3. Fora da curva
❀ Capítulo 3 | O Som do Silêncio ❀
Liam odiava injustiças. Ele também odiava violência, mas às vezes... Bem, ele sabia que às vezes era impossível segurar a raiva - sobretudo diante de uma situação a qual ele considerava inconveniente. O garoto nunca havia se envolvido em brigas antes - ao contrário. Sempre fora obediente e aparentemente calmo. Nunca deu trabalho aos pais e nem mordeu os colegas no maternal. Mas, quando tudo em sua vida parece ir mal e ainda ter que lidar com alguns adolescentes idiotas todos os dias, é quase certo que as coisas vão sair do controle.
Sua classe do nono ano parecia ser composta por um bando de rapazes de vozes falhas que ainda deveriam estar usando fraldas. Liam tinha que suportá-los todas as vezes que faziam piadas sem graças sobre garotas e pegavam na genitália alheia. Ele dava graças aos céus por aquela escola não possuir ensino médio - não aguentaria a presença de 90% de seus colegas no ano seguinte; o que o deixou bastante aliviado ao saber que mudaria de escola novamente. Quem sabe, no ensino médio, aqueles brutamontes finalmente iriam amadurecer.
Liam não era considerado másculo para a maior parte dos garotos - e nem por ele mesmo. Mas ele não se importava. Enquanto a maior parte dos meninos já estavam alcançando um metro e oitenta e enchia o rosto de espinhas, Liam ainda era considerado baixo e tinha pele de bebê. O fato de ser tão quieto, sentar na carteira da frente e ficar com bochechas vermelhas no frio (deixando-o assustadoramente parecido com um querubim) o excluía totalmente do grupo dos meninos. E, apesar das garotas o acolherem bem, Liam preferia ficar sozinho lendo seus mangás no intervalo - afinal, o que seria melhor que Death Note naquelas circunstâncias?
- Ei - João, um garoto de cabelos pretos e espinhas rosadas na testa, bateu o nó dos dedos na carteira de Liam. Ele levantou os olhos, tirando os fones de ouvido que colocava para abafar as vozes ao seu redor. Péssima escolha. Um deles falava sobre pornô.
- O que foi? - ele disse duramente, fechando o mangá.
- Precisamos de um goleiro hoje na educação física. Tales faltou. Você podia...
- Não. - Liam respondeu de imediato, colocando os fones novamente.
- Qual é, cara! Vai jogar vôlei com as garotas de novo? Tu é viadinho ou o quê?
Liam franziu o nariz, encarando-o. João olhou de soslaio para Raul, que se sentava na carteira ao lado.
- Isso não foi legal, cara - Liam falou.
João o ignorou, erguendo o dedo em direção à orelha de Liam. Tirou o fone de seu ouvido, colocando no dele. Liam odiava quando faziam aquilo.
- Sério? Ouvindo kpop? - o garoto riu, jogando o fone de volta para ele.
- Vai se foder - Liam falou, irritado. João riu ainda mais, dessa vez tirando o capuz de sua cabeça. Liam ergueu a mão para impedi-lo, batendo acidentalmente seu braço dolorido na carteira. - VAI SE FODER!
Liam encolheu o braço, sentindo a ardência em sua pele. A sala ficou em silêncio de repente - o colégio inteiro parecia ter parado, na verdade - e ele percebeu que havia gritado mais alto do que pretendia. De novo.
- Imbecil - João não parecia nada feliz. Seu rosto estava mais vermelho que o normal.
- João, deixe-o em paz. - Raul havia se levantado de sua carteira, colocando-se na frente de Liam.
- Sai daqui, seu boiola do caralho. - o garoto disse empurrando Raul para o lado; mas sem tirar os olhos do colega à sua frente.
Liam sentiu todo o seu corpo esquentar de raiva. Sem pensar, seu braço dolorido voou na direção do colega. Seu corpo acompanhou-o, dando o impulso que ele precisava. Seu punho atingiu fortemente o maxilar de João, que cambaleou em direção ao quadro.
O professor de geografia chegara naquele exato momento.
- William! - homem gritou em fúria, pondo-se entre ele e o colega machucado. As apostilas que segurava caíram no chão. - Saia da minha sala, imediatamente!
❀❀❀
Ele nunca havia sentido tanta satisfação em sua vida.
Era preciso repetir: Liam não era nada a favor da violência. Sabia que não estava certo. Sabia que deveria ter resolvido de outra forma - como através da conversa, e não do punho. Mas ele não tinha muita certeza se aquele garoto tinha capacidade intelectual para diálogos construtivos.
João fora parar na enfermaria da escola; e Liam, na diretoria. Ouvir uma advertência daquelas do próprio diretor da escola era algo que ele nunca imaginaria que pudesse acontecer. Até mesmo o diretor parecia surpreso com a presença de Liam ali, naquela posição de agressor. Desde que entrara naquele colégio, era sempre elogiado pelas notas e o comportamento. Aquele evento era, com certeza, um ponto fora da curva.
Liam não tinha que dar maiores explicações. Disse exatamente o que havia acontecido - desde as provocações de João e as falas ofensivas direcionadas a Raul. Prometeu que pediria desculpas ao colega assim que pudesse. Recebeu uma suspensão de três dias e um discurso nada caloroso sobre políticas de não-violência na escola, mas ele não prestou muita atenção nessa parte.
O próprio diretor ligaria para os seus pais - mais precisamente para sua mãe, pois era o telefone registrado em sua ficha escolar. Aquela foi a maior preocupação de Liam naquele momento, pois ainda estava brigado com a mãe desde o episódio com Antônio.
O garoto engoliu em seco quando o diretor colocou o aparelho no ouvido e aguardou. Alguém já havia pegado suas coisas na sala e trazido a mochila para ele. Algum idiota tinha amassado seus livros.
- Ocupado. - o diretor disse. Liam quase soltou um suspiro alto de alívio. - Há mais algum responsável que eu possa ligar?
- Minha irmã - Liam disse de imediato. - Ela é maior de idade.
- Fale-me o número.
Liam, que sabia o número da irmã de cor, ditou-os para o diretor quase que com uma alegria perversa. Ele sabia que Marcela compreenderia e exigiria explicações antes de julgar - ao contrário da mãe, que já estava zangada com ele o suficiente.
Ele pôde ouvir a voz da irmã dizer Alô do outro lado da linha ao atender. O diretor se apresentou e se pôs a narrar o acontecimento. Pediu para que buscasse Liam o quanto antes, pois não mais poderia ver as aulas naquele momento - e nem nos próximos três dias. Por sorte, Marcela não tinha aula naquele dia, e poderia buscá-lo a pé.
Liam saiu da sala do diretor com a mochila nas costas e um peso no estômago. Ele não queria decepcionar a irmã. Marcela sempre tentava compreendê-lo, mas aquela era a primeira vez que acontecia aquilo. Havia machucado um colega que apenas o irritava - não porque o agredia. Ele estava começando a se arrepender e se culpar pela atitude grotesca quando um único carro branco parou frente à portaria da escola, onde Liam esperava. Ele franziu o cenho quando viu Marcela descendo do mesmo carro. Por que diabos sua irmã estava em um range rover? Será que ela havia arranjado um namorado rico e ele não sabia?
- Liam... - ela parecia mais preocupada que furiosa. - Você está bem?
- Fui eu que bati, Marcela.
A secretaria liberou sua saída e Marcela o levou em direção ao carro. Havia alguém dentro dele, mas Liam não viu quem era a princípio. A irmã analisou seus dedos inchados, quase arregaçando as mangas de seu moletom. O garoto se retraiu.
- Eu estou bem. - ele disse.
- Você não é assim - ela falava sério. - O que o levou a fazer isso?
- Talvez não fosse a melhor forma de lidar com um babaca homofóbico, mas ele estava me perturbando - ele soltou, sentindo seu corpo esquentar por baixo daquele moletom. Mas ele não ia tirá-lo.
Marcela levantou uma sobrancelha, surpresa.
- Babaca homofóbico...? - ela não completou a frase.
- Ah, eu tenho um colega, o Raul. Os garotos gostam de caçoar dele todos os dias - Liam deu de ombros. - Mas esse foi só um dos motivos. João é irritante.
Para sua surpresa, Marcela começou a rir. Colocou a mão sobre a boca, tentando disfarçar.
Liam ficou encarando-a, sem entender nada.
- Vamos, antes que percamos nossa carona - a irmã disse, abrindo a porta de trás do range rover. O cheiro de carro novo invadiu as narinas dele, e Liam teve vontade de conferir se seus sapatos estavam sujos.
- Olá, Liam.
O garoto mal havia acabado de colocar a mochila ao seu lado quando ouviu uma voz vinda do banco do motorista. Ele se enganou: era uma mulher. E pela postura tão íntima, não parecia ser uma motorista particular de aplicativos. Era bonita e elegante. Os cabelos castanhos claros estavam soltos em ondas, e suas unhas sobre o volante do veículo estavam pintadas de três cores diferentes.
- Hã... Oi? - Liam colocou o cinto, agradecendo mentalmente pelo ar condicionado do carro. E que carro.
- Meu nome é Lana - a mulher disse.
- Ah, ele já sabe quem você é - a irmã já estava no banco da frente, ao lado da motorista. - Liam, essa é minha amiga da faculdade. Quero dizer, ela não está mais na faculdade...
- Não. - Liam negou, olhando para as duas. - Eu não sei quem é ela.
Lana arqueou as sobrancelhas e olhou para Marcela.
- Sério?
- Ele deve ter se esquecido. - Marcela disse. - O ascendente é peixes, sabe como é.
- Vai culpar os signos agora? - Lana virou-se para trás, fitando Liam com seus olhos castanhos. Havia algo divertido neles. - O que você fez, meu garoto?
- Ele bateu em um homofóbico - Marcela respondeu por ele. - Em resumo.
- E vai ficar três dias sem ir para a escola? - perguntou. - Que maravilha! Podemos juntos olhar a casa nova, então. Ele parece tão cansado. Precisa de novos ares.
- Lana...
- ...E eu não sou apenas sua amiga. - ela ligou o carro.
- Lana! - o rosto de Marcela passou de vermelho para roxo.
Liam abriu a boca quando a irmã olhou para ele, pronta para dar explicações. Ao contrário da irmã, a outra mulher parecia calma.
- Marcela - Lana disse, tentando tranquilizá-la. - Ele bateu em um homofóbico.
- Ok... - Liam murmurou para a irmã. - Eu acho que já entendi.
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