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Fiquei chocada com a revelação, eu realmente não estava esperando por isso.
Eu havia notado essa semelhança no momento em que olhei para ele, mas nunca pensei que fossem irmãos.
Pensei que talvez estivesse ficando louca.
O destino acabou de pregar uma peça daquelas.
Precisei me afastar um pouco dele pra processar essa ideia.
Caleb nunca me contou que tinha um irmão, ainda mais gêmeo.
-- Ella, você tá bem?
-- Sim, eu só estou um pouco surpresa
-- Conheceu ele?
E como.
Balancei a cabeça positivamente, e Diego apenas suspirou pesadamente.
-- Mas é uma longa história - Abaixei a cabeça atordoada.
As imagens de Caleb começaram a se agrupar na minha cabeça, e quando olhei para Diego, ainda não conseguia acreditar.
Como isso é possível, irmãos tão diferentes.
Caleb era mais alto, e os seus cabelos eram mais volumosos e compridos, e ele tinha um olhar penetrante e implacável.
Enquanto os olhos de Diego conseguem ser ainda mais azuis, e ele tem um sorriso encantador.
Uma lágrima de desesperança saltou dos meus olhos.
E se Diego for como ele.
Afinal compartilham do mesmo gene.
Ele levantou o meu rosto e encarou meus olhos profundamente.
-- Ei, isso não muda nada entre a gente, continuo te amando da mesma forma.
Sorri entre lágrimas e em seguida eu o abracei.
-- É muito bom ouvir isso - Soltei aliviada.
-- Tenho certeza que ele te machucou, mas eu não sou como ele, eu jamais faria isso.
Apoiei a minha cabeça em seu peito e pude escutar as batidas aceleradas do seu coração.
-- Um dia eu vou te contar tudo, eu prometo - Afundei a cabeça em seu peito.
Diego ficou em silêncio por alguns minutos, enquanto eu me perdia no calor do seu corpo e na maciez de sua pele.
Eles podem ser irmãos, mas a energia que Diego transmite é totalmente diferente, é surreal.
Sinto que posso confiar nele.
-- Minha mãe era uma viciada com dois filhos pequenos pra cuidar sem a menor estrutura financeira - Sua voz grave vibrou em seu peito - O pouco de dinheiro que entrava em casa era para manter os vícios dela, e raramente sobrava pra gente poder comer...
.....
Tinhamos que conviver em um ambiente hostil, onde vivia entrando homens desconhecidos o tempo todo.
Caleb e eu éramos duas crianças carentes de cuidados maternos e só tínhamos um ao outro, a gente não ia para escola, e éramos obrigados a pedir esmolas na rua como se fossemos mendigos, não tínhamos roupas, nem sapatos, e isso facilitava para que as pessoas sentissem pena da gente.
E quando a gente chegava em casa sem nada, ela nos batia e queimava nossas peles com bitucas de cigarro, e permitia que os seus parceiros fizessem o mesmo, mas tinha um desses parceiros dela que fingia se importar com a gente, ele não nos maltratava, mas tinha umas atitudes suspeitas como chamar a gente pra vê-lo tomar banho, eu nunca ia, mas Caleb sim.
Um dia específico, eu acordei ao som de gritos, e notei que Caleb não estava na cama, então levantei e caminhei sorrateiro pelo corredor, e notei que os gritos vinham de um dos quartos. Comecei a ofegar, mesmo sem saber do que se tratava, e assim que a porta se abriu, eu corri e me escondi debaixo da cama e acabei adormecendo ali mesmo.
Depois desse acontecimento, o meu irmão nunca mais foi o mesmo.
As coisas melhoraram pra gente depois que nossa mãe mudou de casa após os vizinhos denunciarem a quantidade de homens que viviam entrando lá.
A gente passou a ir para escola, e até para a igreja onde o pastor disse que havia um espírito maligno habitando no corpo do meu irmão.
Eu acreditei nisso porque depois daquele fatídico dia, Caleb passou a ter pesadelos estranhos, ele começava a tremer e seus olhos ficavam brancos, seus dedos se atrofiavam, aquilo era assustador.
-- Mamãe, posso dormir com você? Estou com medo - Falei
-- Por acaso sabe que horas são? Vai dormir antes que eu te arrebento...
Meu irmão sequer foi levado ao médico, ou ao psicólogo, eu entendia que tinha algo errado com ele, mas não sabia o que era.
Ele passou a desmaiar com frequência e fazia xixi na cama toda vez que tinha os tais pesadelos.
E minha mãe só sabia puni-lo da pior forma.
-- Esse moleque só pode estar possuído, vou ter que chamar um padre pra exorcizar...
Ela ria.
Não demorou muito para a beleza da minha mãe começar a chamar atenção dos homens dessa cidade também, e um deles em especial, chamado Jack, acabou se apaixonando por ela, e passou a morar lá com a gente, mas esse era diferente, ele era gentil e educado, não nos maltratava como os outros, mas também não tinha aquelas atitudes estranhas, ele comprava salgadinhos e bolachas o tempo todo, e levava a gente para o cinema, mas o problema começou quando ele passou a direcionar sua atenção para mim, e por algum motivo que desconheço, isso enfureceu o meu irmão.
Caleb se tornou muito agressivo e passou a me atacar diretamente.
Mas ele não só me batia, como também tentava tirar a minha roupa pra cometer algum tipo de violência, mas eu nunca permiti isso.
.....
-- Ei, sai de cima dele, o que pensa que está fazendo? - Disse Jack tirando Caleb de cima de mim.
Ele o encarou furioso, o que foi o suficiente para Caleb não avançar.
Em seguida ele veio até mim e me vestiu.
Eu estava só de cueca, e isso me deixou constrangido.
Depois ele estendeu a mão, mas eu hesitei por um momento.
-- Você está bem amigão? - Ele perguntou.
Lembro daquele rosto grande, com cabelos dourados e olhos verdes direcionados pra mim.
Ele tinha um bigode fino que chamava bastante atenção.
Era o tipo de homem que minha mãe gostava, quanto mais pêlos no rosto melhor.
Balancei a cabeça que sim, mas um líquido grosso escorria pelo meu nariz.
Ele me pegou no colo e eu senti que estava seguro, eu gostava dele, ele era legal, ele não batia na minha mãe, era o homem perfeito pra ela.
Eu estava no quarto me recuperando enquanto o ouvia discutindo feio com minha mãe sobre a conduta errante do meu irmão.
Quando vi que no meio dessa discussão, minha mãe pegou uma faca e o esfaqueou covardemente.
Seu corpo caiu pesadamente no chão, Caleb se aproximou dele e o assistiu agonizar sem a menor emoção e depois olhou pra mim.
Assustado, corri para fechar a porta, e lembro que o meu coração batia acelerado, e as minhas pernas tremiam muito.
Comecei a ofegar novamente, e depois de ouvir passos e batidas na porta, me escondi embaixo da cama.
A vida continuou após esse terrível acontecimento, Caleb com suas crises noturnas e minha mãe fingindo que nada tinha acontecido.
Mas felizmente os ataques contra mim pararam, desde que eu ficasse de boca fechada.
Um dia, eu estava rondando um restaurante procurando um jeito de entrar lá pra roubar comida, quando uma mulher elegante se aproximou.
Seus cabelos me lembravam talos de macarrão enrolado.
Ela se sensibilizou com a minha aparência e perguntou onde eu morava, antes da gente ir até lá ela me pagou a melhor refeição que já comi na vida.
Quando chegamos em casa, só tinha a minha mãe, procurei pelo meu irmão pelos cômodos mas não o encontrei.
As duas conversaram entre elas e entraram em um acordo.
Aquela mulher seria a minha nova mãe, em troca de uma boa quantia de dinheiro.
É claro que eu odiei a ideia, apesar de tudo, eu amava a minha mãe e não queria me separar dela.
Mas já tava feito, no outro dia eu iria para uma nova família.
Então pensei:
Pelo menos eu vou comer todos dias.
Fui dormir com a imagem daquela mulher na cabeça, era evidente que ela
ficou muito feliz em saber que teria um filho.
Mas fui acordado no meio da noite com
socos e chutes, e minha única reação foi colocar as mãos sobre o rosto pra protegê-lo.
Mas logo senti que estava apagando, adormeci com a imagem de Caleb me encarando com um misto de medo e raiva.
Como se não tivesse escolha, a não ser fazer aquilo.
Enquanto eu recobrava a consciência aos poucos, pude pegar uma parte da conversa que a mulher estava tendo com a minha mãe.
-- Desculpe, eu nem perguntei o seu
nome.
-- Caleb.
Pelo tom de voz do meu irmão, ele tava nervoso.
-- Que nome bonito, como você meu anjo.
Eu estava lutando pra manter os olhos abertos, mas as vezes eu apagava e acordava em outro momento da conversa.
-- Está tudo certo aí? - A mulher perguntou.
Teve um breve silêncio, com certeza a minha mãe estava contando as notas, ela sempre fazia isso quando a gente chegava em casa com dinheiro.
-- Tem até mais do que o prometido, espero que cuide bem do meu garoto.
-- Claro, ele terá uma vida digna de um rei, pode confiar.
Balbuciei dentro do quarto, mas nada
além de gemidos saíram da minha boca.
Eu não importava que aquela mulher
tinha levado o meu irmão ao invés de
mim, naquele momento eu só não queria morrer.
Assim que ela foi embora, me esforcei para gritar pela a única pessoa que eu pensei que me tiraria daquela agonia.
-- Mamãe, mamãe, por favor me ajude - Berrei.
Comecei a tossir sangue.
Minha mãe entrou no quarto às pressas e foi a primeira vez que vi preocupação em seus olhos.
Eu era bastante magro, e falta de
alimentação não ajudava muito.
Mas facilitou para que a minha mãe me carregasse no colo.
A princípio pensei que ela estava me levando para o hospital, porque ficava próximo da nossa casa, mas só havia mato ao nosso redor.
-- Mamãe, pra onde está me levando?
-- Para o hospital, não se preocupe. - Ela disse agitada - Só peguei um atalho, você está muito machucado, e as pessoas podem pensar besteira.
-- Você vai ficar lá comigo.
-- Sim.
-- Promete?
Uma de suas lágrimas pingou sobre o meu rosto.
-- Prometo - Sussurrou.
Por um instante as suas palavras me tranquilizaram, e eu fechei os olhos e adormeci com a esperança de que quando eu acordasse, ela estaria lá comigo.
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