III
Os dias que se seguiram após Charlie deixar a mansão Makarov foram comuns. Finalmente sua vida havia voltado aos trilhos, sem mais mortes e mentes sociopatas. De início, fora difícil para Charlie conquistar novos clientes; seus clientes antigos haviam sido repassados para outros psicólogos da região, o que deixou Charlie levemente puto. Sua raiva não se tratava de rivalidade, mas sim pelo fato de que toda aquela situação o fez sentir-se menos profissional.
Agora, Charlie atendia novas pessoas em sua clínica — e por incrível que pareça, o porteiro mal encarado lhe dava bom dia. Talvez por medo, Charlie não saberia dizer —, passava as tardes com a tia Mosketa e suas histórias mirabolantes sobre seus dez ex-maridos mortos e assistia seus seriados favoritos no fim da noite.
Tudo voltou à normalidade, do exato modo como Charlie estava desejando quando estava em cárcere privado. Então porque Leonid ainda era um tópico recorrente em seus pensamentos? Porque ainda não o esqueceu?
Que merda... Será que tenho o mesmo dedo podre da minha mãe para homens?
Aconchegado no sofá da sala, Charlie assistia ao noticiário, mas não estava prestando atenção nos jornalistas, muito menos nas notícias sobre guerra e vírus. Desviou o olhar para a fotografia emoldurada de uma mulher loira segurando um lindo bebe adormecido. Charlie e sua mãe, Mary.
De certo modo, sou como minha mãe: apenas uma pessoa que atrai homens duvidosos.
Suas costas ainda doíam pelo empurrão que Leonid lhe dera naquela noite. Os olhos dele, desprovidos de emoções e obscuros, mostraram a face de um assassino sangue-frio. Ainda podia sentir os dedos do mafioso pressionando seu queixo, como se fosse esmagá-lo.
Maldito seja seu cérebro que insistia em procurar pelo lado bom em pessoas claramente descontroladas. Charlie se enraiveceu consigo mesmo, cruzando os braços e voltando a olhar para a televisão, emburrado.
— Se passou uma semana e eu ainda tô pensando nele, mas que merda é essa? — Se levantou do sofá com um pulo. — Não vou ficar definhando pensando naquele idiota.
Foi até o quarto, abriu o guarda-roupa e vestiu seu melhor visual. Percebeu que eram roupas que Leonid comparara para ele. Não se importou, pois algo de bom ele teve que fazer depois de colocá-lo no inferno por dias.
Penteou seus cabelos sedosos para trás e encarou o próprio reflexo no espelho do banheiro. Olhos claros, braços à mostra e bunda perfeitamente marcada na calça.
Charlie renunciara a baladas desde que começou a faculdade. Focar nos estudos era sua única tarefa, evitando ao máximo distrações, como longas noitadas de bebedeiras.
Agora, sou um profissional, eu mereço uma comemoração!
Pediu um Uber no aplicativo do celular e desceu até a recepção. Mesmo tarde da noite, a tia Mosketa estava no balcão da pousada observando o movimento frenético da cidade.
— Vai para a noitada? — Charlie não precisou dizer, ela já sabia.
— Até um psicólogo merece diversão — sorriu.
— Merece sim, querido. Vá se divertir e tome cuidado.
O Uber chegou. Charlie se despediu da tia Mosketa e entrou no carro.
— Para onde vamos? — O homem no volante indagou.
— Conhece uma boa balada por perto? — Charlie se acomodou no banco de trás.
— Conheço uma ótima balada conhecida por ser frequentada por turistas, acredito que será perfeita para você.
— Então lá será meu destino.
ᏪᏪᏪᏪ
A balada em questão parecia um grande palácio centrado no centro de Moscou. Um templo da perdição. Naquela noite, Charlie estava disposto a se perder.
Pagou o preço do ingresso e adentrou ao interior iluminado do local. O piso era revestido por lajotas que brilhavam de acordo com a música tocada pelo DJ acima do palco. Névoa artificial feita de gelo seco envolvia os corpos dançantes e suados em frenesi. Uma gigantesca bola giratória irradiava luz para todos os cantos possíveis da balada. Aos fundos, um pouco distante da movimentação, um bar.
Charlie sentou-se no assento diante do balcão e perguntou para o barman sobre as opções de bebida.
— Aqui apenas vendemos bebidas especiais do clube.
— Me traga o melhor que tiver, por favor.
O barman sorriu e tirou de baixo do balcão uma garrafa transparente com um líquido azulado. Emoldurado na garrafa, o símbolo de um tigre. Charlie lembrou-se da noite na cabana, quando o assassino de aluguel citara algo sobre uma gangue chamada Tigres.
Apenas coincidência. Charlie preferiu não se preocupar, afinal aquela era sua noite.
Encheu o copo com a bebida e virou na boca, sentindo uma queimação estranhamente aliviante descer pela garganta.
— ISSO É MARAVILHOSO!
No segundo gole, Charlie sentiu sua cabeça flutuar. No segundo, seu corpo pareceu mais sensível, como se estivesse muito leve. A partir do terceiro gole, Charlie dançava em meio a multidão com o copo de bebida na mão. Estava com os olhos fechados, apenas sentindo aquele momento libertador, enquanto o DJ colocou para tocar Коса на камень da cantora russa Erika Lundmoen.
Mexia a cintura, balançava o corpo e sentia seus cabelos castanhos esvoaçarem no topo de sua cabeça.
Quando virou-se em direção ao bar para pegar mais bebida, chocou-se com o corpo em outro sujeito, virando acidentalmente seu copo parcialmente cheio na roupa do mesmo. O homem exclamou, surpreso.
— M-e desculpe, moço, não foi minha intenção, é que está tudo escuro... — Charlie não conseguia enxergar o rosto do homem em meio às luzes piscantes.
— Não tem problema — o sujeito deu as costas para Charlie e atravessou a multidão em direção ao banheiro.
Charlie o seguiu, sentindo-se culpado. Mesmo bêbado, Charlie entendia quando passava dos limites.
As luzes do banheiro eram vermelhas cor-de-sangue. Não havia nenhuma outra pessoa por ali, exceto pelo homem que Charlie derrubara bebida. Ele se aproximou da pia de mármore e começou a desabotoar a camisa social, tirando-a do corpo e exibindo uma barriga trincada e peitorais volumosos. Charlie permaneceu atrás dele, tentando não observá-lo.
— De novo te peço desculpas, eu estava um pouco bêbado, não pude raciocinar...
— Você não deve beber tanto assim, pode lhe causar sérios problemas — repreendeu Charlie, jogando a camisa social no chão.
— Hoje decidi me divertir, me perdoe. O que posso fazer para te ajudar? Estou me sentindo inútil agora.
— Nada, minha camisa agora é inútil.
— Olha, pelo menos você vai poder exibir seu tanquinho por aí — riu da própria piada. Este era um dos maiores defeitos de Charlie: quando ficava bêbado, falava o que vinha na cabeça, sem pensar nas consequências. — À propósito, meu nome é...
— Eu te conheço, Charlie Evans — o homem aproximou-se de Charlie, deixando evidente a grande diferença de altura entre os dois. Charlie o achava atraente, talvez porque ele era semelhante ao Leonid.
— Como sabe...
— Me chamo Alexander, e isso é tudo o que você precisa saber — respondeu.
Alexander tinha um topete bem penteado na cabeça com gel. Seus olhos eram verdes e encaravam Charlie com certa familiaridade, como se o conhecesse há anos. Charlie estava bêbado, mas tinha consciência de si e do ambiente em sua volta, ele tinha certeza que nunca vira aquele homem antes. Ele era um homem atraente, porém um pouco mais magro comparado a Leonid.
Eu realmente tô comparando esse homem com Leonid?
— Para de girar... — Charlie largou o copo no chão e caiu.
Antes que atingisse o chão, Alexander o agarrou. Sob aqueles braços fortes e ágeis, Charlie desmaiou.
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