40
O aperto no meu peito me impedia de respirar, e o peso nas pernas me impedia de andar.
Mas mesmo os meus pés me forçando a voltar pra trás, eu relutei seguindo até o carro que naquele momento me parecia ser a única saída.
E o destino seria lugar nenhum.
Eu pensei que o primeiro lugar que eu pensaria em ir, seria pra casa, mas pela primeira vez eu não queria voltar pra lá.
A minha cabeça estava a mil, e eu tentava de todas as formas não pensar naquilo, mas era impossível, só de pensar que Caleb passou por coisas terríveis, sobreviveu ao abandono da sua própria mãe, isso machuca muito, e machuca ainda mais o fato de eu está fazendo o mesmo com ele.
Eu não acredito que aquela mulher teve a audácia de culpá-lo por tudo.
Consegui chegar até o carro, mas fiquei estagnada diante dele, pensando nas palavras que ela havia me dito.
Você não pode salvá-lo, porque ele não tem salvação.
Uma lágrima rolou dos meus olhos e depois outra, e sem perceber eu estava chorando muito.
E estava do outro lado da cidade, longe de casa, e com marcas pelo corpo, indicando uma suposta agressão, embora não tenha sido feitas por Caleb, mas ele matou o meu amante, matou o meu filho e me humilhou por anos, e mesmo que ele tenha cuidado de mim, e demostrado arrependimento, isso não apaga tudo o que ele fez.
Ele é culpado pelo meu sofrimento, ele é culpado de tudo.
A raiva me fez engolir o choro subitamente.
Eu posso facilmente ir embora agora, mas também posso denunciar ele e destruir a sua reputação, a imagem do homem perfeito que ele criou para a sociedade, eu posso fazê-lo sofrer.
Tenho tudo para ferrar a vida dele.
Porém..
Eu não quero fazer isso. Tirando a sua família de mentira, ele não tem ninguém, não importa quantas pessoas o rodeiam, ele sempre vai se sentir sozinho e abandonado.
Vai sentir que não faz parte daquilo, é muito difícil para ele se encaixar, e frustrante fingir o tempo todo.
E eu não deveria, mas tenho pena dele, e essa pena é maior do que a raiva que eu sinto.
Caleb precisa de mim agora mais do nunca, ninguém é capaz de entendê-lo melhor do que eu, ninguém conhece tão bem as suas necessidades, ele foi espancado pelo pai, negligenciado pela mãe, viveu em lares adotivos, e como sua mãe disse, teve sorte de encontrar uma boa família, que o acolheu com carinho e amor, que deu a ele oportunidade de estudar e de trabalhar para ser alguém na vida, algo que ele vem tentando provar para si mesmo o tempo todo, só quem já passou por um trauma sabe o que é isso, e Caleb nem sequer teve acompanhamento psicológico para lidar com os seus, do contrário não seria esse homem tão arrogante por fora e ao mesmo tempo tão deprimido por dentro.
Por isso ele não me deixa tocá-lo, por isso recusa qualquer demostração de carinho, por isso vive disputando com irmão, tudo isso é para provar pra si mesmo que ele é um homem equilibrado e competente, quando na verdade ele só quer esconder sua frustração da sociedade, o seu medo maior é do julgamento, e uma humilhação publica pra ele, seria como atirar na própria cabeça.
E ele precisa de alguém que diga pra ele que ele não tem culpa de nada. Alguém que esteja lá para segurá-lo quando ele cair.
—– Moça vai entrar? — Disse o motorista, impaciente.
—– Vou, vou sim.
—– Pra onde quer ir?
—– Pra casa.
Ele assentiu e deu meia volta com o carro. Aquele motorista me conhecia melhor do que ninguém, ele me socorreu em muitas das minhas fugas e me acompanhou em muitas das minhas desistências.
Se tinha alguém que me compreendia era ele.
Essa não é a primeira vez que desisto.
Não tem como sobreviver a alguém como Caleb, ou você deixa ele se afundar sozinho, ou se afunda junto com ele.
E mesmo que eu queira, eu não posso deixa-lo. Eu não iria conseguir conviver com a culpa.
Eu não posso desistir dele, só porque sua mãe desistiu. Ele é meu marido acima de tudo, foi com ele que eu decidi passar o resto da minha vida.
Chorei o trajeto inteiro, tanto que o motorista precisou parar algumas vezes e perguntar se eu estava bem, só tive forças para assenti pra ele, balançando a cabeça, mas só eu sabia o quão abalada eu estava com toda essa situação, ele estava certo em se preocupar, pois eu já entrei em seu carro uma vez toda machucada, e foi ele quem me levou para o hospital.
As coisas que aconteceram nos últimos tempos me deixaram traumatizada, a minha mente implorava por um descanso, que acredito que só poderei ter depois que eu morrer.
Olho para as minhas mãos e a blusa, ambas machadas de sangue, e meus olhos se embasam com as lágrimas.
Aquela mulher morreu praticamente nos meus braços, e eu mais uma vez não pude fazer nada.
Quando cheguei em casa, encontrei um verdadeiro caos, e no centro dele estava Caleb, furioso e ao mesmo tempo arrasado, externando tudo o que ele era por dentro, uma bagunça. Ele teve um acesso de raiva, um dos piores em todos os anos, e provavelmente por não ter me encontrado, ele descontou sua ira em tudo que encontrou a sua frente. Não havia nada que não estivesse quebrado por ali, fiquei horrorizada com tanta destruição e também por ver ele ali, parado, com os punhos cerrados e vestígios de lágrimas em seus olhos.
Diante de mim não estava um homem e sim um garoto de oito anos, assustado e cansado, implorando para que tudo aquilo acabasse
Seu peito subia e descia incessantemente, e sua boca entreaberta mostrava o quanto ele estava ofegante.
Ele estava em uma espécie de transe, seu olhar não tinha um foco direto.
E logo me veio o peso na consciência, por simplesmente ter pensado em ir embora.
—– Eu sinto muito — Sussurrei com um nó na garganta.
Mas ele ficou inerte, inexpressivo, como se não estivesse me vendo ou me ouvindo.
Caminhei até ele e olhei para suas mãos machucadas e sua gravata solta, e depois para sua camisa machada de sangue e então pude entender toda a sua raiva.
Não conseguia mais vê-lo como antes.
Quando você conhece profundamente uma pessoa, passa a compreendê-la melhor do que ela mesma.
E mais do que raiva nos olhos de Caleb, havia dor.
Abracei ele e embora suas mãos não tenha correspondido ao meu abraço, eu sei que ele sentiu, pois não recuou como das outras vezes.
Passei a mão pelos seus cabelos molhados de suor, e depois pelo seu rosto macio, e tive o privilégio de vê-lo fechar os olhos para se deliciar com a sensação.
—– Vamos superar isso juntos, está bem — Suspirei grudando as nossas testas.
Mas inesperadamente o seu corpo desabou sobre o meu, e o peso era tanto que eu não consegui suportá-lo.
E o desespero logo me tomou.
—– Caleb, o que você fez? — Forcei a voz, tentando erguer seu corpo, mais era pesado demais.
Ele não respondeu, seus olhos estavam se fechando aos poucos, então deitei seu corpo cuidadosamente no chão e levantei sua camisa me deparando com um profundo corte em seu abdômen.
Me assustei ao ver a faca ensaguentada sobre o balcão.
Rapidamente peguei seu celular e disquei o número da ambulância, lutando contra as vozes da minha cabeça.
" Deixa ele morrer".
" Ele tem que sofrer".
" Se fosse você deitada aí, duvido que ele teria pedido ajuda".
Ele abriu os olhos algumas vezes relutante e estendeu a mão para tocar o meu rosto, inclinei para que ele assim conseguisse tocar as maçãs do meu rosto.
—– Aguenta firme meu amor, a ambulância já está vindo — Falei segurando a sua mão.
—– Meu..maior..medo — Balbuciou.
—– Não diga nada - Sussurrei alisando delicadamente o seu rosto.
Ele ergueu um pouco a cabeça e encarou os meus olhos.
—– É perder você, por favor, não me deixe — Suspirou exausto.
—– Não vou, eu prometo.
Depois de escutar isso ele ficou um pouco mais tranquilo, enquanto eu sorria em meio às lágrimas, porque ouvir algo assim vindo de Caleb, era como chegar ao paraíso depois de sofrer uma morte lenta e dolorosa.
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