Capítulo XXVI - Falha no enquadramento
Um dia depois de todo aquele carrossel de Bela e Chester e de Bela e Mike, o programa do verão com os Linkin Park foi retomado. Fomos levados até uma galeria de arte situada na baixa de Los Angeles para participar na exposição de fotografias da autoria do Joe Hahn.
O evento fora sugerido pelo próprio DJ. No dia anterior, como era habitual, fomos inundados de mensagens instrutivas sobre o que fazer, o que vestir, como agir. Para quem quisesse foram disponibilizadas roupas próprias para a ocasião, menos requintadas do que para uma gala noturna, mas ainda assim elegantes e de bom corte – vestidos para as mulheres, calças e camisas para os homens. Ainda bem que não nos apresentaram smokings. Nunca mais vestiria um smoking. Tinha-me sentido engaiolado, como se usasse um daqueles espartilhos antigos que modelavam as cinturas femininas. Talvez estivesse a exagerar, mas estava muito traumatizado para considerar essa farpela nos próximos, digamos, vinte anos da minha existência.
Uma cabeleireira profissional foi até à mansão para arranjar os cabelos das meninas, acompanhada de uma esteticista que lhes fez as unhas e de uma maquilhadora que as pintou. E nós, homens, ficámos à espera que elas se despachassem num tédio infinito, quando nós nos vestimos em cinco minutos. Fomos salvos pelos respetivos telemóveis e pelas redes sociais.
Era dois de agosto e estava um dia soalheiro, límpido e convidativo. As nuvens tinham-se definitivamente afastado. A luz ficara, porém, mais gloriosa do que antes. Entrava um novo mês e teríamos mais vinte dias para aproveitar as nossas férias pagas na América.
A galeria de arte era um espaço arejado situado no rés-do-chão de um antigo armazém recuperado. A frente que abria para a rua era composta por janelas amplas que formavam uma montra para que os transeuntes vissem o que estava a acontecer no interior. Só se entrava com convite, pelo que quem passava podia ver, mas não podia participar. Por cima aproveitara-se o armazém para criar gabinetes de produção de arte que eram arrendados a diversos artistas.
Depois de devidamente credenciados pelos convites gravados no telemóvel do John, fomos acolhidos com uma bebida alegre, cheia de pequenas bolhas, que tinha o champanhe como base e mais qualquer coisa doce dentro. À esquerda ficava uma mesa comprida, coberta por uma toalha branca, repleta de canapés, bolinhos e decorações esculpidas em gelo. Ao fundo, sobre um pequeno tablado, estava um piano de cauda e o respetivo pianista que tocava temas musicais adaptados ao instrumento. Reconheci Crawling e tive de suster uma risada. Havia floreados a mais na melodia e era tudo exagerado para parecer erudito.
O Mr. Hahn estava na entrada a receber os convidados, acompanhado do dono da galeria de arte, um homem efeminado, esguio, com o cabelo aloirado lambido de gel, que sorria de forma afetada e murmurava palavras avulsas ao ouvido do coreano.
Foi também o Mr. Hahn que nos recebeu, um por um, apertando-nos calorosamente a mão. Reparei no cartaz que anunciava a exposição de fotos. Uma tela branca fixa no teto e no chão por cabos rígidos de metal prateado, com o título da mostra, An intimate look at nothing, uma designação bastante provocadora que me agradou. Ao lado da frase havia uma fotografia do Mr. Hahn ampliada, que ocupava três quartos dessa tela. Via-se apenas um olho, parte do nariz e o canto da boca arrebitado num esgar de perplexidade e gozo. Reconheci a fotografia – fora eu que lha tirara naquele dia da sessão fotográfica com a banda. Senti-me homenageado, e também vaidoso e espantado.
– Olá, André – disse-me o Mr. Hahn piscando-me o olho. – Espero que gostes do meu trabalho.
– Vou adorar de certeza.
– Obrigado. Boa exposição!
– Obrigado eu. – E pisquei-lhe o olho de volta.
Uma mulher vestida com um sóbrio saia-e-casaco cinzento entregou-nos uma brochura explicativa sobre o circuito que deveria ser cumprido para melhor aproveitarmos a magia daquele "olhar intimista sobre nada", com uma explicação breve sobre as fotografias principais que realçava o que o autor quisera dizer com a imagem. Reproduções das fotografias podiam ser adquiridas, fazendo a encomenda online através de uma app no telemóvel, que seriam levantadas naquele mesmo dia, em balcão próprio, ou enviadas para uma morada – as instruções para a compra também constavam da brochura e o preço da reprodução estava discretamente indicado junto a cada fotografia.
Enrolei o papel e guardei-o no bolso da minha camisa. Fui buscar um canapé. Escolhi uma pequena bolacha fina e crocante com uma mostarda aromatizada de ervas e uma bolinha de um queijo forte, tudo decorado com uma lâmina de chocolate amargo. Engoli dois desses, a combinação agradou-me ao palato. Bebi o resto da minha bebida e deixei-me ficar junto à mesa, nesse posto de observação. Definia o cenário a partir dali. Perto, mas suficientemente longe para não me contaminar.
Todos os Linkin Park estavam lá. Mike com a esposa Anna, Phoenix com a esposa Linsey, o Rob a conversar com a Heidi que era a esposa do Mr. Hahn, o Chester com a sua ex-mulher Talinda, que, pelos vistos, gostava ainda de acompanhar o ex-marido nestes eventos sociais que lhe fizessem publicidade. Ela era uma mulher vistosa, sem dúvida, e ilustrava muito bem qualquer revista de mexericos. Deveria estar também a lucrar com a montra proporcionada pela fama do músico que era pai dos seus três filhos, de certeza, para algum projeto pessoal ou semelhante, pois constava que ainda mantinha o apelido Bennington. Por fim o Brad, que estava com a sua prima Clara. Muito bem. Era o que eu esperava, admitia-o. Queria ver a Clara outra vez. Que belo par de mamas, por todos os deuses do Olimpo!
Obriguei-me a parar. Estava a ser desrespeitoso e continuava a ser um convencido de merda. Admirar-lhe as mamas dessa forma ávida não me tinha levado a lado nenhum. Não fui capaz de seduzi-la outra vez e ela praticamente tinha-me ignorado na gala de prémios. Por isso, se queria apalpar novamente aquelas mamas tinha de ser mais inteligente do que um grunho que salivava por apêndices mamários inalcançáveis.
Agarrei noutro copo, desta feita com uma bebida azulada e doce que sabia a pastilha elástica. Descartei-a na próxima bandeja que passou por mim. Preferia a outra misturada com champanhe. Todas as bebidas da exposição seriam aquelas mistelas doces e coloridas? Limpei os lábios com a língua e admiti que me apetecia um pouco de álcool. Não muito, só uma insinuação, para poder sobreviver ao desafio de estar no mesmo lugar com a Clara Delson. Ainda tinha de lhe perguntar o apelido, que até podia nem ser Delson. Mas isso interessava-me porquê? E ela podia nem prestar o esclarecimento, estava no seu direito de ser reservada em relação ao português que a tinha comido na casa-de-banho de um clube noturno de Long Beach.
Para além dos Linkin Park, estavam outros convidados – amigos, conhecidos e familiares do Mr. Hahn. Uma pequena multidão que se agregava em redor dos expositores das fotografias, placas acrílicas espalhadas pelo recinto com as ditas do tamanho de pequenos ou grandes quadros conforme o impacto pretendido. Curiosamente, as imagens com mais detalhes eram menores do que aquelas que tinham pouco para mostrar, para forçar a análise de quem estaria realmente interessado nos seus segredos.
A equipa da LPTV movia-se discretamente pelo ambiente. Admirava o profissionalismo do Joe, do Jake e do Jimmy. Esforçavam-se para serem invisíveis. E alcançavam muitas vezes esse objetivo.
Os fãs tinham, entretanto, dispersado pelo piso, procurando interagir com os demais. A Lara, como habitualmente, destacava-se com os seus modos exagerados e impositivos. Já tinha dois homens desconhecidos a meterem conversa com ela. A russa ria-se, sedutora e matreira. O Matteo acompanhava o Henry e tinham começado pela razão de estarmos ali. Os dois mostravam-se bastante interessados nas fotos que analisavam e comentavam. A Lia e o Chris conversavam com o Phoenix, devia ser um assunto muito divertido porque sorriam muito uns para os outros, numa postura descontraída. Eu preparava-me para ir atrás do italiano e do texano, também queria ver as fotos e era o que valia a pena, a razão máxima da nossa presença ali, quando senti um toque no braço.
– André... por favor, fiquei comigo – implorou a Bela nervosa. – Que coisa mais chique.
– Está bem – concordei imediatamente. – Já fiz a avaliação prévia e sei onde estão os perigos.
– Que é que você 'tá dizendo?
Dei-lhe a mão.
– Ficas bem se ficares comigo. Vamos misturar-nos, que é como vejo fazerem nos filmes. Somos convidados e vamos ser elegantes e espirituosos. É também como vejo fazerem nos filmes. Ninguém pode saber quem nós somos na vida real. Isto é só um teatro e somos todos atores. Aposto que metade desta gente se veste pior do que tu quando estão nas respetivas casas, e não tomam banho com frequência. Os estrangeiros costumam ser assim. Porcos e superiores.
– André! – riu-se ela. – O que você 'tá insinuando, por amor de Deus?
– Ah, e ainda não te disse... Estás linda! Por favor, mantém o queixo erguido.
– Certo.
Para desfazer todas as dúvidas, conduzi-a comigo para onde estava o casal Shinoda. Ela percebeu as minhas intenções. Ainda me puxou ligeiramente o braço para fazermos um recuo estratégico ou uma inflexão brusca, mas mantive a mão dela presa na minha. Trouxe-a comigo até ao Mike, que a olhou com uma indiferença cuidadosamente estudada.
– Olá, Mike. Boa tarde, senhora Shinoda. Está muito bonita hoje – disse eu com um sorriso polido.
– Oh, muito obrigada meu querido – replicou ela.
– Boa tarde, André – disse o Mike. – O Joe disse-me que gostas de fotografia...
– Adoro. Estou muito feliz por ter a oportunidade de conhecer o trabalho do Joe... do Mr. Hahn.
– Vais comprar alguma das suas fotografias? Dão quadros decorativos excelentes.
– Se alguma me agradar, comprarei uma reprodução, sim. – Não tinha pensado nessa despesa extra, mas logo iria perguntar ao John Halloway se era possível fazer a compra e incluí-la na conta do programa. Não me podia pôr com gastos extraordinários. Continuava pobre, apesar de sortudo.
– As explicações sobre cada foto estão na brochura. – Mike apontou para a minha, enrolada num tubo, enfiada no bolso da camisa. – Mas já que contamos com a amável presença do fotógrafo na sessão, aproveita para lhe fazeres as perguntas pessoalmente sobre as tuas favoritas.
– Farei isso, Mike. Obrigado pela dica.
– Olá, Bela. Como estás? – cumprimentou o Mike.
O Rob fez-me sinal e aproximei-me do baterista, largando provisoriamente a Bela com os Shinodas. Achei que ela estava suficientemente calma para dar conta do recado. E ela tinha mesmo de enfrentar as feras e olhá-las nos olhos. Melhor dizendo, enfrentar a única besta daquela história que ela estava alegremente a construir, a Anna Shinoda.
– Oi, Rob. O que contas?
– Tive uma pequena discussão com o Brad e gostaria que me esclarecesses...
– Ah, sim?
Entrei em pânico. Espreitei o guitarrista que colocava o seu braço em redor da cintura da sua prima Clara numa atitude protetora. Ela tinha as pernas à mostra, mais uma vez. Gostava bastante, pelo que percebi, de usar vestidos curtos. E aquelas coxas eram tão quentes, e vibraram alegremente quando eu as tinha tocado, e contraíram-se deliciosamente naquele movimento para cima e para baixo quando ela tinha o meu pau enfiado nela... Fiquei com uma súbita sede.
Lembrei-me que tinha Rob à minha frente e que ele tinha insinuado que conversara alguma coisa com o Brad. Eu estava prestes a fugir aos gritos se porventura essa coisa estivesse relacionada com a Clara, e com o clube de Long Beach, e com uma casa-de-banho.
– Sim, sim – disse Rob. – O Brad diz que a foto do Joe que ilustra a exposição, aquela que está à entrada, foi tirada por ti, e eu disse que não. Estávamos aqui numa teima. Só tu nos podes esclarecer.
– Ah! Era isso? – Suspirei de alívio e ele notou.
– Sim, era isso. Porquê? Podia haver mais alguma coisa?
– Não, não. Claro que não – apressei-me a negar. E esclareci: – Sim, fui eu que tirei essa foto ao Mr. Hahn. Viste o John Halloway? Preciso de lhe fazer uma pergunta.
– Porra, perdi a aposta.
– Tinhas apostado sobre a autoria da foto?
– Eu e o Brad costumamos fazer apostas destas e eu perco sempre. É incrível.
A Bela juntou-se a nós e cumprimentou o Rob, dizendo que ele era muito charmoso. O baterista riu-se, um pouco constrangido, porque a Bela estava a competir no mesmo campeonato da Lara, mas com menos extravagância e com mais educação. Estavam as duas muito bonitas e faziam voltar as cabeças na sua direção.
O Rob pediu licença e saiu de ao pé de nós. Agarrei em dois copos de champanhe, só champanhe, sem aquelas misturas que estavam a ser servidas.
– Estou impressionado. O que é que fizeste com ele? – perguntei, dando um gole na minha bebida.
– Ao Rob? Não fiz nada, ué...
– Ao Mike. Ele não para de olhar para cá...
– Ao Mike também não fiz nada – respondeu-me sonsa.
– Amiga, eu sei que se comeram. Uma mulher não consegue disfarçar isso. Até o cheiro muda.
– Não posso! Você não 'tá falando sério! Está?
– Claro que estou a falar a sério.
– André, não conta p'ra ninguém, por favor.
– Oh, sim... vou já a correr contar à Lara. – A minha boca torceu-se e assegurei: – Claro que não conto a ninguém.
– É que... existe um probleminha.
– Um probleminha... Que probleminha? Não me tinhas dito que o Mike também estava apaixonado por ti? Então é porque ele está disposto a deixar a Anna e terminar com o seu casamento...
– Chiu! Por favor, não fale tão alto.
– Estamos a falar em português. Ninguém vai perceber – disse e revirei os olhos.
– Nunca se sabe.
– Está bem. Qual é o problema?
– A Anna... ela... ela 'tá grávida.
Assobiei, admirado com essa informação. Bebi mais um gole de champanhe.
– Tem cuidado, então... – Tornei-me sisudo. – O Mike está a sério contigo? Ou seria mais uma cena igual à do Chester? Uma aventura de verão e no fim cada um vai para o seu lado depois de um sexo fantástico? Não que seja do feitio do Mike fazer isso, atenção. Acho que o Shinoda tem outro tipo de abordagem à parte romântica da sua vida, mas depois de um casamento de merda... porque ele só pode estar a ter um casamento de merda para considerar deixar a mulher com quem está casado há não sei quantos anos, pode saber-lhe bem andar a comer aqui e ali sem qualquer compromisso. Acho que é isso que o Chester anda a fazer, pós-Talinda, e ele parece-me satisfeito com essa opção. Talvez o Mike lhe tenha pedido uns conselhos nesse departamento e o Chester disse-lhe que, depois de um divórcio, não se deve amarrar logo à primeira que lhe aparece à frente. Um pouco de diversão também faz bem. Umas quecas bem dadas, umas noites bem passadas e mais nada. O Chester e o Mike são muito amigos um do outro, como sabes.
Ela olhou-me de lado e não respondeu. Afastou-se num andar bamboleante, que ficava muito bem naquele vestido justo azul que usava. Ficara ofendida com as minhas insinuações de que, muito provavelmente, o Mike só estava a divertir-se.
Encolhi os ombros.
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