01. Flores de verão
A garota olhou rapidamente pela esquina do corredor, esperando que as criadas se afastassem para prosseguir. Seus cabelos dourados tinham um laço de fita rosa segurando duas mechinhas que saíam de detrás das orelhas, e suas sapatilhas, afiveladas sobre as meias brancas, tinham um lustroso brilho roxo. A saia leve balançava, sem perder a silhueta, em volumosas camadas de tule rosa.
- Procurando alguma coisa?
A voz repentina e grossa atrás de si lhe assustou, incentivando-a a girar os calcanhares com as mãos para trás, sorrindo.
- Pai... - ele ergueu uma sobrancelha, curioso com o sorriso e a risada de nervosismo indisfarçável da menina - Eu estava indo...
- Eu sei o que estava fazendo.
- Hã?... Sabe? - ele riu. Seu braço atravessou o pescoço da menor com facilidade, lhe abraçando pelo ombro e lhe guiando pelo corredor.
- Hoje chegam os Ambulantes do Leste, - um grupo de viajantes que traziam mercadorias exóticas de e para onde passavam, se instalando uma lua por verão em cada Reino - ...E é nosso dever, como bons anfitriões, recebê-los com hospitalidade. Fazer bons negócios e oferecer nossos serviços de maior qualidade... - Florência era especialista em produtos florais, orgânicos, frutos e serviços artesanais. O rei começou a falar sobre como aquilo era importante para a econômia, e como era bom que o povo tivesse acesso a produtos importados através daquela feira.
E ela ouvia tudo com um certo ar de desânimo. Já sabia de tudo aquilo, era um assunto saturado para si. Mas precisava se esforçar para demonstrar o mínimo de interesse pela economia do reino. Afinal, seria a próxima a assumir o trono como rainha.
- Eu sei.
A garota abaixou a cabeça, meio desistente, o pai a encarou. Era proibida de sair do castelo durante a chegada das carruagens. Na verdade, era proibida de sair do castelo em qualquer acontecimento que envolvesse a abertura dos Portões de Florência. Era meio drástico e sem sentido. E isso lhe irritava, porque ela queria muito ver a floresta de novo, com as árvores e os arbustos, que ficavam cheios de flores nessa época.
- Você já está uma mocinha... - o rei suspirou - Quer recebê-los comigo?
A surpresa envolveu a menina. Seus olhos se arregalaram e brilharam como pequenas estrelas coloridas, acentuando sua heterocromia.
- É... É sério?
O pai assentiu.
- Seria incrível-... Quer dizer, seria uma honra, papai -sorriu ela, disfarçando a empolgação. O rei exibiu um sorriso curto em sua face.
Ele continuou caminhando pelo corredor com o braço sobre os ombros da mais baixa.
- As hospedagens devem aumentar esta noite, e eles sempre compram algo local para revender ou expor em seu próximo destino. É uma ótima propaganda; podemos aumentar nossas exportações de outono se falarem bem de nossas colheitas!
A menina sorriu com o otimismo do pai.
- Eu sei pai, e eu amo te ver empolgado assim -ambos se encararam por um segundo, sorrindo um para o outro - E eles também tem uma livraria incrível, e sempre guardam os melhores exemplares pra mim.
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Haviam quatro guardas posicionados exatamente a frente do Portão Leste. Pai e filha caminhavam até lá, seguindo a estrada de terra que adentrava a floresta. Lily olhava para os lados como se procurasse por algo importante, mas estava apenas se perguntando o porquê tantos curiosos a encaravam. Talvez estivessem surpresos em imaginar a princesa em público recepcionando alguém.
As portas já estavam destrancadas e se abriram com um simples aceno do rei para os guardas. Um homem estava parado do outro lado das portas, sorrindo. Ele adentrou os territórios do reino, as carruagens o seguiram. Este era o líder do grupo. Ele se aproximou de August e se curvou, o rei discursou um pequeno texto de boas vindas que devia ter ensaiado, e depois os dois começaram a conversar sobre negócios enquanto as carruagens chegavam uma a uma. Toda aquela situação era meio monótona, mas havia algo cativante agoniando os sentidos de Lily.
Havia uma roda de pessoas se formando ao redor da estrada. A princesa analisou o local, reparando no bosque frutífero à sua esquerda, atrás da multidão. Desviando entre as pessoas, ela chegou até lá, subindo em uma das árvores mais próximas do portão.
- ... Eu e minha filh- Filha? -o rei sentiu sua falta ao olhar para os lados, buscando-a desesperadamente.
- Não é ela ali? - disse o outro, apontando-a.
August olhou para a direção indicada, vendo a garota sentando sobre o galho de uma macieira de mais ou menos uns três metros, acima da multidão.
- O que diabos ela faz ali? - questionou preocupado, o comerciante riu.
- Está apenas olhando. Ela é bem curiosa, não é?
- E é justamente isso que me preocupa.
Lily via as carroças sendo estacionadas à beira do caminho enquanto os locais ajudavam com os cavalos e bisbilhotava as janelas dos vagões. Um vento forte soprou seus cabelos trazendo um cheiro de flores consigo, e ela o seguiu com os olhos, encarando a floresta. Então sorriu.
Ela voltou ao chão, em direção à abertura da muralha. As carruagens maiores cobriam a vista para a saída do distrito e os guardas estavam ocupados enquanto guiavam os cocheiros. Haviam algumas pessoas amontoadas à beira da floresta, conversando com os recém-chegados, e ninguém notava quem ia ou vinha entre si, mas todos pareciam receosos com a floresta vazia. O vento continuava trazendo aquele cheiro.
A estrada parecia longa, as copas das árvores se uniam, formando uma espécie de túnel de folhas bem alto. Ela tocava a porta enorme com uma das mãos, sentindo a textura da madeira enquanto o restante das pessoas caminhava para dentro do tumulto sem olhar para os lados. A luz que entrava por entre as brechas das folhas criava uma espécie de linha brilhante não-tocável, atravessando a escuridão da mata.
- Que lindo... - suspirou.
Lily observou a vista e olhou para trás, estava há alguns metros do reino. Ela olhou em volta; havia arbustos floridos no tronco das árvores, repletos de amontoados de pétalas multicoloridas. Era esta a origem do cheiro floral do vento.
Ela se abaixou para encarar mais de perto. O ar úmido da terra entrava em seus pulmões. O vento fizera com que as folhas emitissem uma canção suave ao se tocarem, como sinos.
- Liliane!
Seu braço foi puxado rapidamente e al foi erguida antes que pudesse gritar. A garota o reconheceu enquanto era praticamente arrastada pelo caminho.
-Papai!?
Ele continuou puxando-a de volta à feira. Sua respiração era ofegante e seu coração pulava. A escuridão - por mais que não fosse tão densa - lhe assombrava, como se sua própria sombra pudesse se pôr contra eles.
Os dois guardas responsáveis pelo portão estavam ali esperando, seus rostos expressavam apenas medo.
- Perdão, Senhor!
- Sim. Nós não a vimos sair...
- Comecem a prestar mais atenção!
O Rei a soltou próximo à uma criada, largando seu braço de uma forma violenta, mas não muito violenta, porque ele nunca ousaria machucar um fio de cabelo de sua própria filha. A menina continha nos olhos uma mistura de culpa e curiosidade não extinta. Seu pai parecia assustado.
- Levem-na para dentro.
A criada acenou com a cabeça e tomou o pulso da menina, lhe guiando ao palácio. Todos observavam a cena e um burburinho tomava conta enquanto ela se afastava encarando o semblante do pai; Aqueles olhos verdes nunca demonstraram tanto pavor perto dela.
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Seus pés balançavam na poltrona, indo e voltando. Seus calcanhares batiam na parte inferior desta, mas a força do baque era quase inexistente diante da agonia de seus pensamentos.
"Porque ele ficou tão preocupado? Eu só me afastei por um minuto. Será... que tinha algo que eu não vi lá?"
Dois toques rápidos foram dados na porta e ela abriu sem esperar nenhuma resposta. Lily se ajeitou na poltrona, cessando o movimento dos pés ao notar seu rosto cansado e com medo. Ele parou à frente dela, se abaixando e segurando em suas mãos. Ele sorria, mas não com um sorriso bom.
- Filha... - sua voz falhou. Ele apertou os olhos e respirou fundo. Lily também apertou os lábios, ela sabia que ele estava decepcionado - O que nós combinamos hoje cedo, hã? - ela continuou calada, lhe encarando, remoendo sua culpa em silêncio - Que você ficaria do meu lado, não é? - ele estendeu o braço até o rosto da garota, acariciando sua bochecha. Quando ele falava naquele tom calmo e dócil... Parecia que era apenas para entristece-lá - Eu fiquei muito preocupado, sabia? Você podia ter se machucado...
- Não aconteceu nada...
- Porque eu te tirei de lá! E se você tivesse andado um pouco mais e se perdido? E se alguma coisa te atacasse? - sua voz voltou ao tom preocupado.
- Quem poderia me atacar?
- Eu não sei! Ninguém sabe. É por isso que eu pedi pra você não se afastar de mim.
Um grande peso recaiu sobre o coração da garota; Ele estava realmente decepcionado consigo, e com razão. Ela abaixou a cabeça e respirou fundo, apertando as mãos do pai.
- Desculpa - sua voz saiu baixa e sua respiração pesada - Não queria te desobedecer.
A porta estava aberta e os guardas responsáveis por vigiar a princesa estavam espiando. Certamente contariam tudo para as criadas mais tarde. Àquele povo adorava uma boa fofoca.
- Por que você foi pra lá, minha florzinha? - ele colocou uma mecha comprida por trás da orelha da garota, mesmo que grande parte do cabelo já lhe cobrisse os ombros.
- Eu... senti o cheiro das flores da floresta. Queria pôr elas no jardim - sua voz continuava baixa como sua cabeça, ela se sentia tão desprezível - Desculpa - repetiu.
Um sorriso curto cobriu os lábios do rei que se aliviava. Ele realmente não queria culpá-lá.
- Tudo bem - sua voz saiu mansa, e ele ergueu seu queixo com dois dedos e um sorriso - Da próxima vez que quiser uma flor, me fale, ok? Eu consigo uma muda... Posso colher um vale de Margaridas inteiro se você quiser.
A menina sorriu com pesar, se sentindo ainda pior.
- Só uma flor basta.
O homem sorriu ainda mais, e se ergueu, lhe chamando para um abraço. Ela sorriu também e lhe abraçou, deixando que ele alisasse seus cabelos compridos enquanto depositava um beijo casto no topo de sua cabeça.
- Me desculpa, papai - repetiu outra vez.
- Está tudo bem, meu amor. Só não faça de novo, está bom?
- Sim. Eu... ainda posso ir ver a feira?
Um olhar de repreensão foi jogado sobre a garota, ela suspirou, abaixando novamente o rosto, mas o rei sorriu, mesmo que fora de sua vista.
- Pode sim, querida - ela ergueu o rosto com entusiasmo - Mas lembre do que acabamos de conversar. Vou pedir a um guarda pra te acompanhar.
A Princesa voltou a sorrir. O guarda era desnecessário, mas isso não tinha importância agora. Ela se ergueu na ponta dos pés, alcançando a bochecha esquerda do pai enquanto segurava em seus ombros - ele também se inclinou um pouco -, lhe dando um beijo.
- Obrigada, papai!
Ele riu e ela correu em direção a porta.
- Faça um lanche quando voltar!
- Sim, Senhor! - gritou ela.
Um mordomo adentrou o cômodo neste momento, trajava um uniforme colorido de gravata, jaqueta e colete.
- Com licença, Majestade - pediu fazendo uma reverência - Há um rapaz no escritório que deseja falar com o Senhor. Ele acabou de chegar na cidade.
- Um rapaz? - questionou - Ele deu nome?
- Sim, Majestade. Ele atende pelo nome de Remi.
- Remi?
Aquele nome lhe trazia lembranças, mas ele logo se voltou à razão.
- Bem... Vamos ver o que ele quer.
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Estava em um escritório pequeno e chique. De frente à porta havia uma mesa de madeira escura, com uma estante de cada lado e uma janela de vidro atrás. Atrás de si ficava uma pequena mesa encostada na parede, sobre a qual repousavam uma bandeja de chá, açúcar e biscoitos. Ele observava o grande quadro posto acima da mesa com flores e porta retratos à sua frente. Pareciam uma família feliz.
A falecida rainha era exposta com um sorriso sereno no rosto, os cabelos castanhos ondulados caindo sob os ombros. A princesa pequena e sorridente, cabelos dourados, mais do que os do pai. Ela era realmente linda, para sua infelicidade.
- Era você quem queria falar comigo, rapaz?
O jovem se virou, encarando o mais velho na porta. Seus cabelos eram compridos e estavam presos na nuca em um rabo de cavalo curto, seus olhos eram verdes, mas um verde bem claro e vibrante, como a grama do vale sob o brilho amarelado da manhã.
O rei caminhou até a mesa com calma, mantendo sua postura autoritária.
- Me disseram que você veio junto com os viajantes. Seus pais são vendedores? - ele olhou para o garoto, este continuava calado - Você me escuta, garoto? Por que não fala?
A última pergunta chegou ao rapaz em um tom de autoridade, mesmo que não o tivesse.
- Perdão - sua voz tomava o ambiente de um jeito frio, sólido e um pouco rouco. Seus cabelos cacheados encobriram o azul cinzento dos olhos - Acho que estou um pouco nervoso.
O monarca analisou o garoto de cima à baixo. Desde as botas de couro pretas até a gola alta do casaco cinza. Ele parecia assustado, mas havia algo nele que lhe despertava empatia, e gentileza. Então sorriu.
- Não precisa ter medo de mim, garoto. Eu não mordo - brincou, sentando-se atrás da mesa - O que queria me falar?
Hesitante, o cacheado respirou fundo. Seria melhor se falasse logo, sem enrolar ou discursar nada.
- Eu... sou seu filho.
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