15
No meu aniversário os meus pais sempre davam uma festa, a decoração era simples, mas cheia de carinho e amor. Eles convidavam alguns amigos em comum do bairro, e minha mãe era quem fazia o bolo, delicioso por sinal.
Era uma algazarra que só, regada a música, balões gigantes e refrigerante barato, mas era tão gratificante vê-los tão contentes com a minha felicidade, aquele momento significava muito pra mim.
No meu último aniversário que passei com os meus pais, eu estava completando quinze anos, meu pai trabalhou duro o ano todo na oficina, vendeu o carro que também era uma de suas maiores conquistas, além de parte de um terreno que ele tinha, tudo para juntar dinheiro o suficiente para me dá uma festa digna de uma princesa, com direito a valsa e tudo, porque era assim que eu ele me via, como uma princesa. Minha mãe fez o meu vestido, inclusive um dos mais lindos que eu já vi em toda a minha vida, mas o que mais me emocionou foi ter tido a honra de dançar uma valsa com o meu pai.
Me lembro perfeitamente das lágrimas brilhando em seus olhos, as suas mãos trêmulas e sua vulnerabilidade de pai se aflorando. Nunca nenhum homem significou tanto pra mim como o meu pai, nem mesmo Caleb, me arrependo de ter saído de perto dele, e me arrependo de não tê-lo escutado quando eu deveria.
É por isso que todas as noites do meu aniversário, eu choro, choro de saudade e de arrependimento.
Assim como no dia das mães, dos pais, entre outras datas que requer a família unida, que é quando a saudade aperta mais.
—– Abra — Caleb ordenou se referindo ao embrulho à minha frente.
Ele estava com um sorriso sínico no rosto, e uma estranha satisfação no olhar.
Estiquei a mão e desatei o nó, me deparando com mais um vestido horroroso que ele tem o costume de comprar pra mim todos os anos.
E esse era ainda mais horroroso, porque era rosa, eu odeio rosa.
Enfim, mais um pra coleção.
—– Ah, um vestido — Comentei desanimada.
—– Sim, por que?, não gostou? Eu posso devolver então — Falou pegando o embrulho de volta.
—– Não — Agarrei a sua mão — Obrigado meu amor, é lindo.
As expressões se suavizaram em seu rosto, e ele voltou a sorrir com os lábios grudados, claramente como um psicopata que acabou de assassinar a sua vítima.
Eu sabia o quanto a minha aprovação era importante para ele, se eu recusasse qualquer um dos seus presentes, ele provavelmente me arrancaria os olhos.
—– Vai lá vestir — Ordenou, inexpressivo
—– Agora?
—– Não, amanhã.
Fiz uma careta pra ele, em seguida levantei da cadeira e fui até a escada, sentindo seus olhos a toda instante sobre mim.
O que me fez estremecer.
Assim que coloquei o vestido, soltei um suspiro trêmulo, vendo o quão horrível ficou em meu corpo. Soltei os cabelos e joguei para frente, para dar uma melhorada, queria mostrar para Caleb que eu ainda era a morena irresistível dele apesar de tudo.
Meus cabelos caíram com facilidade pelas minhas costas, demonstrando toda uma maciez e brilho. Fiquei contente por vê-los tão compridos e volumosos.
Caleb, apesar de saber o tamanho da roupa que eu visto, sempre compra vestidos largos, quando não compra justos demais.
—– Dá uma volta pra mim ver — Sugeriu olhando para os meus cabelos, ele sempre foi fascinado por eles
Fiz o que ele mandou, girei o corpo sem nem conseguir respirar, de tão apertado que o vestido estava.
—– Está um pouco justo, talvez devesse emagrecer — Sugeriu, ríspido.
—– Ou talvez, você deveria trocar por um tamanho maior — Retruquei
Ele deu um tapa no meu rosto, em seguida agarrou firme as minhas bochechas.
—– Quando eu falo uma coisa, é pra você balançar a cabeça e concordar, entendeu? — Rosnou, enquanto eu o encarava com os olhos lacrimejando — Entendeu?
Assenti balançando a cabeça e ele finalmente me soltou e se recompôs.
—– O que vai fazer? — Perguntou ao me ver sentar na mesa e pegar um garfo.
—– Comer outro pedaço de bolo — Encarei ele, ingênua
—– Não ouviu o que eu acabei de dizer? você está gorda e se comer mais um pedaço de bolo, é capaz de explodir — Esbravejou.
—– Mas eu estou com fome..
Ele me lançou um olhar tão mortal que a minha única atitude foi balançar a cabeça e concordar, e depois assistir ele jogar o resto do bolo no triturador de alimentos que fica embutido na pia.
—– Posso pelo menos tirar esse vestido? — Perguntei com a voz embargada.
—– Vai, vai não suporto ter que olhar para essa tua cara.
—– Nem eu pra sua — Murmurei baixinho, enquanto seguia até a escada.
....
Eu estava deitada no sofá, assistindo pela décima vez um filme de romance que falava de uma garota que fugiu de casa pra viver uma história de amor.
Os pais dela não aceitavam o seu relacionamento, porque o cara era negro e pobre, mas isso não a impediu de lutar por ele e por sua liberdade.
E eu nem sei porque eu estou chorando horrores por causa disso.
Talvez por que sua história de amor foi interrompida já que acusaram injustamente o pobre rapaz de ter abusado dela, e o condenaram à morte.
Talvez eu me sinta como ela em algumas partes, tentando salvar uma coisa que é totalmente impossível.
Fui interrompida pelo som da campainha. Limpei os vestígios de lágrimas dos meus olhos e levantei do sofá, já imaginando quem poderia ser.
—– Feliz aniversário!
Foi o que eu escutei assim que abri a porta.
Vicent estava com um enorme sorriso no rosto, segurando um bolo de padaria.
–— Como sabe que hoje é o meu aniversário? — Perguntei desconfiada — Não me lembro de ter te contado.
Ele passou por mim se fazendo de desentendido e colocou o bolo sobre a mesa.
—– Cadê os convidados? Agora não era pra tá rolando uma puta festa? — Estranhou ele
—– Pra quê, não há nada pra comemorar aqui — Soltei desanimada fechando a porta e me aproximando dele com os braços cruzados, observando ele acender uma pequena vela.
—– Como não, você é um milagre divino Ella Watson — Disse balançando o palito de fósforo — Muitas coisas poderiam ter contribuído para a sua não existência, e no entanto você está aqui, firme e forte.
—– Está exagerando — Suspirei
Ele se aproximou de mim e me olhou profundamente, e por algum motivo comecei a ofegar.
—– Vamos comemorar só nos dois então — Sugeriu sem desgrudar os olhos dos meus.
Seu convite era tentador demais para recusar, ainda mais ele me olhando daquele jeito.
—– Não precisava ter se incomodado — Desviei o olhar para o bolo.
—– Não é incômodo algum — Sorriu genuíno, arrastando a cadeira e fazendo um sinal com a mão pra eu me sentar.
Soltei o ar com força e fui até ele.
—– Você é um intrometido.
—– Tá, agora cala a boca e faça um pedido, depois assopra a velinha — Pediu carinhosamente com os olhos voltados para o bolo.
—– Eu sei o que eu tenho que fazer, esse não é o meu primeiro aniversário — Resmunguei.
—– Pelo menos você teve aniversários — Ele disse sem emoção na voz, fazendo eu me sentir mal.
Antes de fazer o pedido, eu virei o rosto para ele e olhei para os seus olhos distraídos, por pouco não enxerguei sua alma, mas havia algo ali que me impedia de ver, mas eu não sabia explicar o que era.
—– Ah! eu esqueci — Ele pôs a mão na testa — Temos que cantar os parabéns.
—– Não, você não vai fazer isso — Sorri incrédula.
—– Parabéns pra você...
—– Vicent?
—– Nessa data querida..
Enquanto ele cantava e batia palmas alegremente, eu me perdia em memórias. Por um momento eu vi os meus pais ao redor daquela mesa e senti as lágrimas inundarem meus olhos.
Quando eu assoprei a velinha, eles desapareceram me trazendo de volta a tristeza e a solidão.
Queria muito que eles estivessem aqui.
.....
Não demorou muito para que eu e Vicent entrássemos em clima de total descontração, com direito a guerra de bolo e tudo, não tenho nem palavras para descrever esse momento, foi simplesmente incrível.
—– Tenho uma coisa pra você — Falou arrancando do bolso uma pequena caixa
Ele me estendeu a caixa, e a peguei de suas mãos enquanto olhava desconfiada para os seus olhos.
—– Vicent — Suspirei ao tirar de dentro dela um colar delicado, rodeado por pequenas estrelas — É lindo, mas não posso aceitar, se Caleb me ver usando isso, ele arranca o meu pescoço fora.
Falei brincando, mas o medo era real.
—– Vire-se, deixe eu colocar em você, pelo menos pra ver como fica e depois você tira se quiser — Disse ele empolgado e fascinado pelos meus cabelos escuros e ondulados.
—– Ok — Concordei me virando e segurando o cabelo para ele poder colocar.
A sensação das mãos de Vicent sobre a minha pele, foi arrepiante, mas não tanto quanto o toque sutil e inesperado dos seus lábios em minha nuca que fez eu me contorcer inteira.
—– Vicent — Repreendi, rindo de nervoso.
—– Desculpa! não resisti — Disse —Uau!, foi feito especialmente para você, ficou lindo.
—– Então você planejou tudo isso pra dar em cima de mim? — Perguntei me virando pra ele — Que oportunista.
—– Em partes, sim — Disse acariciando o meu rosto — Mas também porque eu não suporto te ver triste, se você soubesse como fica linda sorrindo.
Coloquei um mecha do cabelo atrás da orelha, ruborizada pelo elogio.
—– Ella, me conte o que está acontecendo, talvez eu possa te ajudar.
Automaticamente os meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu me afastei e as limpei rapidamente.
–— Que merda! — Sorri meio sem jeito, por não conseguir lidar com as minhas proprias emoções
—– Ella, pode confiar em mim.
—– Confiar, tá aí uma palavra difícil — Retruquei incrédula me afastando ainda mais.
Ele se aproximou e agarrou a minha mão
—— A gente não precisa ser amantes, podemos ser amigos confidentes
As palavras dele me emocionaram por um instante, porque me fez lembrar que eu nem sequer tenho amigos para compartilhar as minhas dores.
Como sinto falta da Joy nessas horas, a gente provavelmente estaria presa dentro do quarto, chorando e comendo um monte de besteira, reclamando de como a vida tem sido dura e injusta com a gente.
—– Eu só queria que o meu pai estivesse aqui para me abraçar — Choraminguei — Só isso, hoje é o meu aniversário e ninguém me abraçou.
—– Mas eu estou aqui, você pode me abraçar —– Suspirou abrindo os braços
Sem pensar duas vezes, eu o abracei o mais forte que eu pude, e chorei tudo o que eu tinha pra chorar.
—– Eu me sinto tão sozinha às vezes — Berrei, sentindo o gosto salgado das minhas próprias lágrimas.
—– Eu estou aqui, não se preocupe — Afirmou passando a mão pelo meu cabelo enquanto eu procurava uma forma mais confortável de me encaixar em seu peito sem me sentir culpada.
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