GRITOS
GRITOS
Liza
Engoli um berro de frustração ao ver o táxi virar na esquina. Bati a porta e fiquei estacada no corredor. Finalmente eu descobriria alguma coisa concreta, desvendaria algo do meu passado. Poucas páginas e eu saberia, mas Raquel roubou o diário e fugiu!
Por que ela não me pediu para ler!?
Pensando bem, dependendo do que estivesse escrito, talvez eu não a deixasse.
Até poderia entender esse furto, se não fosse o desejo de atear fogo na casa.
Adrian respirava hesitante ao meu lado, aparentava temer um surto meu a qualquer momento e não ousava se mover.
Eu não fazia ideia do que estaria escrito ali. Talvez minha mãe mencionasse Raquel mais adiante. Seria o passado dela tão horrível quanto o meu?
Torci para estar errada. Ela não poderia ler aquelas coisas terríveis sozinha. Não merecia passar por isso.
E eu me encontrava encurralada.
Presa em um beco sem saída.
As verdades me empurravam em direção à escolha que eu evitava. Me
deixavam na beira do abismo.
A declaração de Noah na Casa do Mago pelo visto foi sincera. Se apro-
ximava o momento em que eu não teria outra saída, além da única. Temida e dolorosa.
Saída que me distanciaria de dois olhos verdes como esmeraldas. Diria adeus à sua voz, seu toque, sua expressão de carinho.
A mera cogitação de nunca mais vê-lo me deixou em pânico.
Afastei essa decisão. Tinha de agir rápido, iria até minha avó e a forçaria a falar se fosse necessário. Se ela fez minha mãe sofrer tanto, definitivamente não merecia o melhor de mim.
Mas antes, pegaria de volta o diário com Raquel, calculei que não seria muito difícil. Se ela planejava deixar Winterhill, a única maneira seria indo para o aeroporto, logo, ainda levaria duas horas até chegar lá.
Adrian poderia ser útil afinal e me levar. Com suas habilidades, usaría- mos o elemento surpresa a meu favor.
— Quem disse que vim aqui para te ajudar?
Perguntou ele subitamente ao meu lado. A frieza de sua voz me provo- cou tremores. Só então, me dei conta do óbvio.
Se ele não conseguia mais ler minha mente depois da Casa do Mago, como fez isso agora?
Não desperdiçaria tempo discutindo ou tentando compreender. Apesar da decepção, lhe dei as costas, pronta para subir e pegar minha mala.
E esse foi o meu pior erro.
Pisei no primeiro degrau e meu corpo saiu do chão, depois de levar um puxão para trás. Adrian me prendeu em seu colo e imobilizou meus braços com uma só mão.
Me debati, sacudi o tronco, gritei, esperneei e nada.
O esforço foi praticamente imperceptível para ele. Ao olhar seu braço perto de minha boca, uma ideia me ocorreu. Mordi seu bíceps com toda a força, o gosto de ferro invadiu minha língua quando sua pele sangrou.
No susto ele me soltou e cai desajeitada no chão.
— Desgraçada!
Estranhei sua voz, o tom soou diferente do de Adrian. E ele jamais seria agressivo dessa forma comigo. Subi o olhar até seu rosto e congelei.
O terror deve ter me dominado, pois sua expressão ao me fitar era uma mistura de prazer e ódio. Perdi totalmente a reação.
— Lembra de mim? Na verdade nunca nos conhecemos nesse formato — Ele fez uma mesura sobre o próprio corpo. — O nome Olaf soa familiar?
Perdi o ar. A força. A voz e o raciocínio.
Olaf. O mau à espreita. O ser vil e cruel se encontrava ali. E eu total- mente em desvantagem. Sozinha com ele, desprotegida e pega desprevenida.
O arrepio em minha nuca me confirmou que ele havia possuído outro corpo e obviamente me iludiu se passando por Adrian. Só não imaginei que o fizesse tão rápido. Muito menos imaginei que ele pudesse se passar por outra pessoa sem possuí-la.
Andei como um caranguejo para trás e bati as costas na parede abaixo da janela. Seria o meu fim. Sem saída. Encurralada.
Nathaniel sumiu e Adrian não me ajudaria mais.
Preparei-me para o pior.
Olaf mantinha o sorriso largo. Exibia dentes podres. Sua pele pálida e o cabelo branco comprido me fizeram tremer.
— Olaf, por favor. Me diga o que quer de mim. Farei o que puder.
Ele se aproximou mais um passo e gargalhou. Uma serpente rindo.
— Vim acabar com você, minha cara. Se não será útil para mim, também não servirá a ela.
Ela quem? Ivanka?
Sua mão gelada me agarrou rudemente pelo pescoço e forçou minha cabeça a bater no espelho do armário.
No reflexo estilhaçado vi o sangue escorrer por entre os olhos, bem no meio da testa. Gritei com a ardência da pele rasgada. E gritei ainda mais alto ao notar a cor de minhas íris. Púrpuras. E o desespero me atingiu por todos os lados. Mesmo se eu sobrevivesse a Olaf, agora estava marcada com o Estigma Púrpura. Condenada a servir Morte quando fizesse o chamado. Condenada por ter matado um inocente.
Olaf, se agachou atrás de mim com um sorriso diabólico e puxou meus cabelos para trás. Para meu espanto, vi outra silhueta aparecer, logo atrás de seu reflexo.
Toffee?
Ouvi um rosnado assustador e duas formas sinistras apareceram no espelho.
Uma me era familiar. A outra, eu jamais esqueceria.
◆◆◆
Amanda
Mal pôde acreditar quando os bombeiros a carregaram no colo, junto de outras dez garotas até uma ambulância. Lutou para respirar. O vapor queimado parecia sair dela, ardia seu nariz e garganta.
Só voltou a raciocinar após algumas horas no oxigênio.
Enxugou o rosto na pia do banheiro após vomitar pela terceira vez. Associou o cansaço, a náusea e a dor abdominal à falta de descanso, fome e estresse.
Não comia nada desde as trufas entregues por Ethan.
Voltou ao quarto e sentiu um vazio no peito ao ver Ben naquele estado na cama.
O terror de ver sua festa de noivado transformada em pesadelo e seu noivo hospitalizado, sedado.
Amanda aproximou o sofá da cama, apoiou o rosto no colchão e enca- rou Ben dormindo.
Pensou que morreria. Pensou que todos eles tivessem encontrado seu fim.
A previsão na Casa do Mago reverberou com a voz de Noah em seus ouvidos. "Ao compartilharem a mesma aflição, Morte será convidada. Sua es- colha determinará o fim de uma vida, ou outra. Do amigo, ou do inimigo. E dessa escolha, para quem a fez, não haverá retorno."
Se Ben e ela sobreviveram, significava que foi Liza quem o matou? Não que alguém fosse sentir falta de Ethan.
As duas sílabas de seu nome, já lhe provocavam náusea.
O psicopata.
Lhe faz uma visita, lhe dá chocolates de presente e depois lhe sequestra. Não fazia sentido.
Esfregou os olhos com força quando a vista ameaçou escurecer outra vez. Foi estranho ter dormido o dia inteiro. Deveria estar excitada e ansiosa
com a festa de noivado. Mas dormiu tanto que Ben precisou sacudi-la na cama uma hora antes do Luau, para que se arrumasse.
Por mais estranho que fosse o cansaço que a dominava desde a visita de Ethan, o enjoo, e a vista ficando turva vez ou outra, achou melhor não dizer nada a ninguém.
Ben saiu antes de Amanda para receber os convidados, pois pela hora ela se atrasaria.
Uma hora e meia depois, ainda zonza de sono, entrou no carro alugado para ir até a praia, e alguém lhe aguardava no banco traseiro.
Ethan.
Ia questioná-lo antes de entrar, mas foi puxada com força para dentro. Em um segundo se debatia em seu aperto, e no outro caia desacordada, após res- pirar um aroma ardente e ácido no pano colocado sobre seu rosto. Houve tempo apenas de escutar sua risada, e a pergunta carregada de ironia:
— Gostou das trufas?
Não soube quanto tempo depois abriu os olhos zonza e se deparou com o horizonte vermelho. Foi muito rápido para assimilar. Sentiu algo duro às suas costas, notou as mãos amarradas para trás e um calor morno subindo pelos pés. Não quis acreditar na hora, mas soube que abaixo de si havia o fogo crepitante. Viu por último uma fileira de garotas ao seu lado direito, antes da venda cobrir seus olhos e o ouvir dizer:
— Não se preocupe, Destinada. Hoje selará seu destino. Quanto aos seus convidados, já avisei a todos do cancelamento.
No pânico, sequer havia pensado nisso, ao menos foram poupados da chacina.
Um som engasgado de tosse a puxou de seu torpor.
Vinha de Ben.
Segurou a mão dele, deitado na cama do hospital e o buraco em seu peito apertou. Maldito Ethan! Pela primeira vez na vida, não se sentiu mal pela morte de alguém.
No final das contas, Ben foi o que mais se machucou. Fratura da bacia, com cirurgia marcada para o dia seguinte e longos meses de fisioterapia e recuperação pela frente.
Aguardava aflita o retorno do médico.
Como desmaiou após aspirar uma substância desconhecida, foi neces- sário examinarem seu sangue.
Sorrateiramente pediu ao médico que incluísse um hormônio. Tiraria de vez a dúvida.
Não sabia bem qual seria a sua reação, mas foi a única justificativa encontrada para a série de sintomas se manifestando no último dia. Enjoo, sono- lência, cansaço... Pela hora, o exame devia estar quase pronto.
Passos leves pararam ao lado de fora, antes de duas batidas soarem na porta. — Entre — pediu.
— Srta. Amanda?
— Sim?
— Podemos falar a sós um instante?
Levantou da poltrona e devolveu a mão de Ben cuidadosamente ao col- chão antes de deixar o quarto.
O médico segurava uma prancheta, seu peito bateu forte como um sino ao chegar no corredor. Um pressentimento ruim a deixava sufocada.
Buscou por alguma pista no semblante do médico e não gostou do que viu ao se aproximar. Ele evitava encará-la e batucava a caneta no papel.
Por que estaria nervoso?
Em resposta, sentiu as mãos gelarem.
Inspirou com força e aguardou. O médico continuou mudo. Olhou os pés, coçou a cabeça e guardou a caneta no bolso.
— Algum problema? — Perguntou impaciente. — Temos o resultado do seu exame.
— E?
— Preocupante — limitou-se a dizer.
Quase gritou lhe dizendo que não se deve dar uma notícia dessa forma a um paciente. Se calou ao vê-lo com os olhos cheios de água e o pânico gelou suas veias.
O cenho franzido que ele sustentava, denunciava seu temor em concluir a fala.
Preocupante.
Não considerou essa opção ao fazer o exame.
Tentou relaxar, talvez fosse apenas um médico novo, inexperiente em dar resultados só isso.
Mesmo se fosse positivo, do ponto de vista médico, preocupante, não seria a melhor escolha de palavra.
Como o doutor continuava a lhe encarar e havia agora suor ameaçando escorrer por sua testa, Amanda tirou a prancheta de sua mão e leu o resultado.
E compreendeu porque ele havia sido sucinto.
"Preocupante" foi de fato uma escolha certa de palavra.
Porque seria preocupante do ponto de vista médico se o resultado iniciasse uma contagem regressiva para o fim de sua vida.
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O que dizer deste capítulo? =O =O =O
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