Capítulo XXII - Luzes que ofuscam
Precisamente... A Clara. A minha Clara.
Repeti, para ter a certeza de que não estava a imaginar.
O Brad estava de mão dada com a Clara.
Limpei a garganta tão seca quanto o deserto do Arizona. Reparei que havia empregados discretos a cirandar entre os convidados, trajados de branco e preto, a carregar bandejas onde se erguiam flutes com champanhe borbulhante. Agarrei num dos copos esguios, bebi-o de uma vez só, deixei-o sobre a bandeja seguinte. Encaminhei-me para uma escadaria de degraus largos forrados de alcatifa que se encaracolava artisticamente até ao piso superior, iluminada por candeeiros no estilo de art déco. Não iria subi-la, era só para me distrair e disfarçar, a fingir que admirava a peça arquitetónica.
Espera! A Clara não era minha. Era a Clara que eu tinha encontrado no clube e com a qual tivera uma sessão de sexo sem compromisso. Não sabíamos quem éramos, despedimo-nos sem aprofundar esse conhecimento. Apenas os nomes, nada de apelidos. Nem sequer houve troca de telefones. Nada... Uma aventura de uma noite, uma saudade imensa daquele par de mamas e daquela rata quente e apertada... E pronto, era só.
Agora, revia a Clara na festa de gala que iria premiar os Linkin Park... e ela estava de mão dada com o Brad! Porra! Eu tinha comido a namorada do guitarrista? E se ela era a namorada do Brad, por que motivo não estivera na plataforma connosco, no clube? E foi ela que me convidou para fazer sexo, foi ela que me levou para a casa-de-banho, foi ela que começou com aquele broche...
Mas o que estava eu a pensar? Era tão depravado quanto ela ao ter aceitado o convite. Podia ter dito que não. Olha, querida, não te conheço de lado nenhum, não me parece que seja certo darmos uma rapidinha, comigo sentado em cima do tampo da sanita da casa-de-banho das mulheres deste clube...
Mas quem estava eu a querer enganar? Tinha gostado imenso da escapadela! Ao ponto de ter ereções só de me lembrar daquelas mamas perfeitas. E estava a ter uma ereção agora. Merda! Precisava de me acalmar.
Bebi um segundo copo de champanhe.
Tinha mesmo de me acalmar. Fora estúpido e leviano ter largado a mão da Bela. Se continuasse com a brasileira escapava-me do encontro imediato com a Clara. Porque iria acontecer, mais cedo ou mais tarde durante aquela noite. Não me conseguiria esconder para sempre e ela haveria de me topar, assim como eu a tinha topado.
Fiquei curioso... Como iria a Clara reagir quando me visse? Aqueles grandes olhos castanhos haveriam de me contemplar com doçura, mas, por dentro, haveria de ficar toda húmida ao lembrar-se da nossa foda.
Ah! Tinha também de parar de ser convencido. Eu não era ninguém ao pé de Brad Delson, o guitarrista dos Linkin Park. Talvez essa fosse a melhor estratégia – saber que eu era ínfimo na vida dela. Foi só um encontro casual e cada um fora à sua vida. E continuávamos realmente cada um na nossa vida. Simplificava bastante a próxima abordagem ao problema.
– Ei, André! – chamou-me Henry. – Estamos à tua espera. Só faltas tu. Temos de tirar a fotografia de grupo e seguir para o salão onde vamos jantar.
– Sim, sim. Estou a ir.
Passei pelo Dave que comentava com o Mr. Hahn como a Clara estava cada vez mais bonita. Uma espécie de gelo entrou-me no sangue e descoordenei os passos. A culpa corroeu-me, mais uma vez, esgravatando a minha autoconfiança. Tentei esconder-me atrás do Henry, à medida que nos posicionávamos para a foto de grupo que juntaria o clube dos sete e a banda dos seis. Sem mais ninguém. Treze almas que se misturavam como se pertencêssemos ao mesmo mundo. A fantasia que se montava naquela gala, no fundo.
O Dave acrescentou e eu ouvi:
– O Brad deve estar muito orgulhoso da sua prima. Mas também a deve guardar bem. A moça é cobiçada. Já vi um ou outro olhar predador.
O Mr. Hahn riu-se e eu arquejei. Prima?! A Clara é a prima do Brad! Ah, certo! É da família! Suspirei de alívio. Um peso levantou-se dos meus ombros. Por outro lado... o guitarrista podia não gostar de saber das liberdades que eu tomava por considerar a sua parente como minha, e outros disparates que acabara de pensar.
Tirámos várias fotografias, dispersámo-nos a seguir. O Mike dava uma pequena entrevista ao Joe da LPTV. Falava de forma entusiasta sobre o programa do verão. Era um bom ator, cogitei, porque antes estava com cara de enterro ao lado da sua mulher.
– Onde é que você estava, porra? Sabe que não pode abandonar sua acompanhante? É desrespeitoso.
A Bela tinha-me encontrado e estava zangada, com toda a razão, por eu a ter largado no meio das feras. Na verdade, ela também se tinha escapulido da minha mão.
– Desculpa. Aconteceu um imprevisto – disse-lhe.
– E que imprevisto seria esse a ponto de sumir?
– Ela está aqui, Bela.
– Ela quem?
– A Clara. A mulher com quem fiquei na outra noite... no clube.
– Minha nossa... Mas, onde ela está? Como pode ela estar numa festa como essa?
– Não sejas indiscreta, por favor. Ela é a prima do Brad. Está com ele, a acompanhá-lo. Estás a ver?
– No way...
A Bela agarrou em dois copos de champanhe e entregou-me um, levando o outro à boca.
– Cuidado com a bebida – avisei-a. – Disseste que não voltavas a exagerar, depois da noite no clube.
– Hoje eu mereço e com certeza você também, amigo.
– Isso é verdade. – Bebi um trago.
– E vocês se encontraram? Me conta tudo.
– Fugi antes que ela me pudesse ver. Não sei como vai reagir quando me ver, se me vai reconhecer, se... não quis descobrir, para já. Primeiro pensei que ela era a namorada do Brad, depois o Phoenix comentou que eram primos e fiquei mais aliviado. Porra, se eu tivesse fod... comido a namorada do Brad estava já com as malas preparadas para ir-me embora, aposto. Expulso do verão! Banido para sempre da América!
– Cacete! Você não pode ir embora.
– Acho que me safei... é a prima do Brad, não é a namorada. E tu, como estás? O Chester está com a ex-mulher dele e o Mike... bem, o Mike está com a esposa.
– Estou mal. Me sentindo uma idiota.
– O Mike olha muito para ti. O Chester também.
Ela riu-se
– Mike está com a Anna, sorrindo para todos os lados de mãos dadas com ela.
– Sorri para todos os lados... mas olha é para ti.
– E olha para as outras!
– Os sorrisos do Mike são todos falsos. O homem está muito tenso. Não reparaste?
– Sinto falta dele, André – admitiu a Bela com um suspiro.
– O que foi que aconteceu... entre ti e o Mike?
– Ele ficou chateado comigo depois de me ver com o Chester, no clube. Ficou muito estranho. Sinto falta dele, André. O Mike, ele... está frio e me trata como trata as outras fãs. E agora parece que está tudo muito bem com a esposa, ou... Na verdade, sempre esteve e eu estava sendo só um passatempo mesmo.
– O Mike não me parece do tipo que se aproveita das pessoas. Ele costuma ser honesto e bastante correto. Se andou a meter-se contigo... talvez, ele quisesse... Olha, não sei. Tu saberás melhor do que eu.
– Também não é do tipo que trai a esposa e se apaixona pelas suas fãs. Olha, sinceramente? Estou confusa e não sei mais o que pensar...
– Não penses. Vamos divertirmo-nos.
– Será? Não sei se consigo me divertir, André.
Tirei-lhe o copo de champanhe meio bebido da mão e devolvi-o, juntamente com o meu, a uma bandeja que passava por nós.
– Vais conseguir. Estás comigo, querida. Hoje és a minha rainha.
O salão onde iria acontecer a entrega de prémios propriamente dita era gigantesco, um lugar enorme sustido por colunas que mais parecia um hangar onde caberiam, à vontade, três aviões. Ao fundo existia um palco iluminado por holofotes coloridos, decorado com uma estrutura arrojada de acrílico e plástico a imitar metal. Atrás havia uma enorme tela que se podia recolher, onde iriam ser passadas imagens dos nomeados, dos vencedores, de alguns vídeos musicais. Por todo o espaço existiam mesas redondas para sentar os convidados da celebração.
O John indicava-nos uma mesa onde nos sentaríamos com ele. O Brian e a Amy ficariam com o Joe, o Jake e o Jimmy da LPTV, mais as suas três acompanhantes, para pena do Henry que estava a adorar conversar com o Brian. Os Linkin Park dividiram-se por duas mesas, porque eram doze ao todo.
O jantar foi servido, um repasto composto por duas entradas diferentes, um prato principal e a sobremesa. Enquanto comíamos, a animação esteve a cargo de bandas que ocuparam o palco e tocaram para aquela estranha audiência, que estava mais interessada em comer e em conversar, do que em ouvir a música. Eram bandas principiantes, contou-nos o John, e apresentarem-se ali, mesmo que conquistassem pouca atenção, era muito importante para as suas carreiras que estavam começar.
Durante o prato principal, a banda em palco fazia versões de músicas famosas, travestindo-as de sonoridades pouco habituais que disfarçavam a sua origem. No entanto, a Lia captou o tema. Dobrou os braços pelos cotovelos e estalou os dedos, imitando o ritmo.
– Adoro esta música – disse, cantarolando a letra.
– Eu também, amor – concordou Chris, e beijou-a nos lábios.
– Credo! Vocês são tão doces que enjoam – atirou a Lara desdenhosa.
– Ei, Lara! Onde está... o teu namorado? – provocou Henry.
– Vai-te foder, Henry – rosnou a russa.
– Meninos! Cuidado com a linguagem – advertiu John.
– Porque é que não estamos na mesa com os Linkin Park? – questionou Matteo, amargo.
Bebeu o seu copo de vinho tinto e ia agarrar na garrafa para tornar a enchê-lo, mas o Chris afastou-lha do seu alcance.
– Estás a beber demais, amigo. Tens de ir com mais calma. Estamos num baile e não vamos estragar a festa.
– Não é um baile, Christopher! – avisou Lia escandalizada. – É uma gala.
– Não é a mesma coisa?
– Não, querido. Os bailes ainda vão acontecer depois, festas privadas promovidas por alguns músicos e os respetivos empresários. Agora estamos a aproveitar a comida, vamos ver a entrega dos prémios. A seguir... para fechar a noite, vem a parte melhor. Aquelas festas em que vale tudo ou quase. Tens de ser visto na companhia deste ou daquele para continuares a estar no grande jogo. Os Linkin Park também foram convidados para as festas pós-cerimónia, John? Nós iremos com eles?
– Ninguém vai a nenhuma festa pós-cerimónia – esclareceu John sério. – Se algum dos membros da banda foi convidado, foram notificações pessoais que não se relacionam com a banda em si e, portanto, com o programa do verão. Como muito bem disseste, menina Lia, tratam-se de festas privadas, apenas para pessoas bem relacionadas e com interesses na indústria.
– E nós somos reles fãs – observou Matteo.
– Não somos reles fãs – corrigi, incomodado com a desilusão do italiano. – Somos os fãs mais sortudos dos Linkin Park porque ganhámos um concurso onde participaram milhões de outros fãs. Temos de aproveitar todas as ocasiões que nos estão a ser proporcionadas. Estar aqui, nesta gala de entrega de prémios, vestidos como príncipes... e como princesas, tratados como atores de Hollywood, a comer esta comida ótima e este vinho excelente, já é mais do que qualquer fã normal da banda podia aspirar. Temos de estar gratos por termos tido esta magnífica oportunidade.
– Falaste muito bem, André – apoiou a Bela.
Fizemos um brinde e o Henry passou a animar o Matteo, que, durante a sobremesa, já sorria e contava algumas anedotas.
As bandas principiantes libertaram o palco e um apresentador informou-nos de que faltavam vinte minutos para a cerimónia começar. Estimava-se que demorasse cerca de hora e meia, mais uma atuação de vinte minutos a fechar a noite que seria anunciada mais tarde. O John disse-nos que quem quisesse levantar-se e esticar um pouco as pernas, servir-se das casas-de-banho, ir fumar um cigarro, agora era o momento. Nas próximas duas horas tínhamos de estar nos nossos lugares.
Levantei-me, encaminhei-me para o hall. Nos lavabos masculinos, conferi no espelho se o laço continuava alinhado. Estava tudo no seu devido lugar. Regressei pelo mesmo caminho para o grande salão.
– Boa noite.
Aquela voz travou-me. Eu conhecia aquela voz...
Voltei-me devagar, para não espantar a minha presa, ou para não fazer aquele movimento brusco que motivaria o ataque do predador. Naquela fase não sabia muito bem qual era o meu papel naquele teatrinho.
A Clara sorria-me e estava à minha frente, em carne e osso. Deitei um breve olhar às suas mamas. Porra, que eram mesmo apetitosas...
– Boa noite, Clara.
– Oh, lembras-te do meu nome.
– Então, voltamos a encontrar-nos.
– Assim parece.
– Afinal, podias ter ido visitar a minha festa privada no clube. Conhecias um dos anfitriões – disparei. Os rodeios, naquele caso, só iriam prejudicar-me.
– Só soube mais tarde que o meu primo estava lá. Não tinha saído com ele nessa noite, estava com amigas. Hoje estou com ele porque me convidou, e eu não digo que não a um jantar gratuito e a um pouco de entretenha. É sempre divertido assistir a este tipo de coisas. Coleciono uma série de... pecados.
A explicação soou desadequada, porque eu não precisava das suas justificações. Mas fora eu que lançara a acusação e ela quisera explicar-se. Era estranho voltar a vê-la. Ela talvez sentisse o mesmo. Apontei as portas duplas abertas que levavam à galeria de acesso ao grande salão.
– Temos de voltar lá para dentro. A cerimónia está quase a começar.
– Oh, claro que sim. Entramos... juntos?
– Porque não? Não nos conhecemos de lado nenhum.
Ela fez uma careta. Não gostou da minha piada. Empinou o nariz e andou mais depressa do que eu, ignorando-me completamente.
Para ser sincero, nem tinha a certeza se ela sabia quem eu era. Lembrava-me do seu nome, mas ela não fez menção de referir o meu. Podia até ser Andrew, ela que me chamasse de Andrew, não me importava com a adulteração da pronúncia do meu nome. Depois achei que devia importar-me. Ou lembrava-se de como eu me chamava ou a foda não tinha sido tão memorável.
Fiquei desapontado.
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