DEVER DE CASA
Dever de casa
Liza
Cheguei ao Central Park e como não vi Adrian no banco habitual, me sentei e abri a mochila para pegar o livro que ganhei no aniversário de vinte e um anos.
O exemplar de Cem Anos de Solidão escorregou de minha mão e folhas rasgadas caíram de dentro dele.
Estranho.
O livro não me parecia velho para ter páginas despencando. Me ajoelhei para catá-las e quando as olhei, notei que eram páginas de um diário, rasgadas de maneira disforme.
Observei as letras em garranchos, como se as tivessem escrito às pressas.
Fiquei atônita por um momento após ler meu nome no início de uma das folhas:
"Liza,
perdoe-me por nunca ter tido a coragem para contar isso antes, perdoe-me mais uma vez, por contar dessa maneira..."
Fiquei ajoelhada na grama. Vidrada para prosseguir com a leitura, talvez eu finalmente descobrisse alguma coisa.
Uma vertigem escureceu minha visão e senti o corpo girar.
De súbito eu vi. E não acreditei.
Um par de olhos verdes, como esmeraldas. Olhos lindos, brilhantes.
Não sei dizer o motivo, mas os meus marejaram em resposta.
Meu corpo parecia ansiar por isso, o reconheceu, mas eu não lembrava de nada.
O peito acelerou, e chorei sem saber o porque.
Ouvi sua voz suave sussurrar meu nome carinhosamente, e o som me atingiu como um bálsamo em todos os poros:
- Liza
A vertigem passou e o parque rodopiou. Milhares de pontos enevoaram o horizonte antes que eu caísse.
***
Uma coisa áspera e molhada me lambeu a bochecha. Ergui as pálpebras e me deparei com um focinho cheio de sardas me encarando de cima:
"Você sonha muito alto Liza, acho melhor te buscar em casa da próxima vez."
"Bom dia pra você também, como assim sonho muito alto?"
"Olhos verdes vieram te visitar, não é verdade?"
"Saia da minha cabeça, Adrian."
"Torça, para que eu tenha sido o único a ver."
"Me desculpe, por desmaiar."
Ergui o tronco ainda zonza e esfreguei os olhos.
Por que Adrian estaria irritado comigo?
Eu não tinha culpa de ter desmaiado, obviamente não gostei.
O mistério daqueles olhos verde esmeralda, esses sim, eu gostaria de desvendar.
Suspirei. Só por imaginá-lo, uma saudade avassaladora me comprimiu o peito. Ao mesmo tempo, um vislumbre da visão de Ethan comigo na banheira ameaçou se manifestar. Sacudi a cabeça. Se Adrian visse, eu estaria perdida. Precisava manter alguma dignidade afinal.
"Desculpe pelo meu humor Liza, mas você continua sonhando alto."
"Adrian, por favor, SAIA DA MINHA CABEÇA!"
"Não é fácil como você parece imaginar, apenas controle seus pensamentos, alguém mais pode estar ouvindo."
Percebi que isso nunca daria certo, três minutos com ele e eu já queria ir embora. Sua forma autoritária me tirava do sério. Levantei e respirei fundo:
- Adrian, você pode por favor, falar comigo?
"Eu estou falando com você."
- Não, você está pensando e eu ouvindo. Prefiro falar com você Adrian, não Toffee.
Em questão de segundos, o husky siberiano se transformou no homem com olhos caramelo, sardas e cabelos encaracolados.
- Você não se preocupa que alguém possa estar olhando? – conferi as pessoas a nossa volta, ninguém parecia abalado.
- E os humanos veem alguma coisa? – respondeu com um sorriso confiante no rosto - Se acalme Liza, eu sei o que eu estou fazendo.
Optei por me calar e me sentei no banco o dando a deixa para falar o que veio dizer. Para minha frustração, ele ficou ali de pé e me encarou com um sorriso inocente no rosto.
- Você é uma figura Liza.
Continuei estática e olhei para ele, seca.
- Por que está tão irritada? – Adrian sentou ao meu lado relaxado, apoiou o cotovelo no encosto do banco e descansou a cabeça na mão, parecia o dono do mundo. Me olhava com aquele ar de cão abandonado e eu já derretia como manteiga.
- Estou irritada comigo mesma, Adrian. Já tenho muito no que pensar, e agora fico desmaiando pelas ruas. Não entendo nada que está acontecendo e as coisas só parecem piorar. A cada dia que passa descubro algo novo, mas não lembro de nada. É muito frustrante.
- Sua memória voltará, é só uma questão de tempo. Confie em mim.
Por que deveria?
- Eu ouvi isso, Liza.
- Desculpe.
- Eu entendo você. Deve estar cheia de perguntas, quer me falar alguma coisa?
- Nem sei por onde começar.
- Então, eu começo. Você sofreu um trauma Liza. Mas não foi por isso que perdeu a memória. Ethan hipnotizou você, e vai durar até o próximo ritual. Quer dizer, você nunca conheceu Ethan de fato, só o corpo dele.
- Adrian, eu estou a um passo de enlouquecer. Acabo de dizer que estou frustrada e você me cospe isso?
- Preciso que você seja forte e confie em mim. Não temos tempo e você corre perigo. Falta pouco para o fim do próximo ciclo lunar, ele pode tentar algo. Não fique sozinha com ele e não acredite em nada que ele disser.
Então era isso. Eu não teria paz, em nenhum lugar que eu fosse.
- Obrigada Adrian, por não me dar nenhuma saída.
- Você vai superar Liza. Mas lembre-se, ele não deve saber de mim, não deve saber de nada, seja o mais vaga possível, minta. Só não tiro você do apartamento porque levantaria suspeitas e não sei o que ele faria.
- Tudo bem. – O pânico já corria pelas minhas veias – Adrian, preciso ir para casa descansar. Não estou me sentindo bem.
- Eu levo você, vamos.
Adrian se levantou e dobrou as páginas do diário que estavam no meu livro, para depois guardá-las no bolso. Eu sequer havia reparado que estavam com ele.
- Aonde você vai com isso? São minhas!
- Vou devolver, quando a sua memória voltar – anunciou com ar autoritário, como quem encerra o assunto.
- Não, você vai me devolver agora!
- Não Liza, estou fazendo o que é melhor pra você. Ainda não está pronta pra isso.
Dei as costas e sai a passos rápidos. A raiva corroendo meu sangue. Sabia que não adiantaria me estender ali, ele era muito mais forte que eu. E quanto mais eu ficasse, mais raiva sentiria. Mas eu não deixaria isso barato.
Já que Adrian parecia tão interessado em mim, eu encontraria uma maneira de fazê-lo me devolver as páginas. Por bem, ou por mal.
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Hmmmmm, o que será que esconde esse diário, hein? Mistérios...
Beijosss amores! Bom restinho de feriado e até sexta! =)
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