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Aos poucos a areia movediça foi deixando o meu corpo, e eu já podia sentir o ar adentrando os meus pulmões me trazendo de volta a vida.

Soltei um suspiro profundo.

Eu estava na mesma praia linda de antes, embelezada pelo lindo azul do mar e o verde dos pés de coqueiros em volta.

Levantei do chão e olhei ao redor,  avistando a casa com a linda varanda e uma única cadeira voltada para o horizonte.


Mas não deixei de reparar que o mesmo homem estava lá, inerte, com o seus chamativos óculos escuros.

Comecei andar até um pouco receosa.

Conforme eu me aproximava, via que aquele homem estava cada vez mais distante da fisionomia de Caleb.

O seu rosto tinha traços mais maduros, e os seus lábios estavam um pouco ressecados, sem contar que ele estava todo encharcado como se tivesse acabado de sair do mar.

Ele levou a mão até o rosto e arrancou os óculos escuros, depois se virou na minha direção, revelando seu olhar profundamente castanho.

—– Oi, bonequinha.

Comecei a ofegar.

Ele se levantou da cadeira e se posicionou na minha frente.

Me senti pequena diante da sua grandeza masculina, que por si só, roubava a luz do sol, fazendo com que eu sentisse frio.

Eu não conseguia sequer me mover, os meus olhos ficaram vidrados no seus. E eu estava completamente apavorada, e mesmo se eu conseguisse correr eu sabia que ele me alcançaria.

Uma lágrima rolou pelo canto do meu olho.

Quando ele avançou na minha direção, eu fechei os olhos e logo depois abrir despertando assim desse pesadelo terrível.

Meu coração batia tão rápido que me causava mal estar, e eu sentia uma vontade imensa de chorar, uma sensação horripilante que não deixava meu corpo.

Mas eu estava na casa da minha mãe agora, e não podia demonstrar nenhum sinal de loucura ou ela provavelmente vai me internar em um daqueles lugares que dão choque na cabeça.

Tudo, menos isso.

Desci para cozinha e encontrei todos lá com a alegria estampada em seus rostos.

Fiquei parada na porta pensando se valia a pena estragar a felicidade deles. Minha mãe não sorria assim há anos.

Direcionei os olhos para o filhos deles que agora olhando bem, me parece que tem uns dois anos.

Como ele é lindo.

—– Filha  — Minha mãe chamou, me fazendo voltar a atenção pra ela — Tá fazendo o que aí, vem pra cá, eu fiz o  sua torta favorita

Forcei um sorriso simpático pra ela, depois me aproximei.

Richard se apressou e colocou outro prato na mesa. Olhei pra ele e sorri fraco em agradecimento.

Ele estava bem elegante e isso me fez lembrar de Caleb das inúmeras vezes que ajeitei sua gravata para ele ir trabalhar.

E Richard estava exatamente com a gravata solta, e eu tive que conter o impulso de não tentar ajeitá-la.

—– Deixa eu arrumar isso pra você querido - Minha mãe se adiantou.

—– Está bem — Richard respondeu levantando um pouco o pescoço para facilitar o processo.

—– Pronto — Ela disse, e depois deu um selinho nele.

Se eu dissesse que não fiquei mal por isso, eu estaria mentindo.

A colher tremia na minha mão á pouco centímetros da torta de maçã que a minha mãe havia preparado especialmente para mim, enquanto eu fitava o canto da janela sem nem piscar.

Lá estavam eles, todo os três monstros que vivem assombrando a minha cabeça, de um lado estava Vicent, como eu prefiro me referir a ele, com seus lindos cabelos dourados e seus olhos em chamas, ele estava lindo vestido  de branco da cabeça aos pés, parecia mais um anjo. Do outro lado estava Caleb com sua beleza fatal e inconfundível, seus olhos brilhavam tanto, que era impossível ficar olhando para eles por muito tempo. Pareciam duas safiras azuis e reluzentes. E bem no meio, no centro de tudo, estava o meu pai, o único que estava sorrindo, e que fazia meu coração acelerar. Em um certo momento ele começou a gargalhar alto e isso me fez remexer na cadeira incomodada.

Os meus lábios começaram a tremer e logo meus olhos inundaram.

Ele estava zombando de mim, e isso era tão humilhante.

Minha mãe estava na minha frente,  virou o rosto subitamente para trás e depois me olhou confusa.

—– O que foi meu amor? não tem nada lá

Desviei o olhar para ela, deixando a imagem dos três, desfocada.

—– Com licença, eu preciso ir ao banheiro — Arrastei a cadeira pra trás e me levantei, saindo dali às pressas.

Corri escada acima e me tranquei no banheiro, e antes mesmo de alcançar o vaso, eu vomitei.

Meu vômito jorrou por todo o banheiro.

Fui até a pia e joguei água no rosto e em seguida me olhei no espelho.

—– Não vou deixar vocês ferrarem a  minha cabeça — Falei sozinha — Vocês estão todos mortos e enterrados.

Apoiei as mãos na pia e abaixei a cabeça, procurando respirar fundo e manter a calma.

Não é real

—– Eu não estou louca, não estou — Repeti para mim mesma várias vezes.

—– Deveria ter me deixado te matar, quando teve chance, melhor do que viver esse inferno — Uma voz familiar soou atrás de mim.

Me virei rapidamente, mas  para a minha total surpresa, não havia ninguém.

—– Deus, se você existe mesmo, por favor, mande para o inferno esses espíritos ruins que me assombram —  Fechei os olhos — Eu sei que eu não mereço, pois sempre fui uma filha rebelde que a vida toda se recusou a ir a igreja, mas eu te peço que ...

Uma batida repentina na porta me Interrompeu.

—– Filha, você está bem? —  Minha mãe perguntou com uma voz abafada do outro lado.

Respirei fundo antes de responder.

—– Estou.

—– Tem certeza? — Modificou a voz

—– Sim.

—– Então, abra a porta... bonequinha

No mesmo instante que ela disse isso, a maçaneta da porta começou a se mexer rapidamente, fazendo o meu coração acelerar novamente.

Me afastei da porta sentindo o meu corpo gelar.

De repente, as paredes do banheiro foram se aproximando de mim como se fossem me esmagar.

Entrei em pânico. Eu não conseguia respirar.

—– Mãe!

Gritei, mas a minha voz não saiu, pois eu tinha a sensação que as mãos de alguém estavam  apertando a minha garganta.

Era agonizante e desesperador.

Parecia que ia morrer naquele momento.

Senti o meu corpo sendo esmagado, e eu pude ouvir claramente o som dos ossos se quebrando.

Suspirei uma última vez, e logo depois apaguei.

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