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Capítulo O2- A Cria

"Há um prazer nas florestas desconhecidas;

Um entusiasmo na costa solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo e música pem seu rugir;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza..."

Lord Byron

— Mephisto? - Levantei uma sobrancelha. - O que o traz aqui?

Mordi a bochecha, suspirando ao olhar seu rosto quase esquecido. Seus olhos cinzentos estavam escuros, semicerrados, perdidos em uma óbvia loucura sangrenta.

Não pude deixar de me afastar um passo.

— Ora, tenho um grande apreço por bons modos. - Seus grandes olhos aparentavam inocência para quem não o conhecia, facilitando a captura de suas presas, mas não enganava a mim. Fez um círculo perfeito à minha volta, voltou a me encarar e fez uma voz melosa. - Não seja mau comigo, sabe que sou sensível.

— O que quer? - Fiz o possível para que minha voz não tremesse.

— Eu senti sua falta mestre. - Se aproximou. - Não acha que a cria sempre tem um laço com o criador?

— Não senti a sua. Se era só isso, vá embora antes que eu perca a paciência. - Rosnei.

— Mas eu soube que estava procurando companhia, estou aqui para ajudá-lo com isso. - Se aproximou mais, mas o empurrei com a bengala, pressionando-a em seu peito.

— Não quero você como companhia. - Disse com amargura, e seu rosto murchou. - Estou dizendo, vá embora.

— Oh, mas o senhor é tão frio.- Segurou a ponta da bengala e a pressionou mais em sua pele, de modo que o ferisse, continuando a fala com uma voz arfante. - Isso me machuca. Sou sua cria, seu filho, seu cúmplice, seu amante. Se não sou isso, o que mais eu seria?

— Um vampiro insano que quase revelou á uma cidade inteira a nossa existência, um vampiro louco que foi capaz de me decepcionar mesmo depois de todos os seus erros que relevei. - Tirei a bengala de suas mãos e o puxei bruscamente pela gola da roupa. - Sabe quantas pessoas eu tive que matar para acabar com seus rastros? Quantas regras eu quebrei?

— Mas isso foi só um acidente, nunca mais se repetiu. - Ele piscou um pouco os olhos e colocou a mão na testa, seus ombros trêmulos como se sentisse um desconforto, mas logo voltou a me olhar com aquele sorriso sorrateiro. - Eu não matei mais ninguém de forma óbvia, sempre acabo com o corpo.

— Não confio em você. - Sussurrei e o empurrei. - Nosso assunto se encerra agora. Desapareça antes que o sol nasça.

Me virei e corri em alta velocidade, não por pressa, mas para que ele não me acompanhasse. O conhecia como a palma desgastada de minha mão, sabia bem que ele estava vindo sorrateiramente até mim, apesar da pouca idade e fosse mais fraco que eu.

Talvez ele estivesse falando a verdade, ou porventura ele sentisse mesmo minha falta. Confesso que também senti certa melancolia ao lembrar de seu nome, mas a confiança que tinha, não era à mesma. Mephisto não era como eu, era imprudente, ambicioso e bárbaro quando se tratava de suas caças, todos os resquícios de humanidade que ele tinha no início de sua transformação, se foram com o vento, e não há um dia que eu não me arrependa do que fiz, pois ele não tinha o espírito e corpo fortes o suficiente pra receber meu sangue.

A loucura tomou conta dele e e eu não pude fazer nada.

Quando cheguei na floresta, parei bruscamente de correr e segundos depois um barulho se espalhou. Percebi que Mephisto com sua corrida estabanada, bateu em uma árvore.

— Você não cansa de ser patético? - Retirei a cartola enquanto ele se levantava rápido e percebi que sua alta regeneração cuidava da jugular quebrada quando ouvi o estalo do osso voltando ao seu lugar.

— O senhor não me deu outra escolha! - Provavelmente ele havia perdido a cartola em algum lugar. Caminhei em sua sua direção e tomei seu rosto em minhas mãos, observando o lugar roxo e esverdeado voltando a cor rosada. - Eu só queria a companhia do Mestre.

— Não dei? Fui bem claro quando disse que deveria ir. - Me afastei e voltei a andar enquanto ele me seguia novamente, retirando folhas enroscadas nos fios de seus cabelos. - Por que realmente está aqui? O que você está tramando?

— O senhor se sentiu feliz quando me viu não foi? Sei disso, pude notar!

— Eu já estava feliz quando me encontrou, isso disfarçou a decepção e o asco que me dominaram quando o vi. - Seu sorriso se desfez aos poucos, mas depois soltou uma gargalhada.

— Está mentindo! Posso ver! Oh... Se regozija tanto por ser um vampiro milenar, mas não sabe ao menos mentir. - Me virei para observá-lo. - Sentiu minha falta. Não pode negar, temos um laço, um pecado em comum!

— Diga a verdade, seja sincero uma vez em sua vida miserável e diga o motivo de voltar a mim. - Com grande rapidez, suas mãos seguraram a borda do meu sobretudo e aproximou seu rosto, tanto que sua respiração batia em minha testa.

— Desde que me mandou embora, tenho vagado sozinho, com medo de que os vampiros anciãos saibam o que fiz. Porém fico feliz que eles ainda o queiram ao lado deles. -Seus olhos se arregalaram e embargou a voz. - Eu me sinto tão escarmentado... Dê-me uma chance de redenção. Não vou mais decepcionar o Mestre.

— Eu não posso. - Disse pausadamente afastando suas mãos. - Você me decepcionou várias vezes criança, mesmo eu tendo perdoado suas falhas, você fez novamente, de novo e de novo.

— Eu era imaturo! - Disse entre dentes.

— E o que o fez mudar? - O empurrei, fazendo suas costas baterem violentamente em uma árvore, segurei seu pescoço e deixei minhas unhas deslizarem pela pele dura e lisa. - Você continua imaturo e desobediente! Eu o mandei embora, e o que fez?

— Eu-

— ... Continuou aqui me aborrecendo, e ainda me seguiu. Sou benevolente com aqueles que merecem Mephisto. Me viu furioso uma vez, não queira ver novamente. - Apertei as unhas em sua carne, e deslizei pelo seu rosto enquanto tentava se soltar. - O lado ruim de incentivar a ira de seu criador, é que a única coisa além de mim que pode te ferir, é o fogo. Então pegue essa nova cicatriz e vá embora de uma vez.

O Envolvi com os braços, observei a pele brilhante e bronze de seu pescoço longo e me permiti trazer as lembranças do prelúdio, de quando comprei Mephisto de um homem que o havia ganhado quando seu pai, um alcóolatra e viciado em jogos, o perdeu em uma aposta. Minha pequena cria tinha apenas quinze anos na época e várias marcas de violência sobre a pele queimada pelo sol. Lhe dei tudo, estudos e amor, um amor indescritível que senti e ainda sinto por ele. Consigo ver toda essa miscelânea de sentimentos enquanto o sangue quente e doce que vinha de dentro de seu corpo banhava minha língua, infelizmente a vergonha cora meu rosto quando lembro a minha motivação de ter criado Mephisto. Não pretendia fazer a mesma coisa com Bóris, não! Não iria cometer o mesmo erro.

Seu corpo amolecia dentro de meus braços, podia ouvir seus suspiros e o sentimento de culpa que corria junto com seu sangue. Despertei do transe quando seus dedos de enterraram em minha nuca, então me afastei e limpei minha boca que escorria sangue com a manga do sobretudo.

— É o suficiente. Nossa conversa acaba aqui.  - Antes que eu terminasse a frase, Mephisto se foi, me deixando suspirar em paz. Limpei com o pano do bolso o pequeno suor de sangue que insistia em sair dos poros de minha testa. Esperava que não tivesse visto meus devaneios enquanto bebia seu sangue, ele não deveria saber de Bóris.

Quando tive certeza de que o rastro de Mephisto tinha desaparecido, migrei para o castelo, trancando todas as portas, fechando as janelas e cortinas. Apesar do cheiro dele ter desaparecido, tinha que ser cuidadoso, principalmente com Laura, que agora é uma senhora.

Bóris devia estar furioso por deixá-lo esperando. Na verdade ele era interessante quando ficava enraivecido, de fato sempre parecia estar com raiva, seu rosto fazia caretas estranhas, diferente de nós, que na maioria das vezes só é possível definir o humor pelos olhos.

— O que está acontecendo, meu senhor? - Laura se apressou até mim com sua voz doce.

— Mephisto. - Laura colocou as mãos na boca, arregalou os olhos e sorriu logo depois. - Não, não é uma coisa boa.

— Não? Mas o senhor queria vê-lo novamente, não queria? - Fechou as cortinas da outra janela. - Faz sessenta e cinco anos que não o vejo, da última vez eu era uma criança.

— Ele não é o mesmo Laura, sabe o que ele fez quando estava conosco. É melhor mesmo que fique longe. - Terminamos de fechar as cortinas do salão, quase iria subir quando lembrei que não conseguia sentir o cheiro de tulipas.

— Já que está falando sobre isso, alguns homens estranhos estavam rondando a casa, fiquei com medo de que tentassem entrar.

— Não ligue para eles. São apenas alguns obstinados. Estão nos vigiando, sempre estiveram. - Suspirei e olhei a nossa volta. - Laura, onde está nosso convidado?

— Ele foi para o jardim. - Andei desconfiado até a janela para observar e procurar o ruivo, mas apenas enxerguei os corvos que grasnavam sobre as árvores mortas e retorcidas.

— Laura. - Controlei minha respiração, apertei o espaço entre meus olhos e mordi a língua. Pude ouvir o coração dela acelerar de forma assustadora. - Ele não está no jardim.

— Bem... ele estava antes do senhor chegar. - Deu um sorriso amarelo enquanto segurava um pano, limpando a poeira do piano. - O menino não quer ficar aqui senhor, ele não é acostumado á permanecer preso.

— Você não entende nada, não é? - Gritei irritado. Ela não mostrava medo, apenas seu coração batia descompassado, por um momento tive medo que sua idade e limitações humanas a levassem a beira de um ataque. - Devia ter bebido de você quando a achei!

— Se o senhor fizesse isso, teria que cuidar da casa por conta própria, ainda por cima, como o conheço, ficaria louco e começaria a conversar com a mobília. - Levantei as sobrancelhas. Laura era extremamente audaciosa, piorava quando sabia que eu estava furioso e fazia piadas idiotas. - Já imaginou? O senhor com esta vassoura nas mãos? Me engasgo de rir apenas de pensar tais coisas!

— Não teste minha paciência. - Massageei as têmporas, me encaminhando novamente para a porta.

— Não teste a minha paciência o senhor. Posso ser velha, mas ainda não estou morta e quando sentir que está sendo mal educado comigo, não pense que não vou embora. - Suspirei e revirei os olhos.

— Então lembre-se de que se Bóris estiver amarrado em um mastro e o fogo estiver consumindo sua pele, a culpa será sua. - Fechei a porta antes de ouvir seus resmungos e de sentir provavelmente alguma coisa sendo arremessada em mim.

Andei para a cidade, reconhecendo novamente o formigueiro de pessoas em meio a luz. Uma feira que vendia comidas exóticas e caldos trazia uma fila de pessoas prontas para comprar aquelas massas grotescas. Sinto nojo só de imaginar comer novamente aquelas coisas.

Três mulheres, aparentemente todas gêmeas, estavam sendo presas em uma jaula sustentada por uma carroça. Seus cabelos cacheados envolvidos com um pequeno lenço as deixavam com um ar inocente. Vários guardas as jogavam contra as grades enquanto uma multidão se formava a volta das moças, gritando insultos e jogando pedras. A carroça se moveu e as levou para algum lugar, em que as pessoas seguiram novamente urrando e dessa vez, jogando vegetais podres contra as grades.

Virei o rosto, e seguiria seu caminho, quando vi um rosto conhecido em meio às pessoas. Os olhos cinza se destacaram inexpressivos enquanto olhavam para mim, passando a mão no sangue seco em seu pescoço.

— É uma pena, não é? - Um homenzarrão tocou meu ombro. No momento que retirei os olhos de Mephisto para olhar o senhor, voltei para ver novamente, mas o vampiro havia desaparecido. - Essas mulheres seguirem caminhos tão tortuosos e não buscarem a palavra de nosso Deus salvador.

— Do que está falando? - Semicerrei os olhos, incomodado com a mão suada do homem de bigodes sobre mim e me afastei.

— Elas foram condenadas a bruxaria, encontradas praticando um ritual para o diabo. - Alisou o monte de pelo abaixo de seu nariz. - Uma delas estava doente, e então fizeram um pacto.

— Um pacto? - Levantei as sobrancelhas, desacreditado. Provavelmente elas eram irmãs e haviam feito talvez um chá ou algum medicamento com ervas medicinais para a enferma. - Quem lhes disse isso?

— Eu, as vi no ato. - Direcionou os olhos para mim, vi o uniforme de soldado, e diferente dos demais, ele se mostrava imponente. Era o comandante. - Deus deve lavar as almas pecadoras. Não acha?

—Oh, claro. - Sorri enquanto observava o rosto severo do homem exageradamente alto. Abriu a boca para dizer mais alguma bobagem, mas o interrompi.- Agora se me der licença.

Me desviei das pessoas e comecei a olhar por todos os lugares possíveis que Bóris poderia estar. Ele era baixo e esguio, seria fácil se esconder em lugares pequenos que nenhum humano poderia achá-lo.

Na verdade, foi fácil encontrar aqueles cabelos vermelhos e longos, seguindo o rastro do cheiro de tulipas recém colhidas que emanavam de seus cabelos. O vi abaixado atrás de uma loja, perto do esgoto que trazia um fedor horrendo.

— Por que diabos está aí? - Deu um sobressalto e se levantou. Estava com o rosto e a cabeça molhados, mas as pontas dos cabelos secos.

— Não faça isso. Eu me assustei!

— Por que fugiu?

— Não fugi, estou apenas esperando. - Olhou para o corredor escuro, pouco iluminado apenas pelas luzes da cidade no lado oposto.

— Esperando? Esperando o que? - Eu estava prestes a desmaiar de raiva. Queria empurrar Bóris para aquela fossa, mas algo me impedia.

— Esperando que as pessoas saiam da rua. Faltam apenas alguns minutos para que todos saiam. - Levantou uma sobrancelha quando percebeu meu rosto confuso. - Por acaso viu o que está acontecendo na praça? Estão amarrando aquelas moças nos mastros, vão queimá-las pela manhã!

— Está com inveja? Quer ficar no lugar delas, por isso fugiu? - Perguntei irritado. - Vamos embora, agora.

— Eu não fugi, e não vou deixá-las. - Vociferou e saiu de perto. - Não sou egoísta como você!

Não teria como fazê-lo mudar de idéia. Seu rosto estava determinado, as sobrancelhas formando uma ruga em sua testa e o sangue bombeando sob a pele, mostrando a raiva. Revirei os olhos e coloquei a mão na cabeça, percebendo que deixei a cartola no castelo.

— Céus! O quanto teremos que esperar? - Segurei a bengala de lâmina com mais firmeza.

— Você vai me acompanhar? Não preciso de sua ajuda. - Continuou espiando pelo corredor as luzes sendo apagadas conforme passava o tempo.

— Já viu quantos soldados guardam as prisioneiras? - O barulho da cidade havia diminuído, ninguém na praça. Ora pois, em plena madrugada quem ficaria a olhar mulheres acusadas de bruxaria? - Qual o seu plano? Correr até lá e libertar as damas sem os soldados verem?

— Bom... Sim.

Passei as mãos pelo rosto.

— Não é tão inteligente quanto eu pensei que fosse. - Falei com raiva. Andei a passos firmes até a praça, onde algumas poucas pessoas também passeavam. Bóris estava logo atrás de mim, voltando a cobrir o olho cego com o cabelo. - Fique aqui.

O lugar estava escuro, os poucos que estavam nas ruas, se apressavam para voltar ás suas casas a tempo. Toda essa confusão como um "toque de recolher" havia começado há dois dias, quando senti o cheiro de outro vampiro na cidade, e várias mortes grotescas começaram a acontecer todas as madrugadas. Não me espanta que seja Mephisto a matar todas essas pessoas.
Dois guardas vigiavam o palco de onde as moças seriam queimadas logo que amanhecesse. Imagino o que fizeram com a outra que estava adoentada.

— Elas estão horríveis. - Escutei a voz do cigano atrás de mim, me virei para olhar e encontrei sua postura firme e braços cruzados.

— Eu mandei que ficasse lá!

— Não lhe devo obediência. - Andou em minha frente, indo para trás do palco. - Temos que fazer silêncio.

Uma das moças olhou para nós e gemeu algo indecifrável. Coloquei o indicador nos lábios e acenou com a cabeça, assim, minhas crianças, começou todo o infortúnio que venho lhes escrever.

Algumas coisas saíram como planejado. Outras não.

Bóris desamarrou as mulheres enquanto coloquei os soldados para repousar discretamente, mas haviam outros soldados perto de nós e enquanto meu querido cigano acompanhava as mulheres para algum lugar seguro que pudessem ficar, tomei conta dos homens que insistiam em aparecer, deixei a delicadeza de lado e comecei a arrancar sangue de seus corpos, chamando a atenção alheia. Luzes foram acesas, janelas foram abertas e curiosos saíram a procura do motivo que estava causando todo aquele pandemônio e um olhar castanho caiu sobre os meus.

O que, por todos os diabos eu estava fazendo?

Finalmente o juízo atingiu minha consciência e transformei toda aquela paisagem em um borrão, correndo até Bóris e o sustentando em meu ombro contra sua vontade, deixando as mulheres enquanto de fato, voava sobre meus pés saindo da paisagem, que por um triz quase nos expôs.
Soltei Bóris de meus braços quando chegamos, deixando-o cair no jardim em meio a terra. Toquei meus cabelos, reparando as pontas manchadas de vermelho e depois disso, todo o sobretudo azul, inclusive meu rosto.

— Mas que porcaria! Olhe o que aconteceu! - Passei as mãos pelo rosto, tentando limpar o sangue coagulado. - Ah, sinto vergonha só de pensar que aceitei ajudar nisso.

— Fez porque quis fazer. - Se levantou, batendo em suas roupas e deu meia volta, se encaminhando para fora do território e abrindo o portão da cerca. - O seu plano também era horrível. Não iria dar certo.

— Aonde está indo?

— Morrer? Embora? De qualquer forma, não voltarei nunca mais, pois você é louco. Não sei como Laura vive com você diariamente. - Permaneci calado, pensando no que dizer, mas realmente não havia nada que eu pudesse fazer. Não era uma opção viável tomá-lo novamente nos braços e obrigá-lo a ficar comigo.

— Oh, que bom que ficarei com sua rabeca como lembrança de sua ousadia. - Ele parou de andar quando ouviu minha voz. Um pequeno sorriso se formou em meus lábios quando percebi que havia atingido um ponto importante.

— Quem disse que ficará com minha rabeca? Devolva-a agora! - Estendeu as mãos, ficando dois metros longe de mim. - Está me aborrecendo!

Seu rosto se tornou sombrio e desesperado. Me perguntei o quanto aquilo deveria ser importante.

— Que estranho, você fugiu e deixou a rabeca? Pretendia voltar?

— Eu já falei que não fugi! - Gritou. - Devolva meu instrumento!

— Esqueci onde Laura guardou, acho que ela também não se recorda. Deve entrar e procurar pela casa. - Pisquei um dos olhos e me encaminhei para a entrada, batendo no portão esperando que Laura abrisse.

Quando vi seu rosto pela fresta, levantei uma sobrancelha e ela arregalou os olhos pretos.

— Pelos Céus, o que aconteceu com vocês? - Ela colocou as pequenas mãos sobre a boca. Olhei para trás e percebi o rosto angelical esculpido em uma careta de desgosto.

— Este tolo e idiota, quase revelou minha existência para Londres. - Joguei a bengala de lâmina na mesa de jantar e subi com o desejo de morrer em minha banheira.

Ouvi os resmungos de Bóris e o sermão de Laura, que apontou o indicador para o ruivo, reclamando de algo.

A água fumegava, provavelmente estava fervida por Laura. Ela era tão certa sobre mim, que uma vez temi por achar que ela podia saber o que se passava em minha cabeça, mas com o passar do tempo, percebi que ela apenas estava acostumada comigo.

Suspirei, afundando a cabeça na água. O pensamento de que alguém pudesse ter nos visto não me deixou em paz, principalmente de quando o olhar desconhecido pesou sobre o meu por tantos minutos.

— Pare de brincar. - Ouvi a voz pouco áspera atrás de mim. Virei a poltrona de lado ainda com o livro aberto e observei o cabelo caído em seu rosto, ocultando o olho cego. - Devolva minha rabeca, já faz uma semana que a mantém escondida! Você não tem ideia de que... - Ele parou no meio da frase, suspirando e virando o rosto raivoso.

— Ainda não achou? - Sorri. - Então não procurou com prioridade.

— Pare com isso, é importante para mim! - Apontou para si mesmo. - Minha mãe deu.

Quase não escutei sua voz na última frase, parecia que a palavra  mãe sumiu entre seus lábios, e um ambiente pesado e constrangedor se pousou com o silêncio.

— Mais um motivo para que procure. - Voltei o olhar para meu livro, após isso escutei apenas seus passos pesados sobre o chão de madeira. - Oh, espere.

— Vai dizer onde ela está?

— Você sabe ler? - Bufou e iria dar as costas para mim. Com um gesto, o trouxe novamente para perto. - Me responda, não seja tão audacioso.

— Sim, eu seu ler! Me solte!

— O inglês? - Perguntei ainda com os dedos levantados.

— Não, o Romani, meu idioma.

— Oh, isso é maravilhoso. Mas deve conhecer o idioma de onde você vive. - Sorri e levantei de minha poltrona, deixando o livro de lado. - A partir da próxima noite, esteja na mesa de jantar. Quando aprender todas as línguas que eu ensinar, aí poderá ter sua rabeca de volta.

Na próxima noite, estávamos sentados lado a lado na mesa de jantar enquanto Laura dormia. Ele era um ótimo aluno, mas para um garoto de dezessete anos, Bóris só sabia escrever em Romani, mas nunca deixou que eu o visse escrevendo a tal língua, disse que era secreta e só os ciganos podiam ter conhecimento do idioma. Descobri que ele adorava tentar ler os livros que lhe dava e passava horas intermináveis na minha biblioteca enquanto o ajudava a treinar a escrita e leitura. Mesmo odiando, encontrou prazer nos estudos, seus melhores amigos se tornaram Aristóteles e Lord Byron, eu o enchia de livros e ele sem problema algum, lia todos eles com urgência e ferocidade. Quando tornou-se ótimo na língua inglesa, o ensinei o francês, após isso o latim.

Nos meses que se passaram, Bóris nunca me falou sobre sua família, apenas me disse uma vez que eles não moravam em Londres, assumia uma sombra no rosto e mudava de assunto repentinamente enquanto seus ombros pareciam tremer. Ele nunca me chamou pelo nome, mas sim de... Strigoi, era como algumas lendas do seu povo nomeava os vampiros, de uma forma um pouco mais grotesca.

O cigano tinha o temperamento forte, nunca me dizia nada, tentava o máximo que conseguia não demonstrar nenhum tipo de sentimento quando estava por perto. Também nunca perguntei nada a Laura, não iria invadir a amizade e confiança que os dois desenvolveram.

Laura correu até mim, vestida de sua camisola longa, com um candeeiro nas mãos.

— Orfeo, há um homem na porta. - Coçou os olhos e bocejou. - Ele disse que quer falar com o senhor.

— Como ele é? - Me afastei de Bóris e fui até a porta da biblioteca.

— Ele usa uma roupa vermelha, tem bigodes enormes, e parece um monstro de tão alto. - Meu coração doeu quando lembrei daquele comandante.

— Oh, por mil demônios! - Desci as escadas e encontrei com o comandante já na sala, com uma de minhas pinturas nas mãos. Levantei uma sobrancelha e forcei uma tosse.

Ele largou minha obra acima do piano e olhou o resto da casa com os braços para trás do corpo.

— É um belo castelo. - Pegou um de meus vasos de prata e encarou os dragões esculpidos. - Mora aqui há muito tempo? Senhor...

— Domitius. Orfeo Domitius. Sim, meu pai comprou este lugar para mim antes de morrer. - Com o tempo, mentir se tornava algo fácil. Mas tínhamos que tomar cuidado para não acabarmos acreditando nela. - Moro aqui há alguns anos.

— Eu nunca o vi, desde alguns meses atrás... A propósito, sou James Turner. - Seus olhos se direcionaram para a escadaria, que com relutância e um olhar desaprovador, vi Bóris. - E ele?

— Oh, este é... - Olhei para Bóris. Nós não tínhamos uma grande diferença de idade, embora eu tenha mas de mil anos, meu rosto parou de envelhecer quando eu ainda era jovem, apenas dois anos mais velho que o cigano. - Meu sobrinho.

— Oh, sim. - Ele sorriu, mostrando as rugas em seus olhos. - Olá menino. - Bóris, com um olhar enojado, correu para cima quando o homem lhe dirigiu a palavra.

— Ah, não ligue para ele. - Sorri. - É tímido.

— Sim, entendo. Desculpe por atrapalhar a essa hora da noite. É que não sabíamos que aqui estava habitado. E pelo que ocorreu há um tempo atrás... Ficamos preocupados.

— O que ocorreu? - Me sentei na poltrona, apontando para a outra logo em frente.

— As bruxas trigêmeas tentaram uma fuga desesperada. - Se sentou. - Graças a meus homens elas foram pegas novamente e mortas no calabouço para evitar mais problemas, apesar da quarta irmã, a que estava doente, estar desaparecida.

— Desapareceu? - Não pude evitar de sofrer pelas mulheres, e por Bóris, que também estava ouvindo. - Mas como?

— Não sabemos, mas sobre a fuga das defuntas, alguns disseram que foi um vulto, outros disseram que foi um demônio... - Encarou meu rosto de um modo estranho. - Mas eu vi os olhos dele. Eram azuis como o mar, eram como os seus.

— Mas que horrível, suponho que já estejam procurando a outra mulher?

— Sim, estamos atrás dela. - Coloquei a mão na boca e fingi um bocejo, uma tentativa de mandá-lo embora.

— Desculpe, é que já está um pouco tarde.

— Sim. Bom, acho que devo ir. Obrigado por me receber.

— Volte quando quiser. - Sorri. O acompanhei até a porta e logo fechei, trancando tudo logo em seguida e soltando um suspiro.

Boris escutou tudo, tenho certeza até hoje. Mas nunca me falou sobre isso, nunca mais voltamos ao assunto, apesar de que o homem vinha aqui com tanta frequência, que comecei a me irritar com sua presença.

Os devaneios eram incessantes e interessantes para mim, parecia que eu os amava mais que a minha vida física. A poltrona confortável parecia minha deixa pra me perder em meio aos pensamentos.

— Strigoi? - Observei a cabeleira ruiva presa na nuca de Bóris. Laura finalmente o havia convencido de prender o cabelo e a perder a vergonha de seu olho opaco, apesar de que ele fique belíssimo com os cabelos caindo pelos ombros.

Olhando Bóris naquele momento, percebi que havia uma ligação, algo que se amarrava em nós pelas minhas costelas e me puxava para aquele garoto estranhamente familiar.

Talvez fosse eu o escravo.

***

- O que acharam? ❤❤

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