VI
Seria um terremoto?
Sentiu o ambiente em sua volta tremer freneticamente. Despertou, assustado. Tateou com as mãos na tentativa de se apegar a realidade e sentir o lençol de seda macio da cama. Ao invés do esperado, Charlie sentiu sua mão roçar em uma superfície de couro. Não estava na cama, muito menos na mansão Makarov.
— O que caralhos está acontecendo?!
Leonid sorriu. Como sempre, ele era o autor do crime.
— Lhe disse que iria te recompensar por ontem.
Charlie estava no banco de trás do carro de Leonid.
— E recompensar significa me raptar no meio da noite?! — Exclamou, raivoso.
— Exatamente — respondeu, ainda sorrindo.
O psicólogo bufou, sem acreditar.
Atravessou o vão entre os dois bancos frontais, atingindo o rosto de Leonid acidentalmente com sua bunda. Se acomodou no banco de passageiro e cruzou os braços, ainda incrédulo com toda a situação.
— E para onde você tá me levando?
O único resquício de civilização era a estrada que atravessava a floresta congelada. As copas das árvores serviam como teto, protegendo o asfalto da rua da neve intensa que caía do céu. Mesmo irritado, Charlie apreciou a natureza invernal janela afora.
— Por mais que eu aprecie suas pernas, você tem que se proteger do frio — agarrou a coberta no banco de trás e a jogou no colo de Charlie.
— Você não respondeu minha pergunta, senhor Leonid — ele cobriu as pernas, sentindo um enorme alívio.
— Quando chegarmos, você verá.
Charlie revirou os olhos.
Leonid estava trajado em um colete social abaixo de um enorme casaco de pelo animal, enquanto Charlie estava com as mesmas roupas que usara na noite passada.
— Não pensou em colocar roupas mais confortáveis em mim? — Perguntou, ainda bravo.
— Bom, eu poderia, mas creio que você não gostaria da ideia de um homem do crime tirando a roupa de seu corpo e te vestindo como uma boneca, gostaria?
— O quê? — Charlie arregalou os olhos. — Não quis dizer isso! Você me trouxe roupas?
— Estão no porta-malas.
— Que ótimo, porque estou morrendo de frio.
Após vinte minutos de viagem, Leonid saiu da estrada e entrou em uma trilha de terra em direção ao meio da floresta. O paredão de árvores parecia nunca ter fim. Charlie deduziu que provavelmente estavam muito longe de Moscou.
O fim da trilha dava acesso a uma clareira com uma cabana construída no centro. Diferente da mansão chique de Leonid, a cabana era humilde e rústica. Uma chaminé feita de pedras se estendia acima do telhado de madeira bruta. Um balanço amarrado à área da cabana balançava sozinho por conta da brisa fria de inverno.
Charlie desceu do carro e sentiu seus pés afundarem em várias camadas de neve.
— Não seja tolo, você vai pegar resfriado — Leonid contornou o carro e se aproximou de Charlie.
— Não, não. Eu sei me virar, pode ir para...
O mafioso agarrou Charlie no colo.
— Não vê como seus pés estão vermelhos? — Charlie tentou se desvencilhar dos braços de Leonid, porém ele era mais forte. Uma coisa ele admitiu para si mesmo: estar aninhado naqueles braços era quente. Bufou, decepcionado com o próprio pensamento.
Leonid deixou uma trilha de pegadas por onde pisava. A trilha se encerrou quando alcançaram os degraus da varanda, onde Leonid colocou Charlie no chão. Tirou do bolso do casaco uma chave e destrancou a porta de entrada.
Charlie sentiu como se tivesse voltado no tempo. Não havia nenhum resquício de tecnologia na sala de estar da cabana, apenas uma lareira, duas poltronas e um tapete feito de pele de urso. Cabeças empalhadas de veados serviam como enfeites nas paredes amadeiradas. Charlie contemplou o lugar enquanto Leonid acendia as lamparinas espalhadas pela casa com um isqueiro.
Não era uma cabana grande. Uma cozinha, sala, quarto e banheiro para Charlie e Leonid aproveitarem por tempo indeterminado. Pelo menos, era o que Charlie achava. Ele ainda não havia entendido o porquê estava naquele lugar. O quarto era tão simples quanto o resto dos cômodos, contendo apenas uma cama, um guarda-roupa e uma estante com fotografias antigas. Dois meninos ao lado de um homem mais velho segurando um rifle sorriam para a câmera. Charlie pegou a fotografia para observar melhor.
Me parece que aqui é a casa de férias da família Makarov. Pelo menos, era.
— Irei atrás de lenha para a lareira. Suas roupas estão no sofá — Leonid surgiu no vão da porta.
— Porque estamos aqui? — Charlie devolveu a fotografia para a estante.
— Aqui costuma ser calmo.
— Se sente mais confortável continuando a terapia aqui?
— Minha família costumava passar as férias aqui. É um bom lugar para realocar os pensamentos.
— Entendi.
Mesmo embaixo da crescente tempestade de neve que vinha se aproximando, Leonid estava no quintal com o machado em mãos cortando lenhas ao meio. Charlie o assistia trabalhar enquanto organizava as roupas dentro do armário. A janela estava um pouco embaçada, porém a visão daquele homem musculoso e tatuado cortando madeira agilmente era clara para ele.
Ele é um idiota, maníaco, babaca, presunçoso e assassino. Que merda, ele também é um grande gostoso.
Sentiu certa parte de seu corpo formigar. Se Charlie tivesse o conhecido em uma balada, com certeza Leonid seria seu peguete da noite. Ele era alto, decidido, irônico. Charlie admirava esses detalhes, porém em outras circunstâncias que não envolviam sequestro e gangues.
Era quase como se Charlie quisesse que Leonid usasse as mãos para abrir suas pernas assim como ele as usavam para repartir aqueles troncos de madeira tão vorazmente.
Corou, envergonhado.
Foco no trabalho! Ele é um paciente, você é um psicólogo. Pensamentos assim vão me distrair do tratamento e tudo isso vai acabar durando muito mais. Além disso, eu era da igreja, o que tá acontecendo comigo?!
Desviou o olhar da janela e focou em apenas terminar de organizar as roupas.
ᏪᏪᏪᏪ
A noite caiu acompanhada de uma intensa tempestade. Grossas camadas de neve preencheram a varanda da cabana, consequentemente bloqueando a porta. Trancafiados, sem sinal de internet e distantes da civilização. Charlie poderia estar em apuros, porém o calor da lareira lhe dava uma estranha sensação de segurança, como se a luz do fogo afastasse toda a neve que caia loucamente do lado de fora.
— Tome — Leonid enrolou o corpo de Charlie com um cobertor peludo. Àquela altura, Charlie estava se acostumando com os cuidados desnecessários dele. Escondeu os braços por baixo da coberta e se manteve encolhido.
Charlie estava sentado no chão diante da lareira. Leonid fez o mesmo, sentando-se ao lado do psicólogo. Não estava mais trajado em suas vestes de negócios. Para Charlie, era estranho ver ele usando roupas tão casuais, como um pijama. Uma camiseta branca e uma calça de nylon eram o visual para dormir de Leonid.
Esse homem não sente frio?
— Gosta de estar próximo do passado? — Charlie perguntou.
— O futuro soa mais atraente — a luz da lareira projetava sombras no rosto de Leonid, fazendo-o parecer como um lobo emergindo para a luz.
— Mas você ainda está preso no passado, não está?
Ele não respondeu.
— Conheci sua irmã, Victoria. Uma doçura de pessoa.
— Ela pode ser complicada, e isto está no gene de todo Makarov.
— Acredite, eu notei — Charlie relaxou o corpo, apoiando as duas mãos no chão de madeira. — Não sabia que você tinha um irmão.
— Pavel morreu em uma avalanche nas montanhas enquanto estava fazendo trilha com nosso pai. Eles não tinham uma boa relação, Pavel morreu o odiando. Na verdade, ele odiava a si mesmo.
— Você tinha uma boa relação com ele?
— Sempre o protegia, afinal era o caçula da família. Depois, Victoria surgiu e agora a protejo. O símbolo da família é um lobo. O mais velho sempre deve defender os mais novos da matilha.
— Pelo o que conversamos ontem, ela também aparenta não ter uma boa relação com o pai de vocês — relembrou da ameaça passivo agressiva de Victoria e engoliu em seco se perguntando o quanto aquela família poderia ser perigosa.
— Podemos dizer que ela é uma extensão de Pavel. Quando Victoria surgiu, nosso pai não se importou. Ele tem vários filhos não assumidos.
— Sua mãe sabia disso?
E novamente, o silêncio como resposta. Charlie não insistiu e também se calou, enquanto observava o fogo crepitar no interior da lareira.
— Porque um inglês como você veio para a Rússia? — Leonid indagou, encarando Charlie.
— Se aventurar, talvez. Meu pai nasceu nesse país fodido.
— Tenho certeza que a raiva de pinscher em você foi herdada de seu lado russo — ele sorriu.
— Não sou raivoso — Charlie revirou os olhos, mas não conteve um sorriso. — Apenas não tenho medo de enfrentar o perigo.
— Não tem?
— Acredite, antes de vir para cá, eu sabia o que estava me esperando. Um país preconceituoso e esquisito. Só não estava esperando por armas e mafiosos...
— Um perigo novo para você, então.
— Talvez.
— Então porque não o enfrenta?
Talvez fosse o clima casual ou a temperatura do fogo, Charlie não saberia explicar, mas um relevo repentino surgiu em sua calça. Se levantou, ainda com o cobertor enrolado no corpo.
— Eu preciso tomar um banho. Vou tentar, pelo menos.
Seguiu até o quarto e fechou a porta. Respirou fundo, sentindo-se culpado pelas emoções que afloraram em seu corpo.
O QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO?! COM ELE, NÃO! ELE NÃO!
Charlie pegou um conjunto de roupa para dormir e foi até o banheiro. Apesar do frio congelante, a cabana era confortavelmente quente, como se as madeiras impedissem a entrada do frio.
Tirou as roupas, deixando-as em cima da pia, e se posicionou abaixo do chuveiro. Ao girar o registro, jatos de água gelada fizeram Charlie sair do chuveiro às pressas.
— QUE DROGA!
Leonid abriu a porta.
— Você se esqueceu de colocar no modo quente — Charlie arregalou os olhos, se apressando em agarrar a toalha para cobrir seu corpo do intruso.
— Não chegue entrando assim! — Observou Leonid se aproximar do chuveiro. Era impressionante como ele alcançava o chuveiro facilmente.
— Péssima notícia para você: o chuveiro está queimado.
— Banho cancelado, que droga.
Charlie não havia se dado conta que o relevo continuava intacto, demarcando a exata forma de seu pau ereto por baixo da toalha. Leonid diminuiu a distância entre eles. Charlie segurava a toalha sobre seu corpo como uma muralha de defesa.
— O que está fazendo? — Indagou, curioso.
— Não se nega o que nosso instinto implora — respondeu, fitando Charlie fixamente.
Leonid vinha se aproximando cada vez mais de Charlie ao ponto de que o mesmo sentiu a superfície fria da parede.
Aquele era um jogo perigoso. Um jogo sem volta. Charlie sabia muito bem disso.
— E pelo que nossos instintos estão implorando? — Não se conteve em perguntar, curioso pelo repentino desejo.
— O meu implora por você — ultrapassou os limites estabelecidos e agarrou a cintura de Charlie, o puxando para mais perto. Aproximou seus lábios do ouvido do psicólogo e sussurrou quase melodicamente: — Enquanto aos seus, imploram por um bom pau.
Charlie arfou.
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