23
—– Ele não pode mais te machucar —
Disse Vicent indignado, enquanto cuidava dos meus ferimentos
A raiva era visível em seus olhos.
Não falei nada, apenas permaneci
com o olhar perdido. E uma expressão
apática.
—– Quer saber, isso tem que parar — Ele parou no meio do processo, se levantou do sofá e olhou pra mim
Levantei os olhos e o fitei confusa.
Ele não precisou dizer nenhuma palavra, pois o seu olhar já deixava claro suas intenções.
Abri um sorriso incrédula.
—– O que? Não — Neguei — Sem chances
—– Não existe outro jeito, enquanto esse monstro estiver vivo, vai fazer da sua vida um inferno — Ele completou atordoado.
—– Não está falando sério, ou está?
—– Nunca falei tão sério em toda minha vida, escuta — Ele se ajoelhou e agarrou o meu rosto, me forçando a encara-lo profundamente — Você não vai fazer isso sozinha, eu vou te ajudar.
Ele meteu a mão no bolso e tirou de dentro um frasco minúsculo com uma substância estranha.
—– Toma — Enfiou em minhas mãos
—– O que é isso?
—– É um tipo raro de veneno, uma única gota é capaz de deixar sequelas até na alma
Olhei pra ele ainda mais confusa e nervosa, sem acreditar que ele estava mesmo falando aquilo.
—– O legista dificilmente irá descobrir a causa da morte, pois esse veneno se dissolve rápido no organismo
—– Onde você conseguiu isso ? — Perguntei, sentindo meu coração disparar
—– Isso não importa, você vai colocar
no leite, suco ou na porra que
ele for beber — Falou, agitado — E depois...
—– Você planejou isso? — Interrompi, olhando seriamente para ele, mas fui rebatida por um silêncio perturbador — Me desculpa, mas eu não vou fazer isso — Recusei, empurrando o veneno de volta para ele, com as mãos trêmulas
—– Quer tentar do jeito mais difícil então?
—– Na verdade, eu não quero tentar de jeito algum, ficou maluco?
—– Ella — Ele suspirou impaciente — Esse cara roubou uns bons anos da sua vida, vive mantendo você como uma prisioneira, te despreza e ainda por cima te espanca. Quando eu cheguei aqui de manhã, você estava desacordada, dentro de um quarto escuro e empueirado. Fui eu quem te carreguei até a minha casa e tentei te reanimar. Pensei até que estivesse morta. Ele de fato, não se importa com você. O que te faz acreditar que um cara assim merece viver.
Lágrimas escorreram dos meus olhos ao ouvir isso.
As palavras de Vicent por um instante
me fizeram pensar. Caleb destruiu
todas as oportunidades que eu tinha
de ser feliz. Por causa dele, eu vivo
ansiosa, com medo e anoréxica.
Por causa dele, eu me sinto solitária e sem um pingo de vontade de viver.
Senti os lábios macios e rosados de
Vicent sobre os meus, e olhei em seus
olhos que estavam em chamas.
—– Não se preocupe, depois vou dá um
jeito de sumir com corpo, não é a
primeira vez que faço isso.
Por um instante, essa afirmação dele me assustou.
Ele me assustou com o seu olhar frio e
calculista.
Mas ele estava certo, isso tinha que
acabar, de um jeito ou de outro. Eu sabia que se Caleb fosse preso, provavelmente conseguiria sair. Por causa da sua grande influência. E eu não viveria em paz sabendo que ele está livre por aí.
E com certeza ele viria atrás de mim para se vingar.
E se tratava de algo simples, eu não precisaria cravar uma faca em seu coração, apenas despejar uma gota do veneno dentro do copo de suco. Ele não iria desconfiar de nada.
Mas será que eu deveria confiar em Vicent. Um cara que caiu de paraquedas na minha vida, e que está aqui agora tentando me convencer de cometer uma loucura, embora eu tenha dormido com ele, sinto que não o conheço tão bem. E eu não estou disposta a sair de uma prisão e me enfiar em outra.
—– Você será livre como um pássaro,
ninguém nunca mais vai cortar as suas asas — Ele sussurrou, colando as nossas testas e alisando meus ombros — Deixa ele beber, e você estará livre pra fazer o que quiser.
Peguei o veneno de suas mãos e coloquei dentro do bolso em um gesto desesperado. Em seguida afundei a cabeça em seu peito, me sentindo um pouco frustrada.
—– Relaxa, vai ficar tudo bem — Ele assegurou passando a mão em meu cabelo.
Voltei pra casa, consumida pelo prazer da recompensa.
Em seguida, fui para a cozinha, cortei friamente algumas laranjas para poder fazer o suco. Inclusive, era o preferido de Caleb.
Eu estava dominada por várias
emoções. Entre elas, o medo, a
raiva e confiança.
E lembrando das palavras incentivadoras de Vicent, despejei a substância letal no suco, e coloquei o copo na bandeja junto a uma torta de frango que guardei do outro dia.
Sorri eufórica. Pois eu estava prestes a alcançar a tão sonhada liberdade.
E tudo o que passava na minha cabeça, era: Acabar com a dor e deixar de sofrer. E eu, sinceramente, não me importaria em ficar ali parada, assistindo Caleb sufocar até a morte.
Desde que eu pudesse viver em paz.
Desde que eu pudesse respirar sem sentir um peso na garganta.
Desde que eu pudesse ser livre.
Segurei firme a bandeja, e logo senti a adrenalina alcançar meus olhos. Em seguida, caminhei em sua direção.
Minhas pernas batiam uma na outra de
tão trêmulas, enquanto ele aparentava estar tranquilo, sentado à mesa com seu olhar implacável e suas feições endurecidas.
É agora ou nunca.
Me aproximei, servi ele e depois me
sentei a sua frente para vê-lo
sufocar até a morte.
Por um momento, vi a sombra de um
sorriso surgir em meus lábios, sinal que
a minha sanidade já se fora a muito
tempo.
Mas foi quando ele pegou aquele copo
de suco que o sentimento de culpa se
apoderou do meu coração.
Eu senti compaixão por uma pessoa que há anos tem me feito chorar.
" Talvez ele tenha um motivo para sua crueldade".
" Não, Ella,. ele merece".
"Deixa ele beber, e você estará livre pra
fazer o que quiser".
Mas e se...
E se nada.
Fechei os olhos e me espremi para
conter o sentimento de piedade e de
misericórdia, lutando incessantemente contra as vozes da minha cabeça.
Ele parou por um instante para ler uma mensagem em seu celular, e o copo estava a poucos centímetros de sua boca. O que causava uma aflição insuportável.
" Uma única gota, pode causar sequelas até na alma".
As palavras de Vicent se fizeram presentes na minha cabeça, me atormentando ainda mais.
Eu pensei em sair, e ir para outro cômodo da casa para não ter que vê-lo sofrer, mas só a ideia me causava calafrios de enrijecer o corpo.
O suor frio escorria pela minha testa e as minhas mãos tremiam por debaixo da mesa.
Até que levantei em um surto da cadeira e derrubei o copo com um tapa. O mesmo se estilhaçou no chão e o suco que havia dentro dele se espalhou pela roupa Caleb.
E não vou mentir, fiquei feliz por nenhuma gota ter caído em seus lábios.
Senti o meu peito subir e descer com a adrenalina.
Eu era incapaz de matá-lo.
Ele olhou pra mim, confuso e
extremamente irado.
—– O que deu em você, idiota — Ele berrou, irritado por eu ter o molhado.
Mas eu o salvei.
Comecei a chorar desesperada e lamentar.
Mas não por ter derrubado o suco nele, ou por ter quebrado o copo, e sim por quase tê-lo matado.
Por ter pensado que matando ele eu estaria livre com a consciência tranquila.
Mas a verdade é que eu jamais conseguiria conviver com essa culpa.
Sua raiva era notável, ele estava ofegante e me olhava como se eu tivesse acabado de cometer um crime.
Bom, eu estava prestes a cometer um, e por pouco não cometi.
Ele analisou os cacos do copo quebrado no chão e o líquido amarelado escorrendo lentamente para debaixo da mesa, depois me lançou um olhar de total indignação.
Ele estava encharcado, e só assim eu fui me dar conta de como eu havia enchido o copo até o topo, eu estava totalmente convicta de que iria mata-lo.
—– Você tentou me envenenar? Questionou incrédulo.
Havia tanta raiva em seu olhar, que as suas pupilas escureceram.
Mas ainda sim, não havia tanta raiva quanto decepção.
—– Desculpa — Sussurrei.
Me encolhi sentindo as lágrimas escorrer pelo meu rosto amargamente.
Ele fechou os olhos e se espremeu para conter a raiva, porém não conseguiu e em gesto violento, ele agarrou o meu braço.
—– Depois de tudo, tudo o que eu fiz, você ainda teve coragem de fazer isso — Gritou enfurecido, com um olhar cruel.
—– Eu...
Eu estava apavorada, porque de todas as vezes que vi Caleb com raiva, em nenhuma ele se comportava assim.
Sua mão estava esmagando o meu braço impiedosamente. Quando ele puxou o meu braço pra trás pude ouvir o estalo do osso quebrando.
E depois disso, ele ainda me bateu uma, duas, três vezes, e eu até achei que ele estaria satisfeito, e que uma hora ele iria parar.
Porém, ele não parou.
Estava descontrolado, fora de si. Queria estravazar toda sua ira em cima de mim.
Na pobre boneca de pano.
No meio da noite, eu fui acordada por uma dor aguda na barriga, e senti um líquido escorrer por entre as minhas pernas. Recostei tremendo e assustada na cabeceira da cama e quando afastei o cobertor percebi que estava imersa em uma poça de sangue.
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