58
Aos poucos a areia movediça foi deixando o meu corpo, e eu já podia sentir o ar adentrando os meus pulmões me trazendo de volta a vida.
Soltei um suspiro profundo.
Eu estava na mesma praia linda de antes, embelezada pelo lindo azul do mar e o verde dos pés de coqueiros em volta.
Levantei do chão e olhei ao redor, avistando a casa com a linda varanda e uma única cadeira voltada para o horizonte.
Mas não deixei de reparar que o mesmo homem estava lá, inerte, com o seus chamativos óculos escuros.
Comecei andar até um pouco receosa.
Conforme eu me aproximava, via que aquele homem estava cada vez mais distante da fisionomia de Caleb.
O seu rosto tinha traços mais maduros, e os seus lábios estavam um pouco ressecados, sem contar que ele estava todo encharcado como se tivesse acabado de sair do mar.
Ele levou a mão até o rosto e arrancou os óculos escuros, depois se virou na minha direção, revelando seu olhar profundamente castanho.
—– Oi, bonequinha.
Comecei a ofegar.
Ele se levantou da cadeira e se posicionou na minha frente.
Me senti pequena diante da sua grandeza masculina, que por si só, roubava a luz do sol, fazendo com que eu sentisse frio.
Eu não conseguia sequer me mover, os meus olhos ficaram vidrados no seus. E eu estava completamente apavorada, e mesmo se eu conseguisse correr eu sabia que ele me alcançaria.
Uma lágrima rolou pelo canto do meu olho.
Quando ele avançou na minha direção, eu fechei os olhos e logo depois abrir despertando assim desse pesadelo terrível.
Meu coração batia tão rápido que me causava mal estar, e eu sentia uma vontade imensa de chorar, uma sensação horripilante que não deixava meu corpo.
Mas eu estava na casa da minha mãe agora, e não podia demonstrar nenhum sinal de loucura ou ela provavelmente vai me internar em um daqueles lugares que dão choque na cabeça.
Tudo, menos isso.
Desci para cozinha e encontrei todos lá com a alegria estampada em seus rostos.
Fiquei parada na porta pensando se valia a pena estragar a felicidade deles. Minha mãe não sorria assim há anos.
Direcionei os olhos para o filhos deles que agora olhando bem, me parece que tem uns dois anos.
Como ele é lindo.
—– Filha — Minha mãe chamou, me fazendo voltar a atenção pra ela — Tá fazendo o que aí, vem pra cá, eu fiz o sua torta favorita
Forcei um sorriso simpático pra ela, depois me aproximei.
Richard se apressou e colocou outro prato na mesa. Olhei pra ele e sorri fraco em agradecimento.
Ele estava bem elegante e isso me fez lembrar de Caleb das inúmeras vezes que ajeitei sua gravata para ele ir trabalhar.
E Richard estava exatamente com a gravata solta, e eu tive que conter o impulso de não tentar ajeitá-la.
—– Deixa eu arrumar isso pra você querido - Minha mãe se adiantou.
—– Está bem — Richard respondeu levantando um pouco o pescoço para facilitar o processo.
—– Pronto — Ela disse, e depois deu um selinho nele.
Se eu dissesse que não fiquei mal por isso, eu estaria mentindo.
A colher tremia na minha mão á pouco centímetros da torta de maçã que a minha mãe havia preparado especialmente para mim, enquanto eu fitava o canto da janela sem nem piscar.
Lá estavam eles, todo os três monstros que vivem assombrando a minha cabeça, de um lado estava Vicent, como eu prefiro me referir a ele, com seus lindos cabelos dourados e seus olhos em chamas, ele estava lindo vestido de branco da cabeça aos pés, parecia mais um anjo. Do outro lado estava Caleb com sua beleza fatal e inconfundível, seus olhos brilhavam tanto, que era impossível ficar olhando para eles por muito tempo. Pareciam duas safiras azuis e reluzentes. E bem no meio, no centro de tudo, estava o meu pai, o único que estava sorrindo, e que fazia meu coração acelerar. Em um certo momento ele começou a gargalhar alto e isso me fez remexer na cadeira incomodada.
Os meus lábios começaram a tremer e logo meus olhos inundaram.
Ele estava zombando de mim, e isso era tão humilhante.
Minha mãe estava na minha frente, virou o rosto subitamente para trás e depois me olhou confusa.
—– O que foi meu amor? não tem nada lá
Desviei o olhar para ela, deixando a imagem dos três, desfocada.
—– Com licença, eu preciso ir ao banheiro — Arrastei a cadeira pra trás e me levantei, saindo dali às pressas.
Corri escada acima e me tranquei no banheiro, e antes mesmo de alcançar o vaso, eu vomitei.
Meu vômito jorrou por todo o banheiro.
Fui até a pia e joguei água no rosto e em seguida me olhei no espelho.
—– Não vou deixar vocês ferrarem a minha cabeça — Falei sozinha — Vocês estão todos mortos e enterrados.
Apoiei as mãos na pia e abaixei a cabeça, procurando respirar fundo e manter a calma.
Não é real
—– Eu não estou louca, não estou — Repeti para mim mesma várias vezes.
—– Deveria ter me deixado te matar, quando teve chance, melhor do que viver esse inferno — Uma voz familiar soou atrás de mim.
Me virei rapidamente, mas para a minha total surpresa, não havia ninguém.
—– Deus, se você existe mesmo, por favor, mande para o inferno esses espíritos ruins que me assombram — Fechei os olhos — Eu sei que eu não mereço, pois sempre fui uma filha rebelde que a vida toda se recusou a ir a igreja, mas eu te peço que ...
Uma batida repentina na porta me Interrompeu.
—– Filha, você está bem? — Minha mãe perguntou com uma voz abafada do outro lado.
Respirei fundo antes de responder.
—– Estou.
—– Tem certeza? — Modificou a voz
—– Sim.
—– Então, abra a porta... bonequinha
No mesmo instante que ela disse isso, a maçaneta da porta começou a se mexer rapidamente, fazendo o meu coração acelerar novamente.
Me afastei da porta sentindo o meu corpo gelar.
De repente, as paredes do banheiro foram se aproximando de mim como se fossem me esmagar.
Entrei em pânico. Eu não conseguia respirar.
—– Mãe!
Gritei, mas a minha voz não saiu, pois eu tinha a sensação que as mãos de alguém estavam apertando a minha garganta.
Era agonizante e desesperador.
Parecia que ia morrer naquele momento.
Senti o meu corpo sendo esmagado, e eu pude ouvir claramente o som dos ossos se quebrando.
Suspirei uma última vez, e logo depois apaguei.
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