IV
Luccy ficou em silêncio por algum tempo, como se considerasse se era prudente me dar a informação. Então ela ergueu o olhar. Seus olhos castanhos fitaram os meus.
— Há uma profecia élfica e também das fadas... — Sua voz estava profundamente séria. — Sobre uma guerreira.
— É mesmo? — Parei o que fazia, somente olhei para Luccy. Ela tinha toda a minha atenção.
— Sim. Dizem que em seu caminho de vingança ela encontrará a grande verdade, então será capaz de tocar onde nenhuma tocou. — Luccy complementou, um tanto reticente e enigmática.
— É verdade? E ela está no tal Pomar? — Eu já tinha ido longe demais para parar naquele momento.
— Não, ela está... — Ela desviou o olhar para o chão e me encarou outra vez. — Você já ouviu falar de Lira Merak? Você disse que é da Transilvânia. Ela é uma Bruja do fogo. Eu já a vi, com meus próprios olhos, e fiquei perplexa com sua aura de poder. Você a conhece?
Abaixei a cabeça quando senti se formar um bolo na minha garganta. Demorei alguns segundos até sentir que poderia responder porque a minha voz tinha sumido.
— É... — Engoli seco. — É a minha mãe.
Os olhos dela se arregalaram de surpresa por um breve momento, então ela me deu um abraço apertado e duradouro.
— Seja forte e resiliente, Ana Merak. — Luccy disse ao me soltar de seu abraço amigo. — Não deixe de acreditar. Nunca, sob nenhuma hipótese, duvide. E saiba que você é especial, de uma maneira que os comuns não podem entender.
— Eu sou. — Falei, emocionada, segurando o choro.
Uma borboleta azul entrou voando pela porta da casa dela e meu medalhão brilhou. Luccy apontou o dedo para a borboleta e ela começou a brilhar.
— Ela se atrai por magia. É uma mensageira de que existe um ser mágico por perto. — Ela então apontou o dedo para o meu medalhão e a borboleta se tornou energia, se fundindo com ele. — Ou um item.
— Esse medalhão era da minha mãe. — Falei, segurando ele com uma mão. — Ela deu para me proteger, quando a minha irmã morreu.
— Ele tem a alma dela. — Luccy falou. — Um dia ele protegeu a sua mãe a pedido de seu avô. Agora ele te protege a pedido dela. Você vai se esquecer disso às vezes.
— Não posso me comprometer a lembrar. — Sorri. — Às vezes ele me faz sentir como eu me sentia quando abraçava ela.
Segui com a minha receita de biscoitos.
— Quando ela voltar, traga para eu conhecer. Todos querem vê-la. — Luccy disse.
Como era apenas um sonho, me comprometi.
— Eu trarei.
Mewleficent bocejou com um curto miado no final. Luccy sorriu.
— Ela é uma princesa muito poderosa. Talvez um dia se torne rainha. — Fuxicou.
— Papai não vai deixar eu ser rainha. — Mewleficent disse em tom chateado.
— Por quê não? — Questionei, já ficando chateada.
— Porque papai ama demais e o amor pode nos limitar no medo, mas eu sei que consigo. — Mewleficent fez um bico.
— Eu confio que você consegue. — Eu a apoiei. — Um dia, quando eu crescer, vou herdar todas as terras do meu avô. Eu vou dar comida para todos os habitantes e ninguém mais vai passar fome.
— Miai! Papai não quer concordar, então não sei. Já você...
Coloquei os biscoitos no forno.
— Quando for rainha e eu governante, podemos nos encontrar! — Sugeri. — Não é verdade, Luccy?!
Ela sorriu de maneira enigmática.
— Depende...
Ficamos em silêncio por alguns segundos enquanto A mão de Luccy brilhava encostada na tampa do forno. Ela estava assando com magia.
— Uau! Isso é incrível. — Falei enquanto o cheiro de biscoitos amanteigados tomava conta do ambiente.
Logo Luccy tirou a forma de biscoitos do forno. Eles estavam dourados e macios. Peguei um, assoprei muito e coloquei na boca. Ele derreteu na língua.
— Hmmmmmm... — Dei alguns pulinhos de alegria.
Mewleficent deu um longo salto e caiu em pé perto de nós, com seu olhar curioso.
— Vou pegar um. — O tom sugeria que era um pedido.
Luccy estendeu a forma para ela. A felin pegou um biscoito, colocou na boca e também apreciou o sabor. Catei outro, a seguindo. Luccy, rindo, colocou a forma sobre uma mesa.
— Ficam mais gostosos com leite gelado de gengibre, hortelã e mel. — Ela estalou os dedos e os copos surgiram em nossas mãos.
Dei um gole, sentindo a delícia de sabor que se formou no meu paladar. Aquele era o melhor sonho de todos.
Depois de comer os biscoitos, saímos para fora da árvore de Luccy. O riacho parecia convidativo, então eu pulei na água, sem cerimônia. As minhas novas amigas pularam também, dando pequenos gritos de alegria. Luccy, com sua magia, alterou nossas peças de roupas para algo menor e mais leve, que nos permitia aproveitar mais.
Se tornou uma festa entre nós, que jogávamos água uma na outra. Luccy fez uma onda se erguer comigo sentada no topo. Exibida, Mewleficent projetou um pequeno golfinho de água e montou em suas costas. Luccy conseguiu mudar a profundidade do riacho, deixando um pouco mais fundo. O golfinho da felin saltou, carregando ela, fez uma acrobacia e deu um mergulho, sumindo. A felin emergiu com os cabelos completamente bagunçados e nós rimos.
Brincamos tanto que ficamos exaustas, então nos jogamos nas areias brancas, sob o sol ameno. Nossos suspiros altos e relaxados podiam ser ouvidos ao longe. Luccy devolveu as nossas roupas.
Ela se levantou e saiu. Pouco depois voltou.
— Lembrei onde estava a pedra preta. — Ela riu e estendeu a mão, mostrando uma rocha magnífica do tamanho de sua palma.
Não era simplesmente preta. Na verdade, parecia o céu noturno, estrelado. Levantamos e nos pusemos a admirar por alguns segundos.
Aos poucos a tristeza e o pesar do fim nos tomou, pois soubemos, em nosso íntimo, que era hora de partir. Demos um abraço triplo fazendo promessas de encontros e agradecendo por tudo o que fizemos uma pela outra.
— Visitem-me no castelo. — Pedi, como se fosse possível.
— Se eu tiver oportunidade. — A felin respondeu.
— Irei mais vezes do que você poderá contar. — Luccy prometeu.
A elfa traçou o desenho certo no chão e colocou a pedra no centro.
Primeiro foi Mewleficent quem ficou no centro do círculo. Ela recitou as palavras:
Leve-me para onde meu coração mandar.
Em breve ela sumiu, como se nem existisse. Em seguida, foi a minha vez. Caminhei para o centro, parando entre as estrelas. Posicionei-me sobre a pedra e recitei a palavra, sentindo um frio na barriga.
— É hora de acordar, Pituquinha! — A voz de meu avô me alcançou no escuro.
Abri as pálpebras e vi ele na janela, sorrindo.
— Vovô, eu tive um sonho incrível! — Pulei da cama e ele me pegou no ar.
Contei todo o sonho enquanto ele me arrumava para o dia. Ele sorria.
— Que amigas valiosas você conheceu em seu sonho, meu amor. — Vovô terminou de pentear meus cabelos e beijou o topo da minha cabeça. — Fiquei com ciúmes delas, pois eu também queria os biscoitos amanteigados.
Ele cruzou os braços na frente do peito e projetou um bico de chateação com seus lábios.
— Eu posso fazer biscoitos muito melhores para você, vovô! — Falei, jogando os braços para cima.
— É mesmo, Pituquinha?! Então vou esperar por você lá embaixo. Irei adiantar a novidade e fazer inveja ao seu pai que já deve estar por lá, com aquela face azeda. Feio, feio. E vai ficar ainda mais feio quando estiver com uma carranca de despeito diante dos meus biscoitos especiais. — Vovô implicou e esfregou as mãos enquanto sorria.
Soltei uma risada curta quando ele saiu do quarto.
Fui colocar a camisola sobre a cama e algo me chamou a atenção. Olhei de perto para o tecido claro. Incrédula, com os dedos trêmulos e o coração batendo na garganta, pincei um pelo de cor púrpura. Olhei para os lados, desconfiada. Nada estava fora do normal. Caminhei até a janela, com o pelo na ponta do dedo e soprei para o vento carregar até onde a sorte o quisesse levar.
— Até um dia, amiga Mewleficent. — Desejei. Ela provavelmente não era real, mas no meu coração aquela amiga sempre iria existir.
Suspirei e olhei para baixo, deitando o meu olhar sobre as copas das árvores do nosso pomar. Algumas folhas se mexeram, então eu a vi. Luccy, a elfa, estava lá, com seu vestido vermelho, uma bolsa de couro. Encarando-me por entre os troncos das árvores. Ela não era um sonho. Luccy era real. Meu coração acelerou e a respiração ficou entrecortada quando ela acenou, sorrindo para mim. Acenei de volta. Ela balançou a cabeça de uma maneira engraçada, enquanto dava alguns pulos de alegria, sacudindo seus longos cabelos, que estavam lisos.
— Ana, que história é essa de biscoitos?
Ouvi a voz do meu pai me chamar e olhei para trás. Quando olhei de volta para as árvores, só vi Luccy fundindo seu corpo com o tronco de uma árvore até desaparecer completamente.
— Seja para sempre feliz, querida Luccy.
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