IV
Semanas se passaram desde que Charlie fora jogado naquela maldita clínica psiquiátrica.
Entre as quatro paredes de sua cela pessoal, não sentiu o tempo passar. Todos os dias pareciam fazer parte do mesmo conjunto de horas. Charlie acordava, comia, era eletrocutada até perder a consciência e às vezes era liberado para dar uma volta no pátio junto com outros pacientes tão perdidos quanto ele.
Não estava vivendo, estava apenas vagando pela clínica, como uma alma penada abandonada por Deus e Diabo.
No começo, Charlie lembrava-se de cada detalhe de sua vida, deixando o doutor Ivan cada vez mais obcecado em fazer seu tratamento ter eficiência completa. A tortura durava horas até Charlie não aguentar mais e desmaiar. Hematomas estavam espalhados por todo o seu corpo.
Quando se completou três semanas desde que chegara naquele inferno, Charlie perdeu completamente a memória do que ele fora um dia. Sua vida passou a ser um sonho distante que às vezes ressurgia em fragmentos incertos de memórias. Uma mãe, um pai, um namorado. Charlie não conseguia mais se lembrar de nomes ou idades, apenas alguns momentos marcados em sua mente.
Tinham dias que Charlie se perguntava se tudo não passava de uma mentira e aquelas memórias foram implantadas por Ivan na sua cabeça para enganá-lo.
Sentado na mesinha abaixo de uma copa volumosa da árvore no centro do pátio, Charlie lia um livro. Orgulho e Preconceito. Por algum motivo, aquele livro lhe fazia sentir algo bom, como se acendesse partes bloqueadas de sua memória.
Doutor Ivan sentou-se ao lado de Charlie, enquanto os outros pacientes corriam desgovernados pela grama. Apesar do jardim bem cuidado, Charlie não sentia-se confortável em nenhum lugar daquela clínica, visto que muros gigantescos circulavam cada parte do pátio como um lembrete de que ele jamais seria livre de sua própria agonia.
— Como está se sentindo hoje, Charlie? — Ele perguntou, com a exata mesma prancheta na mão.
— Bem, na medida do possível — respondeu.
— Alguma memória recorrente?
— Apenas fragmentos, nada que faça sentido para mim.
Ivan se apressou em anotar na caderneta.
— Não se esqueça que amanhã Alexander virá te buscar. Você ganhará alta, finalmente.
— Quem é Alexander?
— Realmente não se recorda de Alexander Petrov?
— Petrov. Meu sobrenome — se esforçou para lembrar-se daquele nome tão familiar, mas distante em sua memória. Desde que chegara na clínica, Ivan deixara claro que o sobrenome de Charlie era Petrov.
— Exatamente. Ele é seu... — Pareceu soar díficil Ivan pronunciar aquela palavra, como se fosse algo nojento. — Ele é seu marido.
— Meu marido.
— Exato. Amanhã você irá para casa com ele.
— Ok — disse, impassível.
Ivan se levantou da cadeira e se dirigiu até outro paciente. Charlie seguiu sentado, sem tirar a atenção do livro.
Sobre o livro que estou lendo... O que sinto quando leio... Teria Alexander Petrov ligação com esse sentimento?
Sua vida era um borrão indescritível bem diante de seus olhos. Enquanto mais tentava consertar as linhas tortuosas de forma que fizesse sentido, mais a situação se complicava. Nada fazia sentido.
De repente, uma explosão abalou os muros do pátio, causando uma cratera gigantesca no muro leste, próximo ao pátio. Fumaça cobriu todo o ambiente, deixando os pacientes aturdidos em agonia pelo barulho e pelo caos. Ivan correu até o interior da clínica desesperadamente. Charlie correu até embaixo da mesa e ali ficou, segurando firmemente Orgulho e Preconceito. Seus dedos pressionaram a capa do livro.
Seguranças armados circularam pelo pátio, checando a cratera criada no muro com as lanternas embutidas no cano de suas armas.
Que tipo de clínica tem seguranças altamente armados?
O tiroteio repentino fez Charlie abaixar-se e tapar os ouvidos. Gritos de dor ecoavam pelo pátio. Alguns pacientes perdidos entre a fumaça foram atingidos, assim como os seguranças da clínica. Muitos caíram, desfalecidos, enquanto outros fugiram em desespero. Homens fardados emergiram da cratera no muro. Charlie não pôde contar quantos eram, pois haviam vários deles por toda parte. Apenas um deles não estava fardado.
Charlie se retirou debaixo da mesa e correu pela fumaça, aproveitando o momento que os homens não estavam olhando em sua direção. Iria correr até o interior da clínica e pedir por ajuda até que todos os seus planos deram errado por conta de uma mão que lhe agarrou pelo braço, impedindo que ele seguisse até a porta.
Olhou para trás, em desespero. A fumaça era densa, não conseguia enxergar o rosto da silhueta negra que o agarrava fortemente. Tudo o que conseguia enxergar era seu terno preto.
— Me solta agora! — Exclamou.
A fumaça começou a se dissipar lentamente. O alarme de incêndio do pátio tocou. O rosto do sujeito foi se revelando lentamente enquanto a fumaça desaparecia, como uma cortina prestes a revelar a atração principal do show.
Olhos claros, tatuagens pelo pescoço e na mão que o agarrava com tanta brutalidade e uma altura superior a Charlie.
Aquele era Leonid Makarov.
— Q-quem é você? — Charlie indagou, abismado. Não sentia medo do homem, nem repulsa. Algo dentro de si lhe dizia que aquele homem não era um completo estranho.
— Vou matar todos os filhos da putas que fizeram isso com você — Leonid falou com a voz rouca e grossa. A raiva estava presente em sua voz; raiva que faria até os mais corajosos recuarem de medo.
Ninguém estava preparado para sua retribuição.
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