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Capítulo Trinta e Sete

Não havia nada que levasse ao assassino. Nada. O ar saiu pesadamente dos pulmões de Noah. Parecia que algo o envolvia e sufocava aos poucos. A detetive Prescott bateu com força na mesa. O olho do homem latejou com um pouco de dor. O ferimento não estava se curando com tanta rapidez que esperava.

- Não há nada que nos leve a esse... Maldito serial killer. – esbravejou Lucy.

Noah coçou a cabeça. Ele compreendia aquele sentimento frustrante. Estava-o sentindo há meses e agora já havia se acostumado. Não completamente, é claro.

- Ele é muito esperto, como se já tivesse feito isso antes. – continuou a detetive. – Não podemos descartar Thomas Parker, ele é o nosso suspeito principal.

A mulher passou os dedos pela linha que levava a fotografia do rapaz no centro, e bateu duas vezes o indicando.

- Samantha Miller. – Lucy caminhou até a fotografia com o rosto sorridente de Sam. Ela estava muito bonita naquela foto, pensou Noah. – Não podemos descartá-la. Você antes havia posto-a como suspeita, entretanto descartou, mas sinto que há algo de errado com essa garota. Há algo estranho nela.

Noah quis retrucar, mas se manteve calado. Lucy estava apenas fazendo o trabalho dela. E Noah estava deixando-se levar pelos sentimentos que tinha por Sam.

- E também há os amigos. – A mulher indicou as fotografias de Nathan Brenner, Lilly Price e Elliot Cooper. – Os dois parecem ter bastante contato com estes três. E os pais. Não podemos descartá-los também.

Lucy parecia estar perdida em um transe profundo enquanto indicava a longa lista de suspeitos.

- Acho que a mãe de Samantha, Claire Miller, defende muito a garota. Claro que é a mãe dela, mas mesmo assim. E o pai também! – A detetive abriu uma pasta que estava sobre a mesa de Noah. – O homem parece estar constantemente irritado. E desaprovo o comportamento dele. E a mãe de Thomas também. Sem contar...

E Lucy prosseguiu a falar sobre várias coisas. Ele particularmente já havia repassado aquela situação dezenas de vezes. Mas ter uma mente nova na investigação havia melhorado um pouco as circunstâncias de Noah.

- E Josh Turner. – esse nome chamou a atenção do detetive. – Por que ele saiu da cidade sem um motivo? Os pais disseram que ele havia se cansado de morar aqui, mas não acho que seja argumento o suficiente. Acho que vou tentar entrar em contato com o rapaz.

A detetive Prescott bateu novamente na mesa, eufórica, e pegou o celular.

- Ah, merda.

- O que foi? – indagou Noah para a colega.

- O velório da garota. – Ela mostrou o horário para Noah. 16h37min. – É daqui a pouco. Você vai?

Noah balançou a cabeça, assentindo.

- Eu vou ao enterro.

- Por quê? – questionou curiosamente Lucy.

- Porque, normalmente, as coisas ficam piores durante o enterro. – respondeu Noah. Ele se lembrava perfeitamente da confusão durante o funeral de Olivia Carter.

Lucy deu uma risada baixa.

- Essa cidade é bastante complicada. E por que não seria? – a mulher continuou a rir consigo mesma. Noah queria compreender o motivo da graça. – Os problemas em cidades pequenas sempre atingem todos os habitantes. Isso pode tornar nosso trabalho mais fácil ou difícil. É melhor eu ir.

Ao dizer a última frase Lucy pegou a bolsa e se dirigiu até a porta, mas parou. Ela voltou-se para o detetive Guzman.

- E Feliz Natal, caso não o veja amanhã. – desejou Lucy Prescott. Ela logo se retirou da sala e foi para o ar frio do dia.

Uma sensação estranha tomou conta de Noah. Era véspera de Natal e não fazia ideia do que faria no dia seguinte. Não era uma data comemorativa para ninguém naquela região. Ainda mais na véspera de Natal em que velariam uma garota.

O detetive pegou a jaqueta e vestiu. Não tinha pressa alguma em ir para o cemitério. O homem saiu para o lado de fora e viu as botas afundarem na neve macia. O clima parecia perfeito para um Natal em família e percebeu que fazia bastante tempo que não falava com a sua. Noah caminhou até o carro e pegou o celular para fazer uma ligação a mãe, mas com os pensamentos perdidos em Samantha. É com ela que ele queria constituir uma família, mas a garota estava muito ocupada derramando lágrimas por Thomas. Maldito seja aquele rapaz, pensou Noah. Ele ignorou os pensamentos, a fúria, e tentou focar na maldita vida que levava. Ele superaria aquilo logo quando o assassino fosse preso. E desejava com toda as forças que fosse Thomas.

O caixão foi levado para o fundo da cova aberta. Um coro de vozes acompanhou o caminho dele até o fundo. Samantha se viu em um dejavu, a cena do enterro de Olivia repetiu em sua mente. Mas Josh não estava ali, e nem Charlotte. Sam evitou pensar nele durante muito tempo, mas naquele momento a falta da presença dele era perceptível.

O pequeno coro cantarolou uma bela canção. Uma canção que não combinava com a situação, mas combinava com Sarah. Os pais de Sarah decidiram manter a tampa do caixão fechada, Samantha não pode olhar uma última vez para a amiga ao se despedir. A cena do corpo de Sarah ao ser encontrado por Sam reproduzia intensamente nas memórias da garota. O cheiro parecia estar impregnado novamente nas roupas de Sam, mas ao olhar para baixo viu-se usando o mesmo vestido que usara no velório de Olivia e um casaco escuro pesando sobre seus ombros.

As pessoas choravam. Os pais de Sarah agarravam-se um ao outro como um apoio e a irmã mais nova da garota estava parada ao lados dos dois, sem reação alguma. Ao ver aquela cena novamente o pânico começou tomar conta de Samantha. A aflição perseguiu seus membros e a sufocou. Sam deu um passo atrás, sentindo-se prestes a desmaiar. A ideia de que em breve poderia ser ela a ser enterrada naquele mesmo cemitério, com pessoas chorando por ela, afligiu-a.

Samantha não queria morrer. Não quando tudo poderia dar certo. Mas ela queria fugir daquele lugar. A garota procurou um lugar para uma escapatória momentânea, mas o ambiente tinha muitas pessoas que poderiam vê-la. Fugiria quando a quantidade de pessoas se dissipasse. Porém, teria outros problemas, como alguns policias a espreita nas ruas e também no local. E Noah.

O detetive a fitava por um longo momento. O rosto dele estava marcado pela troca de socos que tivera com Thomas. O olho direito estava inchado e roxo, o queixo tinha um corte e a mandíbula estava marcada, mas permanecia inabalável. Com as mãos atrás das costas, mantinha uma vigilância constante sobre Samantha.

A garota sentia-se enjoada com o olhar prolongada do detetive, entretanto, o que piorava a situação era os olhares de ódio que Thomas lançava a Noah. Ele havia sido solto dois dias depois da briga com o detetive, o que deixara Samantha aliviada, mas os pais da garota impossibilitaram qualquer tipo de contato ao rapaz e ela sabia que Thomas passava pela mesma situação. Uma ânsia embolou-se na garganta da garota e a fez sentir-se cansada, prestes a desmaiar. Uma mão tocou levemente o braço dela, fazendo-a se assustar. O rosto inchado e triste de Lilly a olhou com preocupação. Isso fez Samantha trincar os dentes e focar os olhos em Noah, do outro lado da cova, e retribuir os olhares de uma forma raivosa.

Aos poucos a canção parou e as pessoas começaram a atirar flores para dentro do buraco que jazia o caixão com o corpo de Sarah. Samantha não levava nada consigo e apenas ficou parada no lugar observando as pessoas despedirem pela última vez de Sarah. Lilly foi até a cova e jogou a rosa, que desceu majestosamente para o fundo. E após cada flor jogada para o fundo da cova as pessoas foram se dissipando. Samantha ficou alerta e sentiu um leve entusiasmo a tomar. Se tivesse alguma oportunidade poderia fugir dali e não ser obrigada a ir para a casa da família King.

Os pais de Samantha se aproximaram dos pais de Sarah. A garota deu um passo para frente e se aproximou da cova. Ao fazer isso percebeu o movimento de Noah, mas há alguns metros do detetive, Thomas fez o mesmo. Ela sentia a vigilância constante, mas disfarçou ao observar o caixão tomado pelas flores de condolências. Alguém moveu-se ao lado da garota, era Lilly. A amiga fungou e esfregou o nariz com o lenço.

- Muito obrigado pelo lenço. – disse Lilly a alguém. Samantha ficou confusa. Com quem a amiga estaria falando?

- Tudo bem, Lilly, pode continuar usando, eu tenho outro. – a voz de Elliot tomou conta da audição de Samantha. A garota movimentou-se rapidamente e  fitou o rapaz. Ele deu um pequeno sorriso ao ver Sam. – Você vai precisar do lenço, Samantha?

- Não, muito obrigada, Elliot. – agradeceu Samantha, hesitante. A presença do rapaz não havia sido notada pela garota. Mas vê-lo ali causou uma sensação desesperadora à garota.

O coração de Sam bateu fortemente contra as costelas, o nervosismo tomando conta de cada movimento do corpo dela. Elliot apenas sorriu gentilmente ao agradecimento da amiga. A lembrança do beijo do rapaz tomou a mente de Sam, e era a última coisa que desejava pensar no momento. A sensação dos lábios dele contra o dela era inquietante. Lilly fungou novamente e fez Sam recobrar a consciência e focar em sair do maldito lugar.

- Onde estava? Não o vi durante o velório. – comentou Lilly a Elliot. O rapaz se voltou para a amiga com um simples olhar.

- Estava cuidando de umas coisas não resolvidas. – respondeu Elliot. Ele cerrou o cenho e fitou a cova, pensativo. – Acho que também não fui capaz de ver Sarah pela última vez.

O último comentário de Elliot fez Lilly chorar um pouco mais alto, fazendo Samantha se assustar.

- Eles não abriram o caixão. – choramingou Lilly. O coração de Samantha apertou.

- Talvez... Fosse melhor assim. – admitiu o rapaz. Ele enfiou as mãos dentro do bolso da calça e ergueu o olhar para Samantha, fazendo-a surpreender por ter sido pega olhando-o. – Não acha melhor irmos?

Samantha não sabia para quem ele havia se dirigido, mas Lilly o respondeu:

- Vou ficar um pouco mais, para me despedir.

As palavras da amiga soaram melancólicas. E Sam lembrou-se do sonho turbulento com Sarah e Melanie. Havia parecido tão real, pensou a garota. Elliot concordou e se retirou. Lilly prosseguiu com a choradeira e em alguns momentos assoava o nariz no lenço dado por Elliot. Aquilo permaneceu por um longo momento até não sobrar mais ninguém pelo cemitério. Ainda havia os pais de Sarah, que começaram a se dirigir para fora com a filha mais nova seguindo-os. A mãe de Samantha indicou com a cabeça que eles também estavam indo. A garota apenas balançou a cabeça e indicou Lilly ao seu lado, a mãe pareceu concordar silenciosamente. Thomas já havia saído junto da mãe. E Noah estava parado, aguardando as meninas se retirarem. E isso era um problema que a garota precisava resolver.

Por um momento nada aconteceu, até Lilly soluçar, fazendo Sam sobressaltar novamente.

- Eu acho... Acho que ele gostava um pouco dela. – disse Lilly. Samantha não compreendeu as palavras da amiga. – Mas acho que ele gostava um pouquinho de cada uma de nós, sabe.

- De quem você está falando? – indagou Sam, confusa. A amiga ergueu as sobrancelhas, como se estivesse sendo obvia.

- De Elliot.

A simples resposta atingiu Samantha desconfortavelmente. Elliot? Gostava de quem?

- Ainda não compreendo. – a resposta de Sam deixou Lilly impaciente.

- Acho que Elliot sempre gostou de nós. – continuou Lilly. Mas quem seria ''nós''?, pensou Samantha. – De Sarah, Charlotte, Olivia e Melanie. Não só como amigo. Acho que ele teve uma quedinha por cada uma de nós. Até por você, Samantha.

Samantha piscou várias vezes tentando compreender as palavras da amiga e com um baque de realidade uma luz acendeu na mente da garota.

- Sarah me disse que ele tinha a beijado. – murmurou a amiga, dramaticamente. – Ela ficou tão aterrorizada que deu uma tapa no rosto dele.

Lilly riu com a lembrança. Samantha empertigou-se.

- Mas você acha isso normal? - indagou Sam. Lilly deu de ombros.

- Ele não fez isso apenas com ela. – disse a garota. – Elliot também já me beijou.

- Quando?! – perguntou urgentemente a Lilly.

- No inicio do verão, mas não foi nada sério. Eu estava bêbada e não levei a sério, e ele entendeu. – respondeu Lilly, assoando o nariz.

Samantha procurou o olhar de Noah, que estava parado impaciente perto da lápide observando as duas garotas. O detetive parecia querer sair daquele lugar rapidamente.

- E por quê não me disse isso antes? – afligiu-se Samantha. Lilly olhou-a irritada.

- Não foi nada sério, Samantha. Não entendo sua preocupação. – o mau humor da amiga piorou e ela virou para ir embora. – Acho melhor irmos, seus pais devem estar preocupados com você.

Samantha não queria ir. Na verdade, parecia que ela havia encontrado uma peça do quebra-cabeça que faltava, a peça que na verdade fazia o jogo começar.

- Não posso ir agora. – disse a garota. – Diga aos meus pais que preciso resolver uma coisa agora e que vou para a casa.

Lilly estava prestes a responder quando alguém interveio.

- Eu estou esperando vocês para irmos para a casa dos pais de Sarah. Podemos ir logo? – indagou ofensivamente Elliot. Sam encolheu-se na presença do rapaz.

- Eu vou com você. – disse Lilly a Elliot. Samantha queria dizer para Lilly não ir, mas com Elliot ali piorava a situação. – Samantha vai ficar mais um pouco.

Elliot deu de ombros. Samantha finalmente olhou para o rapaz e viu-o observando atentamente, de uma forma quase doentia. Ela sentiu a ânsia tomar conta dela novamente, mas conseguiu contê-la. Os dois saíram e deixou-a sós com Noah.

O coração da garota bateu com mais força contra suas costelas e virou-se dando de cara com o detetive. De perto a situação do rosto dele parecia pior, mas os olhos castanhos pareciam docilmente gentis.

- Acho que você devia ir com seus amigos. – disse Noah. A palavra ''amigos'' incomodou a garota.

- Eu não vou. – retrucou a garota. – Tenho que resolver algumas coisas.

Noah pareceu divertir-se com as palavras de Sam.

- Eu acho que você não tem muita escolha. Vamos. – ao dizer a última palavra, segurou o braço de Sam e começou a puxá-la de longe da cova.

Samantha puxou o braço com força. O movimento brusco quase a fez cair, mas conseguiu permanecer de pé. Noah pareceu irritado.

- Samantha, não piore as coisas.

Piorar? Naquele momento o que estava passando na mente da garota parecia um filme e o resultado final daquela história poderia acontecer a qualquer momento. Na verdade, o suposto culpado havia acabado de sair do cemitério. Sam quis gritar com Noah, mas ele não merecia a raiva dela naquele momento.

- Noah, eu preciso fazer algo. – o tom de voz suplicante deteve Noah de segura-la novamente. – Eu preciso ir.

- Não posso deixá-la ir. – negou Noah.

- Você precisa confiar em mim. – o ar parecia fugir dos pulmões de Sam, cada palavra doía ao ser dita. – Eu sei quem é o assassino, mas antes preciso ter certeza.

- Sabe? – questionou Noah, ironicamente. – Então, por que não me diz?

Samantha engasgou-se nas próprias palavras. O que deveria dizer?

- Porque não tenho certeza.

Dessa vez Noah riu. Riu com total divertimento.

- Bom, acho que nós dois estamos no mesmo barco. – disse ele. – E devemos pegar esse maldito barco e sair deste cemitério.

A raiva ficou visível em seus olhos. Todos os sentimentos estavam expostos no rosto machucado e antes gentil de Noah. Sam ficou com medo.

- Por favor, eu vou lhe dizer quem é, mas preciso ter certeza. – suplicou a garota. Noah hesitou e pareceu ponderar.

- E para onde pretende ir? Vai fugir com seu amante? – havia amargura nas palavras de Noah. Samantha decidiu ignorar a última pergunta.

- Eu só preciso sair daqui. Deixe-me ir. – de alguma forma Sam sentia que não deveria ficar mais um segundo naquele lugar e ir diretamente para casa. – E fique de olho em Lilly e Elliot.

Dizer tais palavras machucaram a garota, mas conseguiu ficar firme.

- Vou entrar em contato com você assim que tiver a certeza. – prosseguiu Samantha. Noah estava travando uma luta com o próprio consciente e depois de um longo tempo concordou. – Muito obrigada, Noah.

- Apesar de tudo, ainda confio em você. – as palavras do detetive pegaram os sentimentos de Samantha desprevenidos. Um doce ardor percorreu o estômago da garota, como se o aprovasse.

O detetive Noah se afastou e deixou Samantha a sós com os próprios pensamentos e uma cova aberta. A garota pensou com toda a força que tinha. Elliot? Seria Elliot o assassino? Depois de todo aquele tempo a pessoa culpada estava bem ao seu lado? Era muita obviedade, mas ao mesmo tempo contrariava tudo. Elliot fora sempre seu amigo e o que havia mudado? Apenas um beijo seria motivo o suficiente para suspeitar dele? Muitas perguntas, e nenhuma resposta.

Samantha começou a passar pelos arbustos do outro lado do cemitério e conseguiu encontrar o muro. Ela poderia pulá-lo com facilidade, mas por estar de vestido complicaria um pouco as coisas. Se saísse pela frente os pais a veriam e impediriam-na de fazer qualquer coisa. Pular o muro era a melhor opção. Com muito esforço e arranhões conseguiu cair do outro lado, o chão a acolheu com um belo machucado no joelho. Samantha ignorou a dor e começou a correr diretamente para casa por caminhos onde não encontraria com ninguém.

Depois de ter corrido e perdido o fôlego por varias quadras se viu parada em frente à própria casa. Sam não hesitou e correu para a entrada e levantou o vaso de flor que escondia a chave reserva da porta. Samantha abriu a porta e começou a ir para a escada, mas chutou algo pelo percurso. O objeto girou e bateu na parede. A garota foi até o objeto quadrado envolvido por papel marrom. Não havia nenhum nome endereçado, mas Samantha sabia que aquilo era para ela. Ela abriu o pacote e viu uma fita de vídeo cassete dentro. Também não havia nome algum escrito. Sam prendeu a respiração e olhou para o teto. Só havia um lugar onde poderia ver o conteúdo da fita.

A garota subiu os degraus da escada rapidamente e atravessou o corredor enquanto segurava firmemente a fita de vídeo cassete entre os dedos. Todo o ar escapava dos pulmões dela e a fazia respirar com dificuldade. Samantha não sabia o que esperar do conteúdo da fita, ela temia o pior, mas mesmo assim não hesitou em abrir a entrada do sótão.

O cheiro de poeira e mofo invadiu as narinas de Sam, que tossiu com dificuldade. Ela subiu as escadas e observou o sótão. Nada havia mudado desde a última vez que estivera ali, o que não era muito tempo. Deu algumas passadas até se ver em frente da pequena televisão e o vídeo cassete empoeirados. Samantha desembrulhou a fita e a encarou por alguns segundos. O que estivesse ali poderia mudar muita coisa, pensou a garota, e talvez pudesse ajuda-lá a descobrir a identidade do assassino. A ideia de ser Elliot a incomodava consideravelmente.

Samantha ligou a televisão, a tela iluminou o ambiente escuro, e enfiou a fita no vídeo cassete. O tempo passou e nada aconteceu. Foi quase estranho que nada tivesse acontecido, até a garota começar a ouvir uma respiração que não vinha dela. A pessoa que respirava parecia sufocar silenciosamente, não passava de um estrangulado suspiro. O som parou e uma respiração áspera retomou, com muita dificuldade. Então a imagem surgiu. Demorou um pouco até Samantha reconhecer os olhos verdes vidrados na tela da televisão. A pessoa que filmava afastou a câmera e mostrou a vítima perfeitamente. O rosto de Melanie Baker brilhava, o suor escorrendo pelo rosto pálido, ainda com vida.

Samantha deixou-se cair no sofá, as pernas trêmulas incapazes de mantê-la em pé. Era estranho ver Melanie depois de todo aquele tempo, a garota ainda estava viva na filmagem, mas por pouco tempo. A fita continuou a rodar e Sam começou a compreender o que passava. O assassino estava mostrando a morte da melhor amiga da garota. Ele envolveu a corda no pescoço da garota e riu baixinho quando Melanie tentou soltar-se do aperto dele, mas ela estava amarrada e parecia impossibilitada de emitir qualquer ruído.

O assassino puxou a corda com mais força e o corpo da garota se debateu. Melanie tentou fazer algum movimento, mas os braços estavam presos acima da cabeça. Ela estava completamente nua, como Samantha havia a encontrado. Ele continuou puxando, a garota se estrangulando silenciosamente, o corpo convulsionando no chão. Os olhos vividos estavam arregalados, cheios de dor e desespero. Os lábios roxos da garota tentavam conseguir ar, até que aos poucos a vida se extinguiu do corpo esguio e pálido de Melanie. Logo após um segundo desde a morte da garota ouviu apenas silêncio e permaneceu assim. A pessoa que havia matado-a não emitiu nem um riso ou choro, apenas pareceu observá-la por um momento antes de desligar a câmera.

Então foi assim que Melanie havia sido morta, pensou Sam. Ele havia enforcado-a primeiro e depois machucado todo o corpo da garota e costurados os olhos dela. A mente doentia do assassino não tinha parado por ali. Subitamente a tela escura ganhou luz e um som alto de música começou a tocar, assustando Samantha. Apesar de o som estar abafado no lugar, dava para ouvir perfeitamente as pessoas no lado de fora onde ocorria a festa. Olivia Carter poderia parecer entediada na maioria das festas, mas Samantha podia ver o medo nos olhos claros da garota quando a câmera começou a filmar.

A jovem garota tinha a boca amordaçada e uma parte do corpo submerso na banheira, os pulsos igualmente amarrados como os de Melanie. Samantha conseguiu ver uma mão enluvada segurando o pescoço de Olivia e a empurrando para o fundo da banheira. Bolhas de ar surgiram na superfície enquanto a garota afogava-se. Durou um longo momento até ela parar de respirar. Ao ver o rosto de Olivia na tela de televisão, ela poderia aparentar estar viva. O assassino segurou uma lâmina e cortou as amarras do corpo de Olivia. Depois passou a lâmina pelo antebraço da garota, cortando sua pele. A cena causou um arrepio no corpo de Samantha, que desviou os olhos da cena. Alguns segundos depois a tela ficou escura novamente.

O filme prosseguiu, começando com um sonoro ''Shh.'' O local onde estava sendo gravado era escuro, mas também emitia o som de música ao fundo. O assassino filmava a pequena Charlotte. O semblante dela estava sereno e segurava um copo de bebida alcoólica e uma quantidade absurda de comprimidos em cada mão. 

- Você vai vir logo em seguida? – ela engoliu todos os comprimidos de uma vez e tomou a bebida.

- Não, eu não sou seu Romeu, Julieta. – disse uma voz rouca. Samantha sobressaltou-se. Era a primeira vez que o assassino dizia algo. E por incrível que parecesse, ela conhecia aquela voz. Uma ânsia pungente subiu pela garganta da garota. Sam correu para a pequena janela e abriu rapidamente, deixando todo o conteúdo de seu estômago sair. – Shh.

Shh. Ele repetiu varias vezes. O assassino começou a cantarolar uma música. Samantha voltou-se para o sofá, as pernas ainda fracas, e continuou a ver o desenrolar do filme. Novamente uma mão coberta por uma luva surgiu e estava segurando um lenço. Ele pressionou o lenço contra o nariz e boca da garota, impedindo-a de respirar e fazendo-a apagar. 

- Assim está melhor. – Samantha ouviu a voz rouca dizer enquanto a tela ficava escura.

O último vídeo começou. Sam reconheceu Sarah instantaneamente. Ela não chorava. Mesmo prestes a morrer, Sarah King não chorava. Mesmo com o olhar assustado, ela tentava manter-se firme. O assassino riu, divertido, mas ao falar parecia com raiva.

- Você não podia ficar calada, não é?

Sarah não respondeu, obviamente aterrorizada. Ela tentou respirar, mas ele apertou a faca contra o pescoço da garota.

- Você não é tão boa como pensa que é. – ele riu novamente. – Agora vou ter que matá-la. Aaah, se tivesse ficado calada, tudo seria muito melhor para nós dois.

Mas ele não parecia ter em mente algo melhor. Quando Sarah parecia prestes a dizer algo, ele acertou a cabeça dela com o cabo da faca. O ato a assustou mais do que desestabilizou. No instante seguinte ele acertou a cabeça da garota varias vezes com o cabo da faca. De onde ele conseguia aquela força, Samantha não fazia ideia. Sarah caiu no chão, uma poça de sangue começou a se forma em volta da garota. Ele puxou o braço mole da garota e começou a arrastá-la para o lugar mais escuro do ambiente. Deixou-a no lugar cuidadosamente.

- Aqui é um ótimo lugar para encontrá-la. – o assassino saiu de perto do corpo de Sarah e foi até a porta. Com a mão enluvada e limpa abriu a porta e saiu para o dia frio. A neve surgiu e a casa de Samantha estava visível no fundo. – Feliz Natal.

A tela ficou escura e não houve mais nada depois disso.

O silêncio poderia ser deliciado depois de um bom filme, mas o momento não devia ser apreciado. O cheiro de sangue surgiu na memória de Sam e todos as ocasiões em que encontrara o corpo de cada uma de suas amigas também. O contato da pele fria de Melanie em seus dedos parecia recente e não algo que aconteceu há seis meses. E o cheiro metálico do sangue de Sarah nas roupas de Sam parecia distante, mesmo tendo passado poucos dias desde a morte da garota. O passado poderia ser esquecido, mas em momentos como aquele era doloroso e recente. Como uma ferida aberta que se recusava a cicatrizar. Mas uma ferida não podia se recusar a nada, mas a pessoa com esta ferida poderia não querer esquecer.

E foi isso que Samantha fez nos últimos meses. Todas as mortes permaneciam frustradamente na mente da garota, transformando a própria vida e de outras pessoas um inferno. Mas só uma pessoa era culpada pelo inferno causada na vida de Samantha e todas as pessoas atingidas pelos assassinatos.

Subitamente o telefone da garota tocou, assustando-a. O silêncio não existia mais. Samantha pegou o celular e fitou o visor. O nome de Lilly brilhava na tela. A garota hesitou enquanto o nome piscava repetidas vezes, até finalmente atender.

Ouviu a respiração de alguém do outro lado da linha. Sam decidiu nada dizer, enquanto aguardava alguma resposta do outro lado da linha.

- Sam? – chamou Lilly, fracamente. Samantha sentiu-se aliviada ao ouvir a voz da amiga. – Você está aí?

- Sim. – respondeu a garota, urgentemente. – Onde você está, Lilly? Lilly?!

Samantha chamou pela amiga repetidas vezes, mas não recebeu nenhuma resposta. Alguns segundos agitados passaram até ouvir uma risada melodiosa do outro lado da linha. A garganta da garota pareceu fechar e o ar definitivamente não estava entrando em seus pulmões.

- Ela está comigo. – disse ele. Samantha tentou levantar-se inutilmente do sofá. – Estamos nos divertindo um pouco. Não é, Lilly?

Lilly gritou em resposta. Samantha desequilibrou-se na tentativa de levantar do sofá novamente, e bateu a bochecha direita na quina do sofá. Uma dor latejante espalhou pelo rosto da garota enquanto tentava erguer-se com dificuldade. Sam arrastou-se e pegou o celular, colocando de volta a orelha.

- Samantha? – chamou a ela. Ele parecia furioso.

- O que v... O que você quer? – gaguejou Sam.

- Você. – respondeu ele, divertidamente. – E o seu silêncio.

- O que devo fazer? – Samantha sabia que não tinha opções. O assassino estava com Lilly, e ele a queria. Fim. Tudo seria resolvido e mais ninguém iria ser machucado, mas se ela tivesse alguma oportunidade de salvar Lilly, tentaria.

- Quero que venha até mim. – o assassino explicou sua localidade detalhadamente. – E venha sozinha, pois se trazer alguém, vai ser muito pior para a sua amiga.

''Sua amiga.'' Samantha trincou os dentes, sentindo a ânsia novamente a percorrendo.

- E o que você quer de mim? – indagou a garota, tolamente. Ele demorou um longo tempo antes de responder.

- Quero que pague pelos seus pecados. 

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