32 | ᴏ ғɪᴍ
M E E R A
Meus olhos estavam em chamas.
Nunca, em circunstância alguma, eu havia sentido ódio tão forte como agora. É um sentimento ruim e ao mesmo tempo, instigante. Ele proporciona uma adrenalina que desconheço a existência. Há sentimentos em mim que nunca foram explorados com clareza e esse é um deles.
Nunca fui uma garota exemplar, mas sempre me doei ao máximo em tudo. Pensar em matar alguém sempre foi algo fora de cogitação pra mim, todavia, os caminhos da vida me trouxeram para uma encruzilhada que, certamente, não era o que eu planejava, porém, sinto-me uma nova pessoa, alguém que venceu, talvez uma guerreira.
O meu espírito já não é mais o mesmo, sinto que estou na escuridão e sendo coberta pela luz simultaneamente. Independente da situação, tomar conta de minhas emoções não era o que mais importava agora, o que de fato está em jogo é a vida do desgraçado Etgar Vecilius e seus seguidores.
Aos 45 do segundo tempo eu cheguei, e dou graças a Deus por ter conseguido vir, o campo de batalha central está um caos total. Sangue e poeira estão espalhados a cada centímetro. Sem desviar por nem mesmo um átomo de distância segui meus inimigos.
Jordan estava atrás de mim e ouvi os pingos de sangue deslizarem por sua pele. Supus que o envenenaram ou usufruíram de algum tipo de magia para contê-lo. Mesmo que pensativa, não me deixe distrair. Eles são traiçoeiros, agem nas sombras, como já é de se esperar de pessoas tão desprezíveis.
Podia constatar a raiva que se disseminava pelo ambiente, era mortal. Estou em desvantagens, são quatro contra uma, além de Etgar usufruir de meus poderes. Os comuns podem não ser problema grande, já o líder é uma pedra no meu sapato. Entretanto, agora é tarde demais para voltar e clamar ajuda, então preparei-me para o pior.
O principal inimigo se moveu, suas írises escarlate irradiavam como rubis, e por um segundo recuei. Não posso demonstrar fraquezas. A parte boa de ter me tornado uma vampira é não me cansar, porém, sinto dor, mesmo que menos que antes.
- Imaginei que você viria salvar a vida miserável dele, o defeito das mulheres é terem compaixão demais no coração. O Soberano não merece empatia, Meera, ele é uma aberração. Olhe para você, veja no que ele te tornou, Jordan te condenou ao inferno. Agora é uma de nós, sua alma é pecaminosa, junte-se a mim e te concederei perdão, formaríamos uma bela dupla. Seríamos nós dois contra o mundo, imbatíveis e implacáveis. - Sua voz me ocasionou ânsia.
- Eu o salvaria dez mil vezes, se necessário. Tem razão, Etgar, a partir de hoje somos iguais, porém eu nunca vou ser tão baixa e imunda como você, jamais irei assassinar uma mãe e deixar suas crianças à deriva. Nem se fôssemos os únicos nessa terra eu confiaria em você. Até o cair dessa noite você já estará morto! - Bradei, não me intimidando, cerrando o punho.
- Devo admitir que você usa muito bem as palavras, talvez esse seja um dom que herdou de sua mãe. Contudo, não é mais experiente e esperta que eu, estou nesse tabuleiro há bastante tempo. - Repontou, convencido.
- Não me subestime! - Falei, berrando, já em alta combustão, fervendo como a água de um caldeirão. Os capangas de Etgar posicionaram-se a sua frente, com intenção de protegê-lo.
A bomba-relógio explodiu, precisava agir e aquele momento era o certo. Por mais que eu estivesse confiante, confiança não vence uma luta, à força vence e, certamente, eu estou em um nível abaixo dele nesse quesito. Mas que se dane, pensei, o máximo que posso perder é a vida.
Avancei com força total e acertei em cheio o rosto de um dos subordinados, que voou contra o chão. Foi tão rápido que me assustei. Eu conseguia prever os movimentos, já que os meus olhos acompanhavam as ações de meus oponentes em câmera lenta, dando-me oportunidades revidar nos seus pontos vulneráveis. Todavia, toda técnica nem sempre é 100% eficaz e acabei sendo acertada por um soco na cara, que me fez cambalear e quase cair. Os meus pensamentos estavam focados em como tirar aquelas flechas de ferro de Jordan, pois de alguma forma elas o deixavam fraco.
Não desisti e fui para cima de novo, atacando-os. Etgar não se movimentava, ele apenas me observava com o seu olhar soberbo, como se estivesse no controle da situação, e isso me irritava profundamente. Eu me agachava, dava murros, rasteiras, tentava externalizar todos os aprendizados dados por Jordan e Nathyfa.
Demorei mais do que precisava para nocautear os protetores do Insurreto, mas enfim ficamos a sós. Nos encaramos fatalmente, sussurrando entre o ar que somente um de nós sairia daquele campo de batalha com vida.
- Eles te treinaram muito bem, não é parecida em nada com a garota assustada e medrosa que conheci, Ginevra com certeza estaria orgulhosa, sempre elogiou muito às filhas. Agora que provou ser uma exímia lutadora, pode sair e deixar que eu ponha um ponto final nisso tudo. - Ele elevou o queixo ao falar, soando autoritário, numa tentativa de me amedrontar.
Não me movi, engoli em seco e me preparei para lutar mais uma vez.
- Vá embora, Meera, deixe-me aqui, será feito o que deverá ser feito. Se esse for o meu destino, tudo bem, porém, você não precisa se ferir por minha causa. Eu aguento isso sozinho... - As palavras de Jordan me acertaram como um tiro. Meus olhos marejaram e quis chorar, por mais que não pudesse.
- Seja uma boa garota e faça o que ele pede, não se arrisque por alguém que já viveu 1000 anos. - Etgar reforçou as palavras do meu amado, com uma entonação de deboche.
Meus neurônios explodiam na minha mente e quase entrei numa crise existencial. Em hipótese alguma eu deixaria Jordan para trás, o amo mais que qualquer coisa nessa terra, ele é a única coisa que me restou no meio da névoa de caos. Enfrentamos a grande guerra juntos e iremos morrer juntos.
- Desistir não existe mais no meu vocabulário. - Disse, antes de dar as costas, me aventurando na maior missão de minha vida. Morta ou viva, eu tenho que acabar com Etgar, por isso, irei seguir o meu instinto.
Em um átimo eu me movi até Jordan, acertando com um único golpe as flechas que estavam entranhadas em seu corpo.
Sem pensar duas vezes e sem um plano voei até o meu maior adversário, com as mãos prontas para agarrá-lo e destrui-lo. Estava dominada pelo ódio e pela fúria, totalmente inundada por o desejo faminto e devastador de matar. Quando finalmente o alcancei, agarrei minhas mãos em seus ombros e o empurrei.
Sem tempo para reagir, nós dois despencamos do precipício. Mesmo que de modo discreto, vislumbrei nos seus olhos o choque e espanto. Ele segurou os meus braços com força, pressionando-os. Sua força era tanta que por um segundo acreditei que meus ossos fossem quebrar.
Quando colidimos com o solo foi semelhante a uma erupção, não consegui segura-lo e ele escapou depressa, segui sua sombra e não deixei que ele fosse longe. O vi parado nas margens do rio, tossindo sangue, sofrendo com os efeitos colaterais do Espírito de Feiticeira. Os flocos de neve retornavam a cair do céu e as nuvens ficaram cinzas e sem cor, como se soubessem o que estava chegando. Etgar rapidamente notou minha presença e recuperou a compostura.
- Parece que seu organismo não está se adaptando ao poder que roubou de mim, é até meio irônico, o que passou por sua cabeça quando achou que uma magia tão pura poderia funcionar em seu corpo? Quem te contou tantas mentiras? Essa noite você irá pagar por seus pecados, os esquecidos e os lembrados. - Bradei, exalando ódio, ouvindo a sua gargalhada caótica.
- A convivência com O Soberano aumentou sua prepotência, no entanto, ego não vence batalhas. Eu já roubei o Espírito de Feiticeira de você, mesmo com rejeição posso derrotar qualquer um.
Não permiti que ele falasse mais nada, impulsionei o corpo na direção dele e o atingi como um raio, mesmo que ele tenha se defendido com os braços. Não perdi tempo, logo buscando uma brecha para o acertar com um soco, entretanto, fui interrompida por um golpe no estômago, dado por ele. Perdi o equilíbrio e me estatelei no chão.
Antes mesmo que eu pudesse me erguer, um soco dele atravessou o chão ao meu lado, só que felizmente desviei. Etgar veio a todo vapor. Me ergui e me afastei, ficando em posição de contra-ataque. Ele veio quente e tentei derruba-lo atravessando minha pernas, mas sem sucesso.
Por mais que ele não tenha caído, foi o bastante para uma abertura, o que me deu a chance de acerta-lo com um soco no rosto. Ele oscilou, mas não por muito tempo, posto que logo em seguida ele me acertou, jogando-me contra uma árvore. Em poucos segundos ele já estava me agarrando pelo pescoço e me pressionando contra o tronco.
- Seus traços são idênticos ao de sua família, a teimosia era marcante em sua mãe. Deveria agradecer pelo que estou fazendo, vai poder rever seus parentes. - Seus dedos apertavam com tanta força que a chama em mim foi se apagando e o sentimento de derrota surgiu como um oceano de decepção.
Fechei os olhos, aguardando que as mãos dele quebrassem meu pescoço. O que não aconteceu, pois como um raio, alguém o arremessou para longe.
Então, eu cai na neve, espirrando sangue. Meu corpo inteiro tremelicou devido ao choque térmico que sofri. Me sentei, aguardando que as náuseas parassem e eu pudesse ajudar o Jordan, que guerrilhava frente a frente com o Etgar, mesmo que machucado. Eles não pronunciavam uma palavra sequer, o único som audível eram seus golpes que assemelhavam-se a estrondos.
Todo o meu corpo latejava. Fechei os olhos mais uma vez, engolindo em seco, relembrando os motivos reais de ter começado isso, o intuito de erguer a cabeça e lutar: Carol, minha mãe e minha família. Não posso desapontá-la, não após toda a belíssima trajetória que tivemos juntas, sendo o apoio uma da outra, seria covarde deixar isso somente nas mãos de Jordan. É minha obrigação os vingar.
Me arrepiei por inteira ao sentir o toque de uma mão no meu ombro, não uma mão física, mas imaterial. Ela estava ali, sempre esteve ao meu lado, cuidando de mim, não importa a condição. Procurei dentro de mim todo e qualquer resquício que me fizesse ter a vontade de seguir em frente, todos os motivos que me fizeram nunca desistir. Quando menos pensei eu já havia me levantado, cerrado o punho e rugido o mais alto possível.
Meu corpo foi pra frente, cortando o ar. Acertei Etgar no queixo, enquanto ele se preparava para empurrar Jordan. Sozinhos é improvável vencermos, no entanto, se eu e ele continuarmos a batalhar juntos, temos chances de ganhar. O meu rival logo recuperou a postura, e tomado pelo ódio, veio até mim. Afastei-me pra trás e quando ele já estava bem próximo, Jordan o pegou pelo braço, segurando-o, me acheguei lepidamente, dando-lhe um pontapé no estômago.
Infelizmente ele se soltou e lançou Jordan ao chão, em cima de uma pedra pontiaguda. Como eu não esperava por isso, fui surpreendida com um murro na boca, que me fez sangrar e cair. Ele estava diferente, com mais ódio e fogo nos olhos que nunca. Me esquivei para ele não me tapear, pois um golpe dele é certamente fatal.
Eu corri até Jordan, ficando ao lado dele, no mesmo tempo em que estávamos frente a frente a Etgar, que fumegava. Ele estava a respingar sangue, e por mais que nós estivéssemos cansados, somos dois, ele é apenas um. Não poupei esforços ao ir até ele, com a mão fechada, entretanto, fui interrompida por seus braços que o protegeram do ataque. E ali, eu e Jordan combinávamos jeitos de o soquear, mesmo que não acertassem com facilidade.
Após minutos que transpareciam serem anos, Etgar parecia estar em chamas. E admito estar com medo, ele é traiçoeiro e decerto deve ter uma carta na manga. Então, no mesmo instante, como se estivéssemos coreografados, meu punho e o de Jordan o acertaram juntos, fazendo ele tropeçar e... cair. E assim que ele capotou no chão, observei sangue sair de sua boca, nariz e ouvidos. Ele estava sendo corroído. O impuro corrói o genuíno.
- Seu relógio está chegando ao fim, no fundo eu sabia que não duraria muito. O errado jamais poderá sobrepujar o certo. - Recitei, mancando e com machucados espalhados por todo canto, da minha alma ao meu corpo.
- Vocês são desprezíveis... - Tentou refutar, todavia, foi obstruído por meu pé em cima de seu pescoço, apertando com gosto.
- Termine isso, Meera, é seu dever moral acabar com a raça desse maldito. E assim, nós venceremos. - Proferiu, Jordan, na minha orelha, entregando-me uma adaga que estava jogada no chão, muito provável ser de Etgar. - Finalize a sua vingança.
Agarrei a lâmina, e me agachei até o meu inimigo, que se tremia de medo, todavia, ele estava tão esgotado que nem mesmo se mexia. Foi quando eu coloquei o objeto em seu pescoço, bem na sua artéria. Com as mãos tremendo ele tentou me apanhar. Sem sucesso. Os meus dedos também tremulavam, mais do que imaginei. Vendo desse ângulo, na situação que eu estou, pensei que seria mais prazeroso, mas não é. Não sei se essa questão me cabe agora.
Sem desviar os olhos dos dele, atravessei a adaga no seu pescoço, cortando a sua carne rígida. Ele se debateu, e aos poucos os seus olhos pararam, as írises escarlate tornaram-se negras e ele morreu de uma vez por todas. Eu havia matado o homem que acabou com a minha vida, com a de minha irmã, com a de minha mãe e família, por mais que não tenha sido prazeroso foi satisfatório. Retirei das minhas costas um fardo.
E agora é real, Etgar Vecilius está morto e a guerra está vencida, assim como obtive minha vingança.
Oi amores? tudo bem? esse foi o último capítulo de O Soberano, vou lançar o epílogo e os agradecimentos. Foi uma grande jornada que chegou ao fim, O Soberano está se encerrando com 32 capítulos! Até mais! Se cuidem!
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