Capítulo 34: A Súplica
*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, PÂNICO E MENÇÃO A MORTE.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Death Proof - New West e Torn - Alternate Version - Selfish Things
*CAPÍTULO SEM REVISÃO MINUCIOSA.
11 de Março de 2019
— Promete que ficará bem? Sairemos para fazer algumas compras e voltaremos — Anya se aproximou da filha que ninava Bloom nos braços, enquanto descansava no assento do terraço. — Delphine organizará seu almoço separado. E Bloom já soltou alguns gases?
— Mãe, não se preocupe — à medida que conversavam, Dane preparava a moto com algumas sacolas de tecido no bagageiro. — Ela já soltou boa parte dos gases e agora se encontra mais calma. A barriguinha desinchou depois da médica ligar. E olhe só — a bebê chupava um dos dedinhos, dormindo feito uma folha e com uma margarida presa aos cabelos ruivos que ganharam mais tons vivos iguais aos de Franco. — Nem parece que passou a madrugada chorando.
Usando somente uma fralda para seu minúsculo corpo se refrescar, Bloom se encolheu nos braços da mãe que uma hora e outra cheirava seu rostinho para entregar todo o carinho que sentia.
Ilustração de Gaya e Bloom Demdike por Ana Araújo
— Jamais pensei que veria você se tornar mãe enquanto estou aqui. Temia nunca a testemunhar ser feliz mais uma vez.
— Continuo me curando, mãe. Faz um tempo que não ouço mencionarem. Nem Dane apanhou novas cartas. Franco sumiu — ajustou a neném nos braços e cheirou seus cabelos fraquinhos perfumados por lavanda. — Durmo todas as noites sonhando com a possibilidade dele estar vivo e de conhecer a própria filha que sequer sabe que teve.
— Posso me comunicar com algumas bruxas próximas. Para descobrirem acerca do Franco.
— Faria isso?
Há tempos que a animação sequer tomava conta de sua vida. Cansaço atrás de cansaço a enraizou numa rotina materna e sistemática.
— Claro! Vamos à cidade e por lá telefonarei para Rita. Ela visitará o túmulo de sua avó nesses dias para conferir a situação das flores e repor com novas.
— Podemos ir, Sra. Demdike. E você, menina — o corvo se aproximou afobado e os olhos pousaram na bebê que adormecia. Também se agachou para tocar os cabelos ruivos. — Bloom, cuide da sua avó e mãe se sabe lutar desde a barriga.
Extraiu um riso nasal de Gaya.
— Já voltaremos, Gaya — ele findou beijando a testa da amiga. — Descanse mais um pouco. Te imploro.
— Certo, mamãe — brincou.
Anya e Dane partiram distante do campo, sumiram pela estrada de terra cercada por gramas altas e Delphine se distraía na cozinha enquanto escutava seus discos de vinil na vitrola.
A cada olhar na menina, ao passo que a enxergava, seus sentidos encontravam Franco feito na fotografia enquanto bebê. Era inacreditável parecer tanto com o pai. Seu pequeno rosto mal carregava sobrancelhas.
Quando Bloom chorava, as sobrancelhas uniam invisíveis como as de Franco. Até um beicinho se formava em meio ao choro. Quando abria os olhos, era possível ver o quanto os formatos recordavam o padre.
Caso não reencontrasse o Franco, Gaya teria alguém para proteger como dois. Sua criança equivalia ao Gregori. Cederia sua vida pela filha, como nunca teve a oportunidade de conceder pelo seu amor de épocas. Ensinaria a ser uma bruxa feito ela, não repetiria os mesmos erros sobre o amor. Muito menos rejeitar.
Enquanto Bloom dormia, seu olhar atingiu o céu azul e a estranheza se apossou dos sentidos ao avistar a lua nova tão cedo entre algumas nuvens. E segundo as Demdike, lua nova no céu é sinal de recomeço. Recomeços também incluem a morte, o renascimento.
No instante que se distanciou da realidade ao assistir à lua, a bebê choramingou. Gaya a acolheu no ombro, dobrou as perninhas inquietas para comprimir a barriga, ninando até se acalmar e deu leves batidinhas nas costas até expulsar mais gases.
— Shhh... tudo bem, amor. Passou... Shhh... — ouviu a bebê se acalmar gradualmente quando a barriga amoleceu sobre os próprios ombros. Estava pesada após se amamentar.
No exato instante, à medida que se distraía com a filha, entre as gramas-baixas e caminho de terra, um sorrateiro carteiro se aproximou do portão ladeado por uma caixa de correios. Por culpa do sol, ele esticou a visão para enxergar a única mulher visível.
— Carta para a Srta. Demdike!
Não conseguia utilizar o sobrenome falso para receber as encomendas.
Gaya ajustou a neném nos braços, cobriu a filha com um pano delicado e se achegou do carteiro.
— Carta para Anya ou Delphine?
O rapaz conferiu os dados e leu o que havia registrado. Uma ponta de esperança e medo plantou um misto de sentimentos próximos de esquecer.
— Gaya Demdike — deu uma pausa até ler o endereço. — Correspondência direto de Rye. É o que consta aqui, senhorita.
Um longo suspiro tomou os ventos, até a atenção do trabalhador. Gaya cambaleou um pouco, o que preocupou o rapaz.
— Senhorita, está bem?
— E-estou sim — os olhos desviaram para todos os cantos, recusando enxergar a carta. — De quem... — reformulou a pergunta. — Quem mandou a carta?
O rapaz conferiu novamente, tentando entender as palavras escritas à mão. O nome para o carteiro era desconhecido, mas não tanto.
— Aqui consta o nome de Franco Gregori como remetente.
Sequer recusou. Precisava apanhar a correspondência e assim fez. Seus dedos desocupados tremularam segurando o envelope e o carteiro se distanciou para cumprir outras entregas.
Seus pés retornaram ao terraço da casa, sentando no mesmo assento de antes. Não houve demora para encarar as palavras escritas pelas mãos que ela conhecia. Das unhas até os desenhos das palmas. Era ele.
A maneira da escrita, as letras desenhadas, o tipo da tinta da caneta, o papel. Ele estava vivo? Ainda?
— Uma carta do seu pai, filha — murmurou para a criança que dormia em seu braço esquerdo depois de remover o paninho. — Tenho que ler. Não posso fugir disso. Dele.
Gaya levou o envelope ao nariz para ao menos sentir o cheiro do homem que amava. Seu coração disparou tão forte que sentiu vomitá-lo para fora do corpo. Ele bateu frenético, doloroso quando desatou a cola, retirou duas folhas devidamente dobradas e sentiu o perfume de canela, tinta de caneta e papel prestes a envelhecer. Era o cheiro dele, de sua pele, o corpo que amava, a vida que prezava. Gaya precisou ser forte, sustentar seus prantos para não assustar a filha.
A memória dos cabelos ruivos tão cheirosos entre seus dedos, os lábios macios nos seus, a voz sussurrante, os olhos tão lindos que reluziam quando a encontrava em qualquer lugar... A carta em duas folhas pertencia a Franco. Ali estava uma parte da sua vida, do seu tempo:
Gaya,
Por meio desta última carta, com imenso pesar, digo que se você a recebeu, parti por culpa da maldição ou aguardo silenciosamente a minha morte no dia do meu aniversário.
Me vejo nos preparativos para me despedir, já defini algumas coisas, o rumo de tudo e por meio dessa correspondência, indico que em breve meus pertences chegarão na Escócia. Bens que restaram e servirão para se reerguer com sua família. Tem meu total consentimento para vender ou fazer o que desejar. Talvez suas mães ou uma nova família que construir.
Além de que permito que partes do meu corpo sejam enterradas junto ao meu pai. Se não levarem a tempo. Igualmente autorizo a cremação se me acharem inteiro e que guarde minhas cinzas com meu falecido pai. Confio nessa função pesada ou qualquer uma ao Dane Dawson. Incluindo reconhecimento do corpo. Ele detém mais coragem para encarar qualquer situação relacionada a minha morte e suas mães guiarão todos os processos finais que me respeitam como indivíduo.
Preciso que se distancie de tudo isso. Não quero que me veja depois do que pode acontecer. Necessito que tenha em mente a minha última imagem. Com vida, feliz ao seu lado. Te amando.
E acerca de uma parte do meu dinheiro, incluindo o que consegui durante minha função sacerdotal, envio o contato de Dr. Kai para guiar qualquer processo judicial contra a igreja. Ele recomendará advogados de confiança que estão dispostos a auxiliar. Durante meu tempo com vida, Kai permaneceu ao meu lado, me erguendo pelos braços para resistir. Mas chegou o momento que cedi. Preciso descansar de tudo.
Também permito a retirada dos ossos de minha avó do túmulo da igreja menor de Rye e a queimação de cada parte dela. Que siga os rituais bruxos que suas mães devem conhecer. Moniese não merece estar enterrada e nem restar nada físico. Muito menos seus bens. Todos foram queimados. Apenas sobraram seus restos mortais que sequer tive coragem de cumprir essa função.
Igualmente peço que todas as minhas pinturas sejam doadas para locais que zelam por pessoas em situações vulneráveis, que nunca cheguem nas mãos de qualquer igreja. Mas que jamais doe as telas que fiz de você.
Quero que mantenha como recordação de como meus olhos sempre te enxergaram. Sua beleza inexplicável foi registrada nas minhas telas. Vivo nelas. São os meus olhos.
Por fim, segundo as más línguas, planejam me findar na igreja principal de Rye. Mas antes deles agirem, penso em cessar tudo por conta própria. Considero que detenho a liberdade de definir ao menos uma vez o que quero fazer.
E se nenhuma carta chegar depois dessa, antes do dia dez de março, saiba que te amo. Parti te amando e sonhando ter uma vida diferente ao seu lado. Te prometi mil coisas, até fugirmos juntos. Mas meu amor, acho que não acontecerá. Me perdoe. Sinto muito, Gaya. Principalmente por tudo o que eu disse, escrevi e pensei.
Errei demais, fracassei tanto, mas a melhor escolha da minha existência, desde pequeno, foi te amar.
Eu te amo.
Franco Gregori.
Datava o dia onze de março no calendário preso na geladeira. Já se passou do dia dez. Nenhuma outra carta chegou com aquela.
Intermináveis soluços, dos mais cansativos de se sugar o ar entre os lábios. Foi o que Delphine escutou entre os sons de folhas no exterior e o barulho das louças sendo usadas para preparar o almoço. Suas mãos antes molhadas foram enxutas num pano de ombro assim que avistou Gaya segurando a filha enquanto chorava. No exato instante, já estava diante de Sol, pegou a neta nos braços que principiou a chorar e tentou compreender o que acontecia, na intenção de normalizar tudo.
Seu olhar traçou em dois papéis largados no assento e Gaya trêmula, sem qualquer força, até para enxergar Bloom.
— O que houve, Gaya? — seu tom desesperado amansou ao manter o controle na situação caótica que um choro de bebê e sua mãe causava. — Filha, por favor, fale para sua mãe. Estou aqui para lhe escutar.
Mas Gaya não conseguia emitir qualquer palavra. Choros e mais choros eram arrancados de seu âmago destruído. Delphine sabia que se a olhasse, os olhos escuros tão lindos estariam banhados num vermelho cheio de pequenos vasos sanguíneos.
Gaya apoiou os cotovelos nos joelhos, escondeu o rosto entre as mãos e chorou mais pesado. Urrando contra a brisa.
— Lhe darei um tempo para ficar sozinha, querida. Vou banhar a Bloom enquanto você liberta o que sente e...
— Franco morreu, mãe — a voz saiu entrecortada, rouca, sem qualquer vigor. — Foi a última carta dele!
— Ele deve estar bem, Gaya. Saberíamos. Shhh... Se acalme Bloom — acalentou a neném que chorava constante.
— Não saberíamos, mãe. Ninguém se importa com ele além de nós. Preciso saber dele.
Recolheu as folhas quase amassando nas mãos e se levantou até ser impedida pela mãe.
— O-o que vai fazer, Gaya? Espere Anya e Dane chegar para tomar qualquer atitude. Pense na sua filha também, querida.
— É igualmente por Bloom que preciso saber do pai dela!
Tomou a filha de Hawthorne e passou a ninar, impaciente. Sem saber que qualquer sentimento era transferido para sua bebê. Todo o estresse e tristeza refletiam na pequenina que se remexia no braço até a mãe apoiá-la sobre o ombro.
— Vou atrás do Franco. Vivo ou não. Quero trazer o corpo dele para enterrar aqui, longe daquele lugar. Me sinto horrível, culpada por deixá-lo definhar por lá. Por não o escutar. Eu o amo e fiz aquilo, mãe!
— Você teve seus motivos, querida. O Franco também teve os dele. Deixe que o Dane se encarregue disso.
— Preciso ver com meus olhos. Necessito ver o corpo de Franco.
Alheias ao que ocorria fora do que discutiam, Dephine saltitou de susto quando ouviu o pequeno portão ranger e assistiu Anya e Dane segurando sacolas. A primeira reação partiu de Anya, que permitiu algumas das compras leves caírem no chão quando enxergou com nitidez sua filha de olhos bem inchados enquanto ninava a neta que a acompanhava num choro.
Delphine parecia anestesiada com a possibilidade de Franco ter partido. Dane estava ainda mais consciente que todas e levou cada sacola até o terraço.
— O que aconteceu? — os olhos de Anya se dirigiram a esposa, pressionando qualquer resposta.
— Gaya? Aconteceu algo com a Bloom? — protetor, Dane se aproximou e enxergou finalmente os papéis semelhantes aos que ele guardava. — Merda... — balbuciou.
— Não tem mais jeito. Leia a carta — apontou com o queixo. — O que me resta é buscar o corpo do pai da minha bebê. O meu amor.
Dane leu a carta superficialmente, apanhou detalhes importantes e o motivo do choro.
— Você não deveria ir, Gaya. E se estão com ele? O obrigaram a escrever e o mantém como refém para em algum instante lhe apanhar com a Bloom? — Delphine tomou consciência ao levantar tal questão.
— Não irei com a Bloom. Quero que cuidem dela só por poucos dias. Eu voltarei. Não serão capazes de me cessar. Matarei todos!
— Filha, o ódio...
— O ódio me esforça agora, mãe. Não dizem que se tocarem num fio de quem amamos, viramos uma criatura irredutível? Pedirei emprestado o carro do Senhor Isaac por um momento para viajar até Rye. Arrumarei qualquer desculpa, mas irei. Na geladeira há bastante leite de reserva para Bloom. Voltarei em breve
— Irei contigo.
Dane deu passos para frente, próximo de Gaya.
— Você precisa de alguém para resgatar o corpo se ele estiver morto. Não é certeza, Gaya. Mas irei contigo.
— Sabe que não precisa.
— Eu sei. Mas você é minha amiga e o Franco, apesar de não ser a pessoa que mais respeito, nunca mereceu tudo o que passou. E Bloom futuramente será grata a você por isso. Sobre como após o trágico fim de Franco, a mãe o resgatou. Portanto, iremos. E talvez eu faça justiça com minhas mãos.
Ambos partiram após as despedidas. Cada um levou consigo uma mochila, Dane equipou os bolsos da roupa e da bolsa com objetos cortantes, muniu a Demdike também. Gaya demorou alguns minutos conversando com sua filha, prometendo que voltaria. Dividia a dor por deixá-la por um momento após tanto tempo apegada na bebê desde que nasceu. Além do tormento cravado na carne ao imaginar Franco Gregori morto.
Viajaram num carro emprestado para despistar a moto do Dawson e a jovem bruxa trazer de volta o homem que sempre amou.
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