusavam a funcionar e eu mais parecia uma boneca de pano, amolecida e sem vida.
Aturdida, eu não era capaz de falar, não reagia à nenhum estímulo, minha boca trêmula e os olhos azuis arregalados se mantinham da forma que reagiram ao ver tal horror. Aquelas partes humana só podiam ser de uma pessoa. Meu ex, agora falecido, marido. Aquela evidência nefasta apenas confirmava o que eu já sabia, o assassinato de Tyler havia sido executado por meu perseguidor.
Enquanto ouvia Scott falando ao telefone com agentes da polícia, informando o que acabara de acontecer em minha propriedade, ouço passos vindo em minha direção. Alguém se abaixa próximo à mim e dedos tocam minha testa, afagando-a com carinho.
- Oh, Sarah. sinto muito que tenha passado por isso sem que eu estivesse aqui para te amparar - a voz de Anthony fez-se ouvir - Esse maluco terá o que merece, eu prometo!
Não lembro-me mais de nada que ocorrera à seguir. Meus olhos se fecharam, ainda cobertos por lágrimas e um estranho fundo negro prevaleceu durante muito tempo, como se eu me distancia-se do ambiente. Sentia uma taquicardia, sudorese intensa e ondas de calor passando por todo meu corpo imóvel.
🍂🍂🍂
Despertei do meu estado de desordem, sem entender bem o que de fato havia ocorrido. Por um tempo, fiquei inerte, apenas fitando o teto, tentando recordar os acontecimentos nefastos de antes do meu trauma.
Anthony, sentado ao meu lado, na cama, pôs sua mão sobre a minha e o toque quente de sua pele pareceu me acordar em definitivo. Num primeiro momento, ergui meu corpo lentamente, mas quando a imagem de minha filha invadiu minha mente, tentei sair o mais depressa possível daquela cama e abraçá-la fortemente.
- Fique deitada Sarah, você precisa repousar - Anthony me impediu de levantar - Você teve um problema emocional grave e não é aconselhável que saia da cama, pelo menos por hora.
- Preciso ver minha filha! - supliquei.
- Emma está com ela - disse, passando a mão em meus cabelos - Agora relaxe.
Franzi o cenho, inconformada com sua falta de empatia para com meu desejo quase palpável de ver Lizzie.
- Cadê o Scott? Minha mãe, meu pai... O que está acontecendo comigo, Anthony?
- Estão todos na sala, com a polícia. Segundo o Dr. Martin você passou por uma reação aguda ao estresse - explicou ele - Se trata de uma resposta de seu subconsciente, tentando se adaptar ao acontecimento traumático de ontem à noite.
- Ontem? - ergui uma sobrancelha em dúvida - Quanto tempo eu fiquei assim? Que horas são?
- Oito e meia da manhã - seus olhos encontraram os meus, temendo dar-me aquela notícia - Você passou muitas horas assim, Sarah. O médico veio vê-la e disse que se tratava de algo comum, quando se passa por um episódio tão marcante como o que você vivenciou.
Suspirei profundamente, sentindo o doce aroma do perfume de Anthony invadindo minhas narinas - Aquelas partes pertenciam ao corpo de Tyler. Não é?
Ele consentiu com a cabeça - Tudo indica que sim. Levaram para perícia, mas os dois bilhetes, tanto o enviado anteriormente, como o cartão enviado junto à caixa, confirmam sua suspeita. O assassino de Tyler é mesmo o stalker.
Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago. Eu não queria acreditar que aquilo estava realmente acontecendo comigo e o pior, a falta de concepção, de quem poderia estar por trás de toda aquela monstruosidade me deixava com um sentimento de impotência gigantesco.
- Me deixe ver minha filha, Anthony! - pedi novamente - Preciso ver com meus próprios olhos que está tudo bem com ela.
Ele solta o ar pesadamente - Tudo bem, ela está no quarto dela, brincando com sua mais nova amiguinha - sorriu, como se a lembrança de algo o fizesse bem, mesmo em meio a tantos percalços.
Com a ajuda de Anthony, fui ao encontro de Lizzie. A mesma se encontrava sentada ao chão, sobre o tapete felpudo rosa, ao lado de Emma e também de uma pequena criaturinha negra, de pelos longos e luminosos olhos âmbar. O felino era idêntico ao que Scott e eu havíamos adotado anos atrás.
- Mamãe! - exclamou ela, correndo para meus braços.
Sentir o aperto de Lizzie em meu pescoço, tocar seus sedosos cabelos ruivos e o carinho de mãe e filha que existia entre nós, era reconfortante, acolhedor e extremamente necessário naquele momento.
- Estou vendo que gostou do presente - sorri, enquanto caminhava com ela até Emma e o bichano - Já escolheu um nome?
- Bella! - seus olhinhos piscaram alegremente - Tio Anthony disse que ela é uma princesa como eu e você, mamãe.
Anthony e eu trocamos um sorriso cúmplice e murmurei "obrigada".
- Ei, eu também quero ser uma princesa - Emma fez beicinho, fingindo estar triste.
Rimos e por um breve minuto tudo pareceu em paz novamente. Uma pena ser ilusão, pois logo em seguida, Anthony foi chamado ao andar de baixo e mesmo com sua insistência para que eu permanecesse onde estava, não pude evitar e o segui até a sala.
Lá estavam meus pais, Scott e dois policiais que pediam calma a meu chefe nitidamente exaltado.
- O que está acontecendo aqui? - Anthony indagou. Seu olhar fixo em Scott, como se soubesse que ele era o único culpado pela discussão.
- Acontece que seus colegas são dois incompetentes que não são capazes de ver o que está à um palmo de distância dos olhos de todos - Scott levou as mãos à cintura, inconformado com algo que somente ele parecia notar.
Anthony desviou a atenção para os dois homens fardados de pé, ao lado de Scott - Policial London e Barker, querem por favor me explicar o que esse senhor está dizendo?
- O senhor King insiste em dizer que precisamos vigiar a casa, pois o indivíduo tem aparecido e desaparecido rapidamente - explicou o homem pais alto - Mas não podemos disponibilizar viaturas dessa forma, sem ter provas de que esse indivíduo é verdadeiramente culpado pelo homicídio.
- Escuta aqui, rapaz - meu pai levantou-se do sofá em que repousava - Eu sou o coronel Seymour McKay e durante anos trabalhando com a polícia da cidade, nunca me deparei com uma guarnição tão incompetente como a sua.
- Calma, senhor McKay - pediu Anthony - Prometo que faremos o possível para descobrir quem é esse sujeito, mas entenda que...
- Não me peça para ficar calmo, garoto! - as palavras tinham um tom ameaçador por parte de meu genitor - Você tem estado ao lado da Sarah durante todo esse tempo em que ela vem sofrendo ameaças atrás de ameaças e não toma medida alguma pra que isso tenha um fim. Então não me venha pedir que entenda essa inabilidade.
- Seymour, por favor - minha mãe o interrompeu - Essa não é hora pra brigas e sim para que entremos em um acordo que proteja Sarah e Lizzie desse maluco.
- Eu ficarei aqui com ela e nada vai se aproximar da casa sem que eu esteja em alerta. Eu prometo! - Anthony envolveu-me em seus braços.
- Eu prometo! Eu prometo! - Scott parou ao nosso lado - Você vem se repetindo tanto, mas no fundo deve saber que não é capaz de protegê-las.
- O que você disse? - Anthony se pôs à frente de mim, sustentando o olhar de Scott e lhe empurrando para longe - Acha que pode fazer melhor? Só porquê tem dinheiro e um diploma pomposo, se julga melhor do que eu, do que meus subordinados?
- Parem agora com isso, os dois! - repreendi.
A face de Scott fechou-se dura, uma veia saltava em seu pescoço e os punhos cerrados denotavam o tamanho da raiva contida nele - Da próxima vez que tocar em mim, não vou me importar com o fato de ser policial, vou partir sua cara.
- Ameaças - zombou Anthony - Você vive disso, meu caro amigo. Mas desculpe dizer, não tenho medo de você.
- Já mandei parar! - gritei aflita.
Quando Scott já partia para cima de Anthony, como um animal feroz, meu pai o segurou, impedindo que minha sala virasse um ringue de boxe.
-Precisam manter a calma, garotos! Não é se atracando como dois homens das cavernas que vão poder proteger a Sarah - elucidou minha mãe.
- Scott, acho melhor você ir embora! - falei.
- Mas Sarah... - ele pareceu querer contrariar-me, mas algo o fez repensar - Tudo bem, se é isso que você quer, estou indo. Mas se precisar de qualquer coisa, não hesite em me ligar.
- Obrigada! - agradeci sorrindo.
Anthony liberou os dois homens que ainda estava plantados em minha sala, sem ajudar em absolutamente nada, depois virou-se para mim e disse - Vocês acreditam nesse cara? Sinto que tenha que conviver com ele todos os dias.
- Quero que vá embora também, Anthony! - já havia tomado minha decisão, não suportava mais toda aquela disputa e sem falar que a maneira como a tal Judith atendeu ao celular dele, estava claro que precisaríamos ter uma longa conversa, coisa que eu não estava em condições físicas e muito menos mentais para enfrentar agora.
Uma linha pareceu entre suas sobrancelhas, mas Anthony não disse nada, apenas pegou suas chaves e saiu. A forma como as coisas se desenrolaram me fizeram ver que eu o havia magoado de alguma forma.
- Querida, você não pode ficar aqui sozinha - constatou meu pai, enquanto ouvíamos o arranque do veículo de Anthony - Seria melhor tê-lo deixado ficar.
- Não estou com cabeça pra lidar com crises de ciúme agora, pai - esclareci - Prefiro ficar sozinha e não acho que depois da grande cena que o perseguidor protagonizou ontem, ele irá se arriscar novamente.
Eles insistiram em ficar, pediram que Emma ficasse, mas eu neguei todas as tratativas. Estava exausta, só queria passar um tempo com minha filha, depois deitar e ter uma noite de sono pesado.
Por volta das três horas da tarde, meus pais foram embora. Eles almoçaram o que havia sobrado da ceia, mas eu não pude acompanhá-los. Por mais faminta que estivesse, enquanto aquela imagem grotesca de pedaços humanos não deixasse minha mente por completo, seria impossível colocar comida na boca outra vez.
Emma, Lizzie e eu passamos o resto da tarde distraídas pela doçura de Bella. A gatinha parecia saber que Lizzie precisava de carinho, pois não desgrudava da menina nem por um segundo.
Mais para o fim do dia, subi para tomar um banho e relaxar um pouco meu corpo e mente. Entrei embaixo do chuveiro e deixei que a água quente caísse sobre meus ombros, diminuindo toda a tensão presente em mim.
Vesti uma lingerie, um hobby de cetim preto e antes de descer novamente até a sala, onde Lizzie e Emma assistiam à tv, verifiquei meu celular. Haviam duas mensagens, ambas de Anthony.
"O medo de te perder falou mais alto do que o orgulho. Espero que esteja bem e que logo possamos esclarecer o mal entendido com judith." - dizia a primeira.
- A segunda partia do mesmo princípio que a fala de Scott, antes de se despedir - "Se precisar de algo, não importa o dia, não importa a hora, me ligue que irei correndo."
Deixei o aparelho sobre a mesa de cabeceira e fui até a sala. Emma já se aprontava para ir. Pus meu carro à sua disposição, como forma de agradecimento por ter estado ao meu lado e cuidado de Lizzie enquanto eu me encontrava em transe.
No dia seguinte iria ligar para Scott e lhe pedir alguns dias de folga, só para poder colocar as ideias em dia. Ele já havia me liberado após a morte de meu ex marido, mas como o abalo foi apenas momentâneo, dado pela forma brutal em que ele havia sido executado, eu não me permiti ficar de luto por alguém como Tyler, além disso, a psicóloga que Anthony havia me indicado disse que seria bom para Lizzie voltar ao convívio social o quanto antes.
- Já está de saída, irmã? - indaguei.
- Sim - respondeu ela - Preciso me preparar para uma prova. Vocês vão ficar bem sozinhas?
- Claro que sim - sorri - Pode ir tranquila.
Emma deu-me um abraço apertado, se despediu de Lizzie com um beijo no topo de sua cabeça e deixou a casa pela porta dos fundos, em direção a garagem onde meu carro ficava estacionado.
Em pouco segundo ouvi o barulho dos pneus cantando em direção à estrada, o que fez com que me arrependesse de ter lhe emprestado. Agora era tarde, já estava feito. Só me restava rezar para que Speed Racer não acabe com meu carro.
Fiz pipocas e me juntei à Lizzie e Bella no sofá. Em meio a muito desenhos animados e risos descontrolados, ela acabou por pegar no sono. Dei uma espiada em meu relógio de parede e notei que já estava bem tarde.
Fui até a cozinha em busca de um copo d'água e depois levaria Lizzie para o quarto, quando a campainha ecoou pela casa. Meu corpo tensionou, o coração palpitava com medo do que viria à seguir.
Outro toque soou e lentamente me aproximei da porta. Ficando na ponta dos pés, consegui vislumbrar a figura que aguardava do lado de fora. Pisquei os olhos repetidamente e meu coração voltava a pulsar em um ritmo normal. Destravei a fechadura e girei a maceta - Scott?
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