ESCURO
Escuro
Liza
Eu lembrava do carro, do chá, e do sorriso perverso de Ethan. Depois disso. Branco.
Acordei confusa, meus olhos demoraram algum tempo até se acostumar com a escuridão.
Por um segundo, desejei que tivessem demorado mais.
Enxerguei grades de ferro a minha frente, as senti geladas quando as sacudi pedindo por ajuda.
Os pelos do meu corpo se eriçavam com o vento gélido e ruidoso dos corredores.
Eu tremia de frio e tinha o corpo úmido.
Gritei perguntando se havia alguém ali, a única resposta que ouvi foi o eco de minha própria voz.
Ofeguei aflita, senti o suor brotar em minha testa:
- Respire fundo Liza, isso é um pesadelo. Conte até dez.
Me concentrei no meu batimento acelerado, inspirei e expirei com força dezenas de vezes e perdi as contas de quantas vezes cheguei até o 10. Eu continuava presa ali.
"Adrian! Socorro!" pensei com toda a minha força, mas algo me disse que se ele soubesse onde me encontrar, já estaria ali.
Refiz meus últimos passos mentalmente tentando buscar uma explicação. Saí do orfanato, peguei uma carona com Ethan, e caí no banco do carro feito um boneco de pano.
Meu deus o que está acontecendo?
Minha vista se acostumou ao escuro e tive um vislumbre de onde me encontrava. O corredor a frente tinha uma luz que vinha de algum lugar longe de mim. Eu estava em uma cela, presa. O horror se instaurou sobre mim como uma doença, o sufoco me apertava a garganta.
Afastei-me três passos das grades e bati de costas em um muro aquoso. Fedia a musgo, tateei a parede e descobri que era esburacada e molhei os dedos com a água que escorria.
- Quem está aí? – gritei desconsolada para o nada.
Mais uma vez o silêncio me respondeu. Escorreguei até me sentar no chão apoiando as costas nas grades, seus pequenos vãos eram toda a minha liberdade, todo o meu ar.
Apoiei os cotovelos nos joelhos e pus minha testa sob as mãos.
Gritei pelo susto quando uma mão se enfiou com força por minha nuca, puxando violentamente a minha cabeça para trás fazendo-a bater com o topo na grade de ferro. Fiquei zonza pela pancada e senti a dor latejante chegar até a têmpora. Ouvi a voz de Ethan, feroz e ameaçadora próxima a meus ouvidos:
- Um anjo me contou Liza, que você anda com medo do escuro. E para se livrar do medo, pensa em dois olhos verdes como esmeraldas, até que venham em seu resgate.
- Ethan, é mesmo você? Por que está fazendo isso comigo? – ofeguei, ele me segurava pela nuca e respirava em meu pescoço.
- Que tal vê lo morto? Ou sua irmãzinha nojenta? Acabar com Ben e Amanda me daria também um imenso prazer. Você escolhe, Liza. Porque se continuar assim, vou matar um de cada vez na sua frente e vou saborear você por último.
Com a mão livre, ele acariciava meu pescoço enquanto cuspia as palavras. Eu tremia dos pés a cabeça.
- Ethan... não... Por que? O que eu lhe fiz? Por favor – implorei.
- Levante-se – disse ríspido e soltou o meu cabelo. Ouvi barulho de chaves batendo e inocentemente acreditei que fosse me deixar sair. Virei-me de frente e o observei abrir as grades – Saia da minha frente!
Levantei, dei um passo para o lado e pus minhas costas na parede aquosa, não queria ser pega de surpresa novamente. O olhar que ele me deu era lascivo e me atingia com seu ódio, como se a raiva alimentasse seu desejo. Meu corpo se encolheu de repugnância.
Amaciei a voz e criei coragem para falar, ele enchia e esvaziava o peito de ar, sua fisionomia me deu a impressão de que ele queria fazer milhares de coisas comigo e se divertia planejando por onde começar:
- Ethan, por favor, o que aconteceu?
Sem responder, ele deu um passo a frente e parou a centímetros de mim. Se eu pudesse teria cravado um buraco na parede atrás e me escondido nele.
De repente ele me esbofeteou com força, minha bochecha ardeu com o tapa e antes que eu tivesse tempo de reagir, fui agarrada com violência. Ethan levantou meu rosto, me puxou pelo cabelo no topo da cabeça ainda latejante e me beijou agressivo. Obviamente expressando toda a sua raiva. Gemi de dor, ele pareceu gostar e para terminar o beijo, mordeu meu lábio com ferocidade, senti o gosto de sangue na boca machucada.
O vi lamber os lábios e saborear meu sangue de maneira perturbadora. Fiquei muda, estática. Ethan não era quem eu imaginava e qualquer tentativa minha só iria piorar as coisas.
- Esta começando a me respeitar não é, megerazinha? – abriu um sorriso perverso.
Permaneci em silêncio.
- Você sempre foi uma ingrata. Deveria estar feliz, por eu ainda não ter matado sua irmã – ele apertou meu queixo, forçando meu rosto a encará-lo - Isso é um teste, Liza. Você só sairá daqui, quando aprender a obedecer. Por isso, hoje vou lhe trancar no escuro, e se a pegar pensando nele mais uma vez, arrancarei os olhos dele na sua frente e depois arrancarei os seus.
Lágrimas escorreram por meu rosto, não me atrevi a dizer nada. O gosto salgado chegou ao meu lábio cortado e a ardência foi dilacerante, mas seria incapaz de superar meu medo. Engoli um grito em seco.
O observei abrir e deixar a cela, ouvi o eco de seus passos no corredor, escutei o som de uma porta fechando e um clique me largou na escuridão.
Encolhi-me como um feto encostado na parede e esperei que um milagre viesse me tirar dali. Acabei adormecendo exausta e dolorida apesar da enxaqueca. Acordei diversas vezes ao sinal do menor barulho, temia que fosse ele voltando.
Tudo o que me deu de comer nos dois dias seguintes foi pão e um chá esquisito com gosto de flor. Eu aceitava por não ter escolha, ele chutava a bandeja no chão e desaparecia para meu alívio. Eu permanecia ali naquele chão molhado, não havia banheiro, nem aquecimento e estava cega naquele breu. Desesperada para respirar um ar que não fosse carregado de mofo.
Desde que Ethan me deixou sozinha, as vozes ocuparam meus pensamentos. Gritos, sussurros, lamentos e pedidos de misericórdia me atordoavam. As vezes elas berravam, me arranhavam de dentro para fora, suplicantes.
Algo muito pior que estar presa acontecia em mim, me sentia sendo arrastada para o vazio, meus sentimentos estavam adormecendo. Qualquer vestígio de esperança que ainda me restasse, morreria em breve.
Eu passava o tempo tentando contar as vozes que não me deixavam, era uma maneira de não enlouquecer.
Não sei quanto tempo depois, um vento morno me aqueceu. Senti o desejo de vida voltar para mim, veio seguido de um momento de paz, contrastando com o que acontecia ali. A sensação de ser salva pairou no ar, e eu soube. Era ele. Usei toda a força que me restava para evitar que seus olhos aparecessem, pois Ethan parecia determinado a cumprir sua ameaça.
***
Nathaniel
Liza tinha a boca cortada, não vi o que lhe aconteceu. Ela estava presa em uma cela, encolhida em posição fetal, mas o que me desesperou foi seu olhar vazio, desprovido de esperança. Eu precisava tirá-la dali antes que ela desistisse. Dilacerei-me ao ver o que lhe acontecia e era forçado a ficar de expectador até que Johan concluísse a sua missão do Templo.
Eu podia ter chegado tarde para impedir o ocorrido, mas não era tarde para salvá-la.
Ela sentiu que eu me aproximava. Seria uma questão de segundos até livrá-la de sua aflição. Meu peito se encheu da saudade que me feria e deixei que seu rosto inundasse meus pensamentos, ansiava por revê-la em nosso elo, naqueles escassos momentos em que nos uníamos, pois era no vislumbre desses segundos que eu renascia.
Esperei e sabia que a seguir veria seus olhos fitando os meus, mas ela me impediu. Bloqueou todas as minhas tentativas seguintes.
- Liza! O que está fazendo? Deixe-me salvar você!
Tentei novamente e foi inútil, lutava para encontrar o invisível.
- Não! O que aconteceu? Onde você está?
Arfei e respirei fundo. Tentei outra vez deixar o deserto e não pude.
Concentrei-me pela primeira vez, em ouvir as ruínas do vento no lugar de espalhar as minhas próprias para quem as quisesse ouvir. Apurei os ouvidos até que pudesse escutar os grãos da areia do deserto se movendo com a brisa. Os sons do universo então se calaram e tudo ao meu redor se transformou em sussurros, começaram ventando em meus ouvidos. Angústias, medos, risadas, desejos. Foquei todo o meu esforço na sua voz.
Por favor Liza, deixe-me ouvi-la.
E a visão chegou até mim, eram as ruínas de Olaf ainda no corpo de Ethan preenchendo meus pensamentos. Eu não estava pronto para isso, o que Gaia havia esquecido de me detalhar, era que ao se alimentar das ruínas, quem o fizesse receberia todos os sentimentos de seu alvo. Enojado e dominado pela fúria, seriam palavras pequenas para descrever o que eu senti após assistir. Mas entendi porque ela não me deixava me aproximar. Ele havia ameaçado a mim e as pessoas à sua volta e mesmo sem a memória do quanto nós significávamos para ela, Liza estava disposta a suportar tudo sozinha.
Gaia se materializou ao meu lado, tateou o ar e o levou aos lábios, se regozijando com as minhas ruínas de desespero.
– Enfim vejo que aprendeu, Nate. Estava me cansando dessa sua tristeza.
– Foi para isso que você me ensinou? Para me destruir?
– Querido, por favor. Essa postura de pobre coitado não combina nadinha com você.
– Como eu poderia me fortalecer daquilo? Do ódio que existe nele? Por que não me disse que os seus sentimentos dele, seriam os meus quando eu os visse?
– Não me confunda com Johan, Nathaniel – disse ameaçadoramente e me encarou de perto com seus olhos púrpura – Eu não estou aqui por você.
– Não me diga o óbvio Gaia, mas não irei insistir em descobrir seu motivo. Que é por benefício pessoal, não é preciso ser nenhum gênio para perceber.
– Você está me entediando, Nate. Quando decidir parar com esse auto flagelo e quiser saber o que tenho a contar, apareça – falou impaciente e desapareceu.
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GENNNNNTE, vcs acham que eu maltrato demais esses dois? =O
Beijossss e até amanhã!
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