
Capítulo 4: Prelúdio da Mona Lisa
*ALERTA DE GATILHOS: PARTO, GRAVIDEZ, ANSIEDADE, HOMOFOBIA, RELIGIÃO, PERSEGUIÇÃO, VIOLÊNCIA FÍSICA, TRAUMAS PSICOLÓGICOS, BULLYING, ASSÉDIO MORAL E VERBAL.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Bluebird - Alexis Ffrench e 3 Gymnopédies: No. 1 Lent et douloureux - Erik Satie, Alice Sara Ott
1 de fevereiro de 1992
Ao interromperem a cerimônia, todos constataram que o bebê estava prestes a vivenciar o exterior. Delphine empenhava-se para manter a calma, se ausentando dos poucos convidados — maioria bruxas de outros cantos — que aguardavam no jardim, até o momento em que seguiu na companhia de Anika na direção do quarto, porém, Anya encontrava-se impaciente conforme as cólicas se intensificavam.
O único pedido feito pela gestante em meio ao desconforto, manifestava num desejo em presenciar mãe e esposa num completo silêncio, sem diálogos ou nada semelhante.
No instante em que a algia torturava a noiva, o parto se iniciou, tardando por horas, mediante as queixas do sofrimento ecoado pela casa, o que deixou os invitados apreensivos para deixarem a cerimônia.
Porém, no momento em que o bebê desabrochou como um minúsculo botão de flor, o ambiente tornou-se sereno.
Surpreendentemente para as que se encontravam no mesmo espaço, algumas pequenas borboletas-azuis invadiram de repente o aposento através da janela e circundaram a mãe e a criança ainda regada de sangue. Delphine se encantou, enquanto Anika possuía sapiência referente a motivação delas ao se manifestarem no recinto.
Gaya Francis Kalitch Demdike abriu seus olhos miúdos para contemplar o mundo, a luz, embora não compreendesse sobre o que se tratava.
O mais impressionante foi testemunhá-la sorrir junto ao seu sorriso ainda banguelo.
Seu nome procedeu equivalente a um louvor aos antepassados da linhagem Demdike, procedentes da cidade de Gaya na região de Dosso, em Níger, país da África Ocidental. Além do prenome, Anya passou a apelidá-la como "Girassol¹", honrando o dia ensolarado registrado pelo nascimento da menina.
O mesmo nome dado para a floricultura, havia sido escolhido antes para a filha ainda resguardada no ventre.
No mesmo dia, o casamento foi finalizado com Anya repousando do momento no quarto, após os convidados se servirem com o bolo. O casal queria finalizar a cerimônia com mais felicidade.
Passaram-se anos, enquanto Gaya crescia, próximos a ela eram repassadas as práticas antigas de gerações das curandeiras.
Como aprendizados, Anika e Delphine se mostraram responsáveis por educar a menina referente às fases da lua, a fascinante gemologia² adequado ao uso terapêutico das pedras, fora o plantio e o cultivo das plantas e utilidades na curanderia, além de ademais lições.
Os ciclos lunares se classificam em etapas que influenciam tanto no pessoal quanto no natural. Primordialmente, a lua cheia retém importância para as bruxas, que se dedicam à colheita durante a permissão do luar. Uma sublime fase para quem cogita recolher os bons frutos ou os que cometeram atitudes condenáveis, herdem como retorno suas nocividades.
No mesmo período, Gaya revelou os primeiros indícios de que foi proclamada pela Mãe Terra a datar do seu nascimento.
Num dos cultivos de preparação à próxima lua cheia, ela atentou-se a pequenos sons agudos, quase uma melodia rasteira, um ruído cintilante, proveniente do enorme cedro no jardim.
Ao se achegar na companhia de seus pequeninos pés descalços, ela tocou a casca áspera da árvore, permitiu a brisa sondar seus minúsculos cachos, admirou o balançar das folhas verdes e sentiu um arrepio. Jamais poderia descrever a sensação, mas interpretava profundamente o que a árvore queria expressar. A natureza manifestava-se jubilosa ao contactar a escolhida.
Enfim, exteriorizou sua dádiva.
Nesse instante, Gaya disparou empolgada e relatou às suas mães o que acabara de ocorrer, fornecendo orgulho para sua família. A última descendente das Demdike era uma "bruxa". Uma pequena e graciosa bruxa.
(...)
Gaya principiou a estudar numa escola primária de Grove, distrito de Rye, aprendeu com sua avó a cultivar sua paixão por sinuca, cantarolar durante as noites frias — em frente à lareira da sala —, pedalar numa bicicleta e entre outras atividades na qual uma criança de sua idade costumava fazer.
No mesmo período, embora a rivalidade permanecesse até as fases atuais, o conflito acerca de Demdike e Gregori insistiam unicamente de Moniese, enquanto por outro extremo, Anika perseverava em manter a pacificidade familiar, apesar da permanência referente à maldição de séculos acima dos homens da linhagem católica.
Ultrapassando os anos, Moniese motivava a perseguição contra as descendentes de Pendle. Por toda cidade propagou-se que as mulheres da família Demdike seriam as abominadas servas do Diabo, como vulgarizado num passado tão distante. O ápice da violência verbal em oposição às curandeiras que ainda suportavam a injusta culpabilidade.
Embora as bruxas se mantivessem num meio católico, em convívio com os demais, jamais relevavam a favor das padecentes.
E decorreu num entardecer na floricultura, que as hostilidades se corroboraram.
Num ato estúpido, abominável e revoltante, a matriarca Gregori reforçou tamanha coragem e astúcia ao se apresentar no estabelecimento. Disfarçou se ostentando para comprar algumas flores no intuito de comemorar a chegada de seu aniversário no mês de janeiro, desdenhou ao tanger as pétalas numa expressão de nojo, até arremessá-las ao chão e amassá-las com os sapatos.
— O que acabou de fazer, Senhora Gregori?! — nervosa, Anya enlaçou os braços ao testemunhar a ação vergonhosa motivada pela sujeita repugnante, no mesmo momento em que Delphine avançou à frente do balcão e aproximou-se cautelosa da situação.
O ato se mostrava mais desrespeitoso no local que homenageia a filha de ambas.
Moniese pisoteou os lírios num imenso ódio e marcou as pétalas brancas com seus sapatos sujos de lama.
Voltando seu olhar desprezível ao casal, passeou as mãos pelos cabelos arrepiados, enquanto as duas aguardavam por uma sincera explicação e num ato ardiloso, surpreendeu pavorosamente as curandeiras.
A mulher de meia-idade cuspiu em direção ao rosto de Anya no similar instante na qual Delphine quase partiu sobre a Gregori e planejou agredi-la. Anya limpou a face na camisa que fedeu com o odor do cuspe, controlou-se numa contagem de segundos até intervir entre sua esposa e a repulsiva matriarca.
— Saia de imediato da nossa loja, Moniese! — Delphine esbravejou e quase estremeceu os vidros da vitrine.
— Esta indignação permite revelar o quanto a sua parentela é asquerosa! Amaldiçoaram toda a geração de homens em minha família e desde então, rezo ao Todo-Poderoso que queimem ou sejam enforcadas em praça pública como as demais que mereceram morrer e retornaram ao INFERNO!
Moniese berrou semelhante a uma fera à procura de irrelevante vingança, porém, o mínimo de sentimentos que as curandeiras experienciaram por ela, correspondeu numa absoluta pena e demérito.
— O Glorioso Pai compreende o quanto almejo por esse dia. Ele possui entendimento acima de tudo... — suas sobrancelhas ergueram-se em vanglória.
— Senhora Gregori, Deus realmente entende tudo. Deste modo, confirma a grandiosidade do desgosto que provoca nele, sobretudo você que provém de uma árvore genealógica católica. O "Glorioso Pai" bem sabe que nós, as bruxas, nos situamos no lado correto da história. Afinal, nos conservamos aqui, sobreviventes, enquanto nos busca para proferir humilhações. Subsistimos o bastante a fim de vê-los padecer. Embora não seja uma Demdike...
— MALDITA! Jamais desejaria nascer como uma de vocês! — a interrompeu.
— Não me interrompa — Moniese estremeceu e presenciou a plenitude de Anya em jamais ser afetada emocionalmente. — Pois bem, agradeço o acatamento. Mesmo que nunca seja uma Demdike, visto que sua prole foi amaldiçoada, quem sabe viva o bastante para vê-los partir? A maldição também serve para você, Sra. Gregori. Fique ciente disso. Não é somente Deus quem sonda e percebe tudo. A natureza detém vasto mérito ao influenciar nossas vidas. Estejamos sempre atentas, porque o que fizer contra nós, retornará a você — seus olhos se estreitaram e transmitiram ameaça sobre as bruxas.
— Está me ameaçando?! — as escleras arderam vermelhas entre os vasos sanguíneos que se formaram. — VOCÊ ESTÁ ME AMEAÇANDO?!
— Entenda como quiser e nos poupe de sua presença. Quem procurou por discussão não fomos nós.
Delphine se conteve em aplaudir, favorável à repreensão de sua esposa contra Moniese. A Gregori quase rosnou como um cachorro raivoso, obedeceu e aceitou que jamais conseguiria extinguir a serenidade de uma Demdike. Do contrário, ela desperdiçou toda a soberba ao ser rebaixada pela mansidão e sensatez de Anya. A bruxa sorriu com desdém na direção da mulher de meia-idade e contrariou a sujeita amargurada.
— Eu poderia ter enfiado a cabeça dela num dos vasos, mas você fez o melhor, querida — beijou a bochecha da esposa. — Você agiu correta.
— Mas isso tudo irá piorar.
— O que deseja dizer com isso? — temeu.
— Delphine, devemos nos preparar — alarmou a companheira, expressou medo e seriedade nas palavras. — Se ela conseguiu agir dessa maneira — apontou para o rosto —, não duvide do que virá mais para frente.
Posterior ao acontecimento desprezível, Moniese não deteve novamente a anterior coragem em enfrentar as Demdike. O mínimo que faria, sabendo que em algum momento as famílias se chocariam num determinado tempo futuro, definiu enfim, distanciar seu único neto prometido à igreja do que aconteceria mais adiante.
Franco II, seu precioso menino, conheceria aquela pequena descendente das bruxas na qual temia com seriedade. A cidade inteira mantinha a consciência referente ao futuro, porém, Moniese renunciava em crer que sua afável criança de olhar azul e misterioso como o oceano, se corromperia ao "pecado".
6 de Abril de 1999: Três dias antes do Último Quarto Crescente
De vampiros até nomes peculiares, Gaya prevalecia olhar esquisito para Franco II.
Raramente recuava seus tímidos olhos na direção da garota, insistindo em manter um diálogo espirituoso e sem bastante proximidade.
A avó do menino havia saído com destino à cidade, de modo a solucionar alguns problemas particulares. Seu pai encontrava-se igualmente distante, obtendo materiais de pintura no intuito de iniciar um novo projeto artístico aos futuros investidores dos museus londrinos e galerias independentes, que lhe concederia reconhecimento e dinheiro. Sobretudo quando se é descendente de um dos pintores renomados na Itália.
De alguma maneira tornou-se detentor de privilégios.
Logo assim, o menino suportava o potencial em tomar conta de si. Com seus exatos sete anos, formava precocemente as suas responsabilidades. Preparava sua própria refeição, entretanto, não poderia utilizar o fogão ou qualquer eletrodoméstico perigoso sem o auxílio da presença do pai, ou da avó.
Ele também higienizava suas louças e organizava o dormitório desacompanhado de assistência.
Como o Sr. Callahan alertava: "são obrigações primordiais suas e nada além do contrário. Caso eu partir, em algum dia saberá se virar sozinho".
Em oposição às demais crianças da rua que se reuniam para brincar, Gaya se conservava como a única desprezada em ocasião da notoriedade que sua família arcava injustamente. Todavia, aprendeu a lidar com as condutas dos outros e se divertia solitária na calçada de sua casa. Embora, conhecendo Franco II, poderia pela primeira vez conquistar um grande e leal amigo.
Eles perduraram em silêncio quando avistaram um grupo de garotos desordeiros passar por ambos, provocaram a pequenina de "bruxa" em meio às risadas maldosas e num tom debochado, que revidou exibindo a língua para fora junto a uma careta engraçada.
— Olha a bruxa! Bruxa, bruxa... — cantavam zombando.
— Ei, bruxa! — outro garoto ergueu o ofensivo dedo médio na direção dela e chocou Franco.
— Seus idiotas! Estão merecendo um bom chute entre as pernas! Bobalhões! — exclamou com revolta, mas era uma atitude comum naquela rua — Presenciarão a bruxa que realmente sou! — o garoto cobriu o riso junto às duas mãos, temeu ser notado pela nova amiga e os garotos correram para longe. — Está rindo? Deseja se tornar mais uma vítima dos meus poderes mágicos?
— Não, não! Estou confortável lhe apoiando — ergueu as mãos e implorou por calma. — Quando bater em cada um deles ficarei na torcida — temeu.
— Menos mal... Nunca ouse desafiar uma Demdike. Ouviu bem? — ergueu o dedo indicador direito para o alto. — Aprendi essa fala com a Uma Ionda — Franco II não compreendera sobre o que se referia e Gaya lhe interpretou, exalando surpresa. — Não entende sobre o que falei? — negou com a cabeça. — Como não, garoto?
— Mas eu de fato não sei de quem se trata — demonstrou confusão.
— Os primeiros exemplares foram publicados em quatorze de janeiro de 1997... A Mansão Maravel... sabe a qual livro me refiro? Da escritora G. H. Harrison? — ele negou novamente com a cabeça enquanto a menina contestava-se a acreditar no que havia escutado. — É uma obra literária que narra sobre um garoto gótico na qual descobre uma porta vermelha que leva até um mundo mágico. Minha mãe guardou o livro em nossa prateleira, porém, se quiser emprestado, posso trazê-lo daqui a pouco. A capa é linda, com a ilustração de uma porta vermelha contornada por galhos cheios de folhas vívidas.
— Ah, não... Não precisa. Agradeço de verdade, mas não devo. Penso que minha avó não se agradaria ao me ver lendo esses determinados livros de fantasia.
Respondeu receoso, porém, no fundo, desejava conhecer o que a menina estava disposta a lhe apresentar.
— Minha nossa! Lamento por você. Deve ser uma marionete manipulada pelas mãos dela.
— Não sou não! Sei fazer muitas coisas sozinho. Coisas que você nem deve saber — reclamou e arrancou um sorriso dela.
— Então não me diga que foi a sua avó também que lhe obrigou a utilizar estas luvas esquisitas de lã? Porque jamais entenderei sobre o motivo para as usar. Está fazendo um tremendo sol... — atentou-se ao céu, demonstrou um semblante desagradável ao expor os olhos ao encontro do sol e enxergou a estrela do dia.
Franco II insistia analisando seriamente se havia necessidade em contar para a então conhecida estranha, sobre o real motivo de trajar as luvas.
Enquanto a menina aguardava ansiosa pela resposta, ele decidiu enfim desabafar.
Não conseguindo manter o contato visual, no interior das luvas, suas mãos suavam e tremiam em decorrência do nervosismo, relembrou os traumas passados junto à mãe, além de supostamente pressentir sua cicatriz coçar pela sensação desconfortável. Portanto, motivado por genuína segurança, gaguejou de início e desenrolou as palavras embaralhadas na ponta da língua:
— E-eu... — Gaya inclinou seu rosto para frente e buscou se atentar à voz do menino. — Jamais poderei tocar as pessoas.
Gaya uniu as sobrancelhas, sem assimilar o que ele acabara de falar.
— Como nunca poderá? Que estranho... — se aproximou dele, para mais próximo da janela, no semelhante instante em que o menino se afastou.
— Eu jamais seria capaz — deu de ombros à garota e gesticulou com as mãos pacíficas. — De qual forma poderei lhe explicar melhor? — tornou-se pensativo por segundos. — Me sinto mal ao tocar em alguém ou se a pessoa fizer o mesmo comigo. Portanto, evito — sua voz fraca e receosa causou novamente a sensibilidade na menina.
— Mas por qual motivo se sente assim? Ainda não compreendi. Você toma banho com as luvas? E de que maneira os seus amigos reagem na escola?
— São tantas perguntas — murmurou. — Então... Não tenho amigos e jamais poderei frequentar a escola. Vovó considera melhor que eu permaneça distante das pessoas. Dessa forma, por enquanto continuo aqui, admirando a rua, as flores e as demais crianças brincarem — a expressão abatida e submissa de Franco tornou-se um fragmento da atmosfera melancólica de sua casa.
Gaya respirou pesado e sentiu uma leve compaixão por ele. Observou os lados, analisou o pequeno Gregori arrumar uma das mechas acobreadas que caíram acima da testa e sorriu num coincidente sorriso de Mona Lisa.
— Fique tranquilo, pois terá agora uma excelente amiga. E olhe bem! — avistou as duas laterais vazias da alameda sem visualizar movimentação. — Se não possuímos amizades, significa que poderemos formar uma. O que acha? Talvez nunca saia de casa, mas me esforçarei para vir até você. O que me diz? — demonstrou empolgação e transpareceu empatia através dos olhos escuros e cintilantes.
— Seria perfeito, mas desconheço sobre o que minha avó pensará. Ela não gostará de você.
— Confie em mim, menino! Ela entenderá! Assim espero. Apesar de tudo, jamais ficará dessa maneira, tão solitário, garoto de nome estranho.
Ambos riram em acordo, conforme duas crianças ingênuas.
A partir desse encontro, uma amizade verdadeira transpareceu, embora suportassem uma memória antiga e triste.
Sem deter consciência, Franco II sustentava em nome de sua família e de seus antepassados uma tremenda culpa ao dizimarem a maioria das Demdike.
Agora, seria a ocasião especial para escrever uma nova e linda história de superação. Nem sequer rasurar o fúnebre passado. A preciosa oportunidade sucedeu depositada sobre as mãos de dois inocentes frutos das divergentes linhagens, tal como telas limpas a serem preenchidas unicamente por cores.
¹Sunflower: Girassol em Inglês;
²Gemologia: É um campo da mineralogia que, no que lhe concerne, um campo da geociência. Ela é, portanto, uma ciência com estudo focado em um único assunto. A especialidade de um gemólogo é estudar, compreender e identificar as gemas, também popularmente conhecidas pelo termo "pedras preciosas".
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