Capítulo 01
Michel Hartwell, o décimo sexto Visconde de Hambleden, colocava o chapéu tricorne na cabeça quando seus pensamentos foram tomados por questionamentos nada pertinentes para aquela hora da madrugada, principalmente depois de uma noite agitada no L'amour Toujours. Mas precisava ser justo consigo mesmo de que a vida boêmia havia perdido o encanto quando se tornara uma obrigação.
Já fazia seis meses que a descoberta de uma irmã bastarda o conduziu direto para a cadeira de gerente do mais famoso e elitizado bordel de Londres. O L'amour Toujours era herança de Charlotte Allen, convertida em Marquesa de Grinkle pela força dos laços sagrados do casamento, que a fizeram inclusive entrar para uma ilustre família: os Fletcher.
A existência de mais um irmão bastardo não foi uma surpresa para Michel, que já estava acostumado a abrir as portas de sua casa para vários deles. A fama de garanhão de seu pai talvez fosse conhecida do outro lado do Canal da Mancha, o que o fazia se sentir o pior do homens por viver no luxo e conforto enquanto os irmãos precisavam se esforçar para conquistarem seus lugares no mundo e alguns deles eram muito bons em dobrar o destino, diga-se de passagem. Só por essa razão, Michel odiava o pai, e acreditava piamente que o título e a herança atrelada a ele devessem pular para a linha colateral dos Hartwell, cuja vocação para o sacerdócio o faziam mais merecedores.
A surpresa, no entanto, aconteceu quando descobrira que ele tinha mais uma irmã, não mais um irmão como era sempre acontecia. E isso o fez querer protegê-la, uma maneira de compensá-la pelo abandono a que fora obrigada suportar por ter o pai que tinha. Michel sabia que Charlotte não havia passado necessidade e a mãe lhe dera o melhor que o dinheiro poderia pagar, mas afeto nunca era demais e isso, graças a Deus, ele havia aprendido tão bem que ele era capaz de amar seus irmãos mesmo que não compartilhassem a mesma mãe. Razão suficiente para que os irmãos fossem recompensados de alguma forma. No caso de Charlotte, assumir a administração do L'amour Toujours era o que a deixaria feliz. E mais tranquila para que pudesse começar seu casamento com Mark Fletcher em Calcutá, para onde haviam se mudado assim que se casaram.
Além disso, prometeu à Marquesa de Grinkle que se dedicaria a transformar o bordel em uma espécie de abrigo para mulheres que não tinham com que contar ou um lar para onde ir. E para seu espanto, Michel não via a hora de cumprir com a promessa. As noites nos braços de cortesãs já não pareciam acender o fogo que o mantinha vivo.
Ele queria mais.
Queria algo que ele sequer conseguia descobrir o que era.
— Já vai tão cedo? – O visconde se virou para encontrar Martha e seu corpo voluptuoso enrolado em um robe de chambre negro com detalhes em renda vermelha. Ela ainda estava com a peruca branca empolada que usou naquela noite para iludir os clientes. — Mandei trocar os lençóis – ela falou à espera que ele reconsiderasse e a acompanhasse até os aposentos em que costumava atender aristocratas empolgados por algumas horas de prazer.
— Hoje não posso – avisou Michel. Mas a verdade era que também não estava com vontade de fazer sexo.
A meretriz se aproximou e passou os braços pelo pescoço dele, mais uma tentativa de demovê-lo da ideia de partir.
— Posso chamar Lizzie para se juntar a nós – sugeriu ela. — Sei que gosta de fazer sexo a três.
Michel agarrou os pulsos dela e a afastou com gentileza.
— Hoje não, Martha. Aproveite para descansar – sugeriu ele, sabendo que a meretriz nutria esperança de que ele pudesse se casar com ela. O que era uma lástima e se ressentia muito em ter que concordar com Kennet, o antigo e inescrupuloso gerente do L'amour Toujours, ao afirmar que o casamento de Charlotte apenas iria aguçar a mente sonhadora das cortesãs.
Ele não queria se casar, uma decisão que tomara quando era ainda muito jovem para pensar que um dia poderia se enjoar daquela vida de muitas mulheres.
— À propósito – ele a encarou antes de sair —, precisa decidir se vai ficar no L'amour Toujours. É o último mês que este lugar abrirá suas portas como bordel. – E partiu para encontrar a irmã em sua casa em Mayfair.
***
Pela primeira vez na vida, Michel não havia se atrasado a um compromisso logo cedo pela manhã e Minerva olhava para o irmão intrigada com sua apatia incomum. Talvez fosse muito cedo e ele tivesse emendado a noite ao dia.
Não era apenas isso, ela sabia que não.
Mas a preocupação com o futuro de suas filhas não permitia que ela pudesse ajudá-lo. A viuvez ainda era recente, considerando que fazia pouco mais de um ano que o marido havia falecido, mas ela sentia que seu tempo estava se esgotando e não podia mais esperar para tentar encontrar o paradeiro de seu cunhado. Era sua única chance de não ser expulsa da própria casa. Não poderia deixar que um estranho se apossasse alegando que era o próximo na linha de sucessão do Duque de Bilbury. Precisava encontrar Carlisson, mesmo que precisasse ir para o fim do mundo.
— Não prestou atenção em uma só palavra que lhe falei, Michel – reclamou Minerva enquanto depositava a xícara em cima do pratinho de porcelana.
— Claro que prestei! E não acho que deva se preocupar com o futuro das meninas. Vocês têm a mim. Não as deixarei desamparadas. – Michel estendeu o braço para apertar a mão da irmã do outro lado da mesa. Ela era alguns anos mais velha que ele, pouca coisa, e sempre foram muito próximos.
— Não é a mesma coisa. E não posso deixar que um primo distante assuma o título no lugar de Carlisson – explicou ela.
— Sempre Carlisson, Minerva! Ninguém sabe do paradeiro dele depois que foi enviado para a América para assumir um destacamento. Não pode acreditar que ele retornou para a Inglaterra.
— Como pode afirmar que não sabem de seu paradeiro se ninguém tentou contato? – Ela o fitou com o canto dos olhos que estavam mais verdes do que de costume, talvez porque havia adotado o meio-luto e o tom de malva conseguisse realçar a beleza que havia sido escondida pelos vestidos e véus negros que usava em respeito ao marido morto.
— Os Belfort tentaram contato – contou ele. — Caso não se lembre, Carlisson estava comprometido com Greta Sheridan e iriam se casar assim que ele retornasse da América.
— Pobre Carlisson – suspirou ela —, que desgosto sentirá quando descobrir que a noiva o trocou pelo Duque de Melrose. Mais um motivo para que eu me empenhe em encontrá-lo.
— E o que pretende fazer com as meninas? – perguntou o visconde depois que engoliu um pedaço de torta de framboesa. Aliás, ele desconfiava que a irmã não lhe exigiria qualquer favor, ela pretendia algo grande a julgar pela adulação em oferecer a ele sua sobremesa favorita. — Poppy e Sarah ainda são muito pequenas para enfrentar uma viagem tão longa, não acha?
— É óbvio que ficarão com você – arquejou um tanto indignada com a falta de raciocínio do irmão, mas ela precisava dar um desconto a um homem que passava as noites em claro, ao menos trabalhando e não mais na esbórnia. — Meu advogado redigiu um documento que assinei ontem. – Ela estendeu o papel para que Michel o pegasse. — Eu o nomeei tutor de minha filhas – explicou —, e deve se mudar para cá para que possa vigiá-las de perto.
— Jesus, o que faço com irmãs tão exigentes? Primeiro foi Charlotte que me pediu o impossível – se queixou ele —, como se fosse muito fácil converter um bordel em uma casa de respeito. E agora você, Minerva, quer que eu me responsabilize por duas meninas. Como conseguirei conciliar duas coisas tão diferentes?
— Não será difícil, Michel! A nova preceptora tem sido maravilhosa e Poppy e Sarah já se apegaram a ela. A conheci em Paris quando acompanhei nossa tia naquela viagem maravilhosa que fizemos para conhecer o continente, um pouco antes de me casar com Arnold – contou empolgada. — Ela é mais jovem que eu e quando nos conhecemos ainda era uma menina de quinze anos, se minha memória não falhar... Mas sempre foi muito responsável e recebeu uma educação esmerada, por isso confio plenamente minhas filhas a ela. Pode confiar que tudo dará certo. – Minerva o incentivou, mas Michel a conhecia muito bem e sabia que a irmã conseguia ser muito persuasiva quando queria. — Por favor, meu irmão! – ela apelou porque sabia que ele jamais lhe negaria algo.
— Tudo bem! – ele concordou. — Mas vai prometer me manter informado de teu paradeiro. Já basta Carlisson sumido, não pretendo ter que sair como louco atrás de você, minha irmã. Tudo porque não pode esperar alguns dias a mais para que eu possa fechar as portas em definitivo do bordel.
— Não arriscarei ser expulsa de minha própria casa. Mas prometo que o manterei a par de tudo. – Ela se levantou e alisou a saia de seu conjunto de luto. — Pode estar certo de que as meninas não lhe darão trabalho.
— Para onde vai? – ele perguntou intrigado.
— Vou buscar a preceptora – contou ela, eufórica. — Estou convencida que farão uma grande dupla de cuidadores. A Senhora Delyon é uma dama sem igual. — À propósito, pretendo partir depois de amanhã – avisou como se estivesse falando sobre algo que foi meticulosamente planejado. E havia sido, pensou o visconde enquanto puxava o lenço no pescoço. Minerva o encurralou em um plano meticuloso e sem lhe conceder o direito de dizer não.
E se ele não simpatizasse com a preceptora? Sempre havia um risco de sua vida se tornar um inferno.
— Uma francesa? – a questionou, mas Minerva já estava muito longe para ouvi-lo. Obviamente deveria ser em razão do seu nome.
***
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