Capítulo 33: Puro Florescer
*ALERTA DE GATILHOS: CAPÍTULO LIVRE DE GATILHOS.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Next To You - New West e Bloom - The Paper Kites
*CAPÍTULO SEM REVISÃO MINUCIOSA.
Janeiro de 2019
— Venha, Gaya. Se sente aqui — Dane afofou uma cadeira de balanço estofada que estagnava na frente da casa de campo.
Rodeada de plantas e flores, após almoçarem, ela precisava descansar. Seus pés principiaram a inchar depois de um tempo, a coluna deu indícios que não suportaria tanto o peso da barriga. Era certo estar com oito meses de gestação.
— Já lhe disseram que você fica linda andando feito um pinguim? — brincou, recebendo um bico torto da jovem que segurava as costas para inclinar a elevação redonda para frente. — Não fique chateada com isso. Significa que está muito fofa.
— Você sabe que não estou bem — reclamou até se sentar de pernas afastadas. — Ufa! Já não aguentava tanto peso.
Uma jardineira jeans no corpo ainda prestava confortável com a barriga que escapava dos lados e os seios pesados se sustentavam com auxílio de uma blusa branca de alças finas. Era estranho vê-la sem o vermelho.
Os cachos crespos cresceram mais na altura dos ombros. O nariz, além do rosto inchado, se exibia tão radiante quando os raios solares tocavam a pele retinta.
— Como está Marieta? Ela se chateou quando você falou que ficaria aqui por um tempo, para me apoiar?
— Ela entendeu sim. Inclusive mandou beijos e abraços — sentou-se ao lado da amiga e pôs uma das pernas dela sobre seu colo, para massagear os pés inchados. — Também prometeu que lhe visitará assim que o bebê nascer.
— Agradeço muito por massagear meus pés. Mas espero que Marieta não seja ciumenta — riu e a barriga vibrou. — Ai! Esse chute foi forte.
Ter a sensação de um ser dividindo espaço entre seus órgãos, causava arrepios e a construção de ser mãe, caminhava lentamente para Gaya.
Ansiava por conhecer logo o rostinho do bebê, saber do tamanho, se choraria muito, se daria bastante trabalho como ela deu. Um sentimento estranho emergia. Algo compartilhado como se amasse por dois. Ocupando o espaço de alguém que não se fazia presente por muito tempo.
— E já pensou em um nome? Parece uma criança agitada. Feito você.
— Não... — seu olhar alcançou as ovelhas que correram cedo para uma área mais verde do campo. — Acho que o bebê reage de maneira comum. Não sei se terá a minha personalidade.
— Espero que sim. Imagine ser tão quieto e ter a língua bem afiada — ambos riram. Em especial, a jovem bruxa que sabia a quem se referia. — Dessa vez será diferente, Gaya. Confie em mim.
Sua atenção voltou para o Dawson que encarava a barriga com tanto carinho, expondo o quanto seria um tio que mimaria até cansar.
— Me sinto horrível por deixá-lo. Acho que esse processo me permite ser emotiva. O bebê suga minha racionalidade — concedeu um longo suspiro ao acomodar melhor as costas no assento. — Ele queria ser pai. Eu também queria ser mãe. Mas, mesmo com uma rede de apoio, me vejo solitária. Como se precisasse dele aqui. Com nosso bebê. Afinal, ainda o amo. E então recupero as coisas que ele escreveu, sobre o que pensava de mim... que raiva, Dane. Que raiva.
Mais uma vez o bebê remexeu na barriga, incomodado com o sentimento que a mãe consumiu no instante.
— O bebê sente isso tudo de mim. Não sei se é porque será um bruxo ou uma bruxa feito eu, mas sente. Mexe quando choro, mexe quando consigo sorrir, quando ainda sinto desejo por ele — a maneira que Franco lhe afetava de todos os lados, estremecia até selar as pálpebras para arrancar concentração. — Continuo aqui, Dane. Enquanto me recuso a... — foi interrompida.
— Você prefere isso, Gaya. Ele já buscou por ti depois de Rye. Não adianta mais guardar as cartas. Precisa ler e...
O interrompeu também.
— Ele quis seguir o caminho. Estou trilhando o meu. E com meu bebê. Mas não sou hipócrita em dizer que o queria comigo. Ainda o amo. Acho que vou envelhecer, minha criança crescerá e continuarei o amando tão profundamente que irá doer. Como sempre foi.
— Tudo bem — deu de ombros.
— E nós, eu e meu bebê, nos acostumaremos com isso.
Toda madrugada sua bexiga pesava mais que nos demais horários, onde o percurso até o banheiro era constante. Sorte que não precisava se deslocar tanto para conceder cinco passos e já adentrar o toalete.
Encontrar frequentemente uma posição ideal para dormir e acomodar a barriga, tornava-se uma batalha perdida. Sua privacidade num dos três quartos da casa se fragmentou desde a descoberta da gestação. A porta constantemente se mantinha aberta para qualquer urgência.
Então era notável passar na frente do cômodo durante o entardecer e vê-la conversar com seu bebê inquieto.
Certa vez, Gaya levou um susto, até precisar que uma médica próxima da localidade a visitasse na residência.
O bebê soluçava na bolsa, o que causava preocupação. Mas a tranquilidade foi tomada quando soube ser uma reação normal e que naturalmente cessaria. Tudo era novidade. As dores, o peso que massacrava sua bexiga, os enjoos de chegar ao ponto de recusar sair da cama, a oscilação de humor...
A fez imaginar como seria ter o Gregori experienciando cada acontecimento ao seu lado.
— Quando você nascer, nem sei a maneira que te contarei como conheci seu pai ou quem ele foi — um profundo suspiro elevou a barriga que brilhava pelo tanto que a pele era hidratada por óleos naturais. — Acho que te amaria demais, ao ponto de te mimar e exagerar nisso.
Um travesseiro acolhia sua nuca, o segundo foi posto abaixo da lombar para amenizar a dor e outro por baixo dos pés inchados.
No exato momento que Franco foi recordado, a barriga se moveu. Cada sentimento envolvido na mãe, era possível da criança experienciar
— Gostaria que eu contasse sobre você ao seu pai? Seu tio Dane insiste muito e... — um choro se prendeu na garganta e cantos das escleras, o que provocou mais movimentos fortes. — Me desculpe, minha vida. Não queria que sentisse minha tristeza. Sua mãe anda muito chorosa — um sorriso reprimido nasceu nos lábios. — Se eu contar ao seu pai, não sabemos se ele irá partir feliz ou sentindo mais culpa, entende? Sua mãe não quer o ver sofrer.
Continuou a acariciar.
— Ele era o homem mais lindo de todos, minha vida — sorriu ao lembrar dos detalhes do padre. A face do amado persistia em sua memória. Cada fragmento dele, ação, a voz, as belas palavras, a maneira de insistir em estar tão perto. — Acredito que, por ser o primeiro garoto que me apaixonei, ele se manterá na minha cabeça até o fim. E nossa... eu o amo tanto. É um sentimento tão gravitacional, que jamais poderei esquecê-lo. Franco sempre foi tudo para mim e suponho que ele choraria ao me ver agora — seu olhar lívido atravessou a janela até alcançar a paisagem estampada depois dos vidros.
No exato instante de descanso, mesmo com a porta aberta, Dane, que segurava algumas coisas nas mãos, concedeu dois toques na madeira antes de ser permitido entrar.
Seus olhos atingiram a barriga, como sempre fez. Achava imensamente belo a imagem da amiga gestante.
— Hum... que cheiro bom!
Se ajeitou contra o apoio da cama, sentando para que ele se aproximasse.
— Trouxe duas coisas para você — o rapaz se acomodou na ponta do colchão quando apanhou uma cesta do chão, na sequência ergueu um pote de vidro preenchido e pôs ao lado da bruxa. — Uma cesta de morangos só para comer sozinha com chocolate. Sem precisar sair do quarto por hoje, hein?
— Não imagina o quanto nos deixa feliz — esfregou as palmas e alcançou um morango fresco até levar aos lábios. — Hum... — degustou o sabor. — Sabe onde minhas mães estão? — perguntou de boca cheia.
— Anya está se banhando no sol e Delphine está recolhendo laranjas. Mais tarde tomaremos suco e vou auxiliar no preparo do almoço — sua mão desocupada acariciou os tornozelos da amiga. — Algo com alcaparras no molho.
— E a segunda coisa? Era do chocolate que falava? — já degustava cada morango na boca banhado no doce.
Demorou alguns minutos para Dane ponderar se entregaria ou não. Em partes precisava entregar para não trair a promessa que fizera tempos atrás. Mas compreendia o quanto Gaya se chateava quando a mão estendia para repassar uma encomenda.
— São duas cartas.
Ela parou imediatamente de mastigar e engoliu a fruta com dificuldade. Seus olhos desviaram do rosto do amigo para a mão que sustentava duas cartas ainda lacradas. Tudo se passou na mente da Demdike. Principalmente o fim do amado que, de certo modo, considerava como seu esposo.
— Dessa vez pretende aceitar? — seu olhar preocupado de alguma maneira a pressionava.
— Se no destinatário não constar outro local que não seja Rye, nem me entregue — virou o rosto tão forte e empinou o nariz, que quase doeu o pescoço.
— Gaya, já passou da hora de deixar de recusar as cartas do Franco. Agora parece até uma teimosia sem sentido. Já se passou um tempo desde que ele escreveu aquelas coisas no diário. Ele deve se arrepender amargamente para estar enviando tantas correspondências sem retorno — seu tom exausto atingiu os ouvidos da Demdike que voltou a atenção para a face irritada do corvo. — Não tem como fugir. Não mais.
— Compreende que não posso sustentar tantas emoções durante esse momento? Me causa ansiedade e isso faz mal para o bebê.
Em seu íntimo, ela queria ler cada carta, mastigar cada folha para as palavras digerirem em sua carne. Mas o medo de descobrir serem mais antigas e que ele não estaria mais aqui, de enfrentar a verdade, gritava aos quatro cantos da terra o quanto temia.
— Jura que, no fundo, se recusa a ler as cartas? Ele ainda pode estar vivo, Gaya.
— Não quero ler. Não posso, Dane.
— Tudo bem... tudo bem — balançou a cabeça e se ergueu da cama, distante dela. Cansado de insistir. — Então deixarei na urna como sempre. Algum dia vai querer ler, com ou sem seu bebê. Foram tantas cartas negadas e... — sua voz apertou.
Nunca em toda a sua vida se sensibilizou com aquela situação envolvendo um Gregori. Se pudesse, Dane viajaria até Rye para trazê-lo e acabar com todo o caos daquela situação.
— Não é necessário me fazer lembrar que Franco talvez não exista. Quiçá está aqui observando tudo de outro plano e isso dói. Dói como você jamais me viu enxergar sentir dores comuns. Ele é um pedaço meu. Olhe aqui — suas mãos um pouco sujas de chocolate tocaram por cima da barriga. — Uma parte dele está aqui. Não posso saber quando a última carta enviada foi escrita. Preciso manter o Franco vivo na minha realidade. Encarar o fim vai me matar e eu não posso morrer, tendo agora alguém que surgiu do nosso amor.
Dessa vez não conseguiu ser tão resistente quando as lágrimas se tornaram rios e escorreram junto aos soluços cansados. Gaya não queria chorar, mas precisava. O corvo se aproximou para abraçá-la e a deixou esvaziar todo o peso em seu coração.
— Me desculpe — beijou o topo dos cabelos crespos e acariciou a pele dos ombros retintos, sentindo as convulsões do soluço. — Me desculpe, Gaya. Me perdoe.
— Não quero chorar de novo, Dane — escondeu o rosto entre as axilas do rapaz que sentiu a necessidade de enxergar a paisagem externa para evitar se derramar no choro.
Quando ela já estava calma e descansava na cama, Dane aproveitou para sentar no assento do terraço e ler escondido as últimas cartas que carregava na mão. Algo gritava que precisava saber do conteúdo.
Seus dedos aparentavam segurar quilos do tanto que sentia o peso pelo que existiria nas folhas.
A unha do polegar traçou a primeira até desatar a cola que interligava a aba do papel. A folha se aprumou nas mãos quando a segunda carta foi posta ao lado para abrir na sequência. As cartas sempre foram escritas a mão pelo Gregori:
Rye, 2 de agosto de 2018
Estou resistindo. Não sei de onde arrumo tanta força para me levantar e agora aguardo minha excomunhão da igreja para ter um pouco de vitalidade. Talvez, se ainda houver tempo, preciso te ver. Viver um fragmento dos dias que me restam. Sim, Gaya. Estou morrendo. É pesado admitir isso porque me recusava a aceitar. E se ao menos puder me retornar numa carta, com uma foto atual sua, me permitiria descansar sossegado.
Enfim, se trata de mais uma correspondência. Porém, nessa não consigo escrever tanto como antes. Estou sentindo as minhas mãos enfraquecerem, certo dia cuspi sangue e não sei de onde veio. Meu corpo não é o mesmo. Acho ser o sinal do fim do meu tempo.
Mas sinto sua falta. Muito, meu amor. Isso me mantém respirando.
Eu te amo, Demdike. Por favor, não recuse mais uma vez minhas cartas. Te imploro.
Franco Gregori.
A segunda carta foi aberta, deixando de lado a primeira. Dane já conseguiu sentir o impacto e seus olhos enfraquecerem. Mas não existia nenhuma ideia sobre o que sentiria ao ler a segunda.
Rye, 20 de dezembro de 2018
Gaya,
Foi estranho, você também achará o mesmo, mas ontem sonhei enquanto dormia e durante esse sonho, meu pai me avisou que teríamos um bebê.
Um bebê nosso.
Acho que meu inconsciente almeja passar por essa sensação tão rápida. Mas o que doeu em mim, foi de repente assisti-lo trazer um recém-nascido até minhas mãos, colocá-lo em meus braços como se passasse essa função a mim que ainda permaneço vivo.
Você sequer imagina a emoção de ver e sentir um ser tão minúsculo sendo abraçado, o cheirinho dos cabelos ralos, os sons de inquietação, os olhinhos ainda fechados.
E por instantes, tudo se cortou para alguém me chamando de "papai". Uma risada baixinha e um aperto na cintura quando senti o abraço da nossa criança depois de tanto tempo temendo isso. Tem noção disso? Sabendo que nunca passarei por essa experiência? Com você?
Me faz querer ser o pai que perdi. Vivenciar aquele Natal, mas em papéis diferentes. Viver ao seu lado e dos nossos filhos, se você desejar ter mais de um. Eu teria inúmeros contigo, Gaya. Passaria minha vida em casa para cuidar de cada um e apenas a ver cantar para dizer que a mãe deles é uma bruxa e artista.
Eu te amo muito. Quero tudo com você. Desejo ser apenas um contigo. Almejo escrever, pintar, cozinhar, ler, foder e respirar amor contigo. Feliz Natal e espero que ainda no próximo ano eu consiga escrever mais uma carta para dizer que te amo.
Franco Gregori.
Uma respiração estremecida que percorreu todo o corpo e na sequência lágrimas que deslizaram pelo queixo, quebraram um corvo que por muito tempo sequer chorou com as palavras de um antigo inimigo. Seus olhos acinzentados envoltos pelo vermelho se distanciaram até encaixar na relva e as flores que balançaram com a brisa. Seus ombros caíram relaxados como se um peso derretesse dando margem a empatia.
A carta que prevalecia nos dedos fora fechada e deixada de lado, sem se importar quando Gaya levantar suspeitas de ter sido aberta.
Com o nós do indicador ele enxugou as que restaram nos cantos dos olhos e compreendeu o peso da solidão vista por fora.
Se tratava da última carta escrita e enviada por Franco. Depois dela, provavelmente não haveria mais. Gaya se recusava a ler e não se sabia quando existiria outro sinal de resistência do Gregori. O padre se tornava uma estrela pequena que brilhava até desaparecer no céu, ofuscado, perecendo gradualmente.
Seus sentimentos foram escritos até evaporar tal qual cinzas. Talvez tenha se tornado cinzas. Um corpo qualquer em processo de decomposição ou restado ossos. E enquanto um perecia ou já não existia, uma vida principiava a enxergar o mundo cruel e tão carregado de beleza.
19 de Fevereiro de 2019
Gritos agoniantes se enraizaram nas paredes da casa de campo. Era estranho pássaros comuns acordados repousando nos galhos próximos das árvores. No cerne da escuridão externa, embora a lua tomasse espaço entre as nuvens quase invisíveis, a atenção voltava para uma única janela iluminada por uma luz quente e amarelada do abajur.
Os gritos saíram do quarto de Gaya Demdike.
— Gaya! Filha!
Anya sequer calçou os pés nas pantufas e correu deslizando no piso, antes de Delphine se levantar. Hawthorne seguiu de cabelos bagunçados para acudir a filha que misturava gritos e gemidos tomados por dor e desespero.
Dane, que dormia num outro quarto de frente para a amiga, pôs a calça moletom por cima da samba-canção e descalço, patinou pela madeira e seguiu a única luz da casa. A bolsa estourou e Gaya entrou em trabalho de parto.
O colchão banhado por sangue e líquido amniótico se desarrumou a cada contração da bruxa que sequer sentia as costas relaxarem em três travesseiros por trás. As mãos envoltas e apertando a barriga até enfiar as unhas, entregaram o desespero da mãe bruxa. Sua testa ensopada de suor e a respiração enfraquecida conseguiram mais apoio de Delphine que enxugou a filha com um pano úmido e frio para mantê-la consciente.
Na noite anterior, Delphine já preparava tudo para o parto que surgiu de repente, e distribuiu cada utilidade no cômodo.
Dane não sabia ao certo o que fazer. Para alguém que nunca rejeitou ver sangue, assistir a melhor amiga com sua camisola de alça suja em vermelho, o sobrecarregou de ansiedade. Contudo, ele se direcionou ao outro lado da cama para segurar a mão de Gaya, que esmagou as articulações dos dedos.
— Mãe! — lufou. — A bolsa estourou, mãe! — a voz trêmula e entrecortada avisou o que era visível.
De pernas afastadas, Sol permitiu que Anya direcionasse o parto natural.
Por instantes, a atenção de Dane voltou ao relógio da mobília, rente à cabeceira e constava exatas quatro da manhã.
Distante de qualquer hospital, assim que o parto desse certo, Gaya seria encaminhada para continuar o restante dos procedimentos junto ao bebê. E a situação não se encaminhava tão bem.
— Gaya, preste atenção, filha — Anya, ainda conferindo o processo, enxergou a filha pressionar as pálpebras e dividir segundos com as escleras que reviravam. A dor para a gestante imperava insuportável. Toda a cólica percorria queimando no corpo a cada força que fazia. — Precisa respirar mais fundo e queremos você acordada, meu sol. Expulse ao contar até dez, contraía os músculos ao máximo que conseguir. E Dane, — apontou ao rapaz que no instante largou a mão de Gaya que espremeu as roupas da cama — com cuidado, massageie os ombros e nuca dela para controlar a pressão arterial.
Ele sequer consentiu e nem discordou. Em segundos principiou a ondular os dedos nos ombros da Demdike e dividiu com a nuca.
— Mãe, eu não consigo — sua voz saiu mais fraca e seu coração quase foi expulso para fora do tanto que era doloroso. — Está doendo muito...
— Você consegue, sim, Gaya! Viemos ajudar. Você verá essa criança nascer.
Resultaram em horas de parto. O sol já havia raiado no horizonte, os pássaros cantaram, mas permaneceram nos galhos. Sem nenhum voo e alarde. Só iriam sair quando o choro da criança se propagasse. Mas por enquanto, os gritos de Gaya persistiram ecoando nas cascas das árvores, a relva e o vento.
Quando se aproximavam das onze horas matinais, o grito mais sofrido quase ensurdeceu a todos. Gaya estava empalidecendo. Delphine checou o pulso da filha em completo pavor e chorou silente ao assistir à respiração enfraquecer. Não havia mais força para extrair do corpo murcho.
— Anya, ela não vai conseguir — Dane alertou sacudindo o rosto da amiga que despencou para o lado. — Ela está perdendo todos os sentidos! Gaya, acorde! Por favor...
Começou com Dane e na sequência, Delphine se juntou aos choros. Nenhum sinal da cabeça do bebê, a jovem bruxa esfriava.
— Anya! Pela Mãe Terra, implore! Compartilho uma parte da minha vida! — Delphine gritou desesperada em meio aos soluços. — Implore pela vida da nossa filha e do bebê!
Quando uma bruxa implora para sua divindade e ancestrais, simboliza o quanto a vida da tal pessoa importa mais que a própria. Que um sacrifício seja feito. Uma parte da vida de quem se dispuser a clamar, é repartida. Delphine entregou um fragmento da alma para o bebê. Anya entregaria à única filha que sempre amou.
Ambas não viveriam mais que cem anos.
— Mãe Terra, Mãe Anika, todas as ancestrais bruxas que andam conosco, permita que minha filha sobreviva e seu bebê também. Suas duas bruxas que imploram, concedem um fragmento de vitalidade para que Gaya e sua criança enxerguem o mundo.
A luz do sol adentrou quente pela janela e banhou o corpo de Gaya. Uma nuvem formada pelos pássaros antes nas árvores, rondou por cima do telhado da casa e pôde se escutar o piar de todos. Até as flores que antes cantavam, regressaram e permitiram que Dane Dawson contemplasse a chegada do florescer.
Era mais que primavera e outras estações. Uma bruxa tomava de volta seu espaço e suspiro.
Nenhum evento em toda a terra proporcionaria tanta alegria naquele instante. Cada decisão foi tomada por amor. O mais profundo amor de todos, que nem a morte ofuscaria.
O amor de duas mães por sua filha que precisava resistir. Gaya foi prometida, a escolhida da natureza desde o ventre de Anya, além das constelações, até o mistério existente sob as águas salgadas.
— Ela está voltando, está abrindo os olhos! — Dane voltou a massagear a nuca de Gaya após endireitá-la no encosto da cama. — Você está viva.
Resultou no momento que num único esforço, Anya sorriu emocionada, tão anestesiada de felicidade ao avistar uma pequena cabeça surgir. Na sequência, um corpo pequenino e ensanguentado deu as caras. E por fim, um choro invadiu todos os cantos possíveis.
Os olhos cansados de Gaya se esticaram para enxergar a mãe envolver num pano limpo a minúscula criança com uma das mãozinhas agarrada no cordão umbilical.
— Você é a perfeição — o bebê chorava tanto que soluçava. — Somos avós. Suas avós — o sorriso orgulhoso e amável envolveu seus lábios. — Precisamos chamar a doutora Abigail para cá, urgente.
— Vamos tratar disso daqui a pouco — Delphine confirmou.
— O que houve, mãe? — Gaya se desesperou. — Aconteceu alguma coisa com meu bebê?
— Nada de mais, filha. Seu bebê precisa ter o cordão umbilical cortado e mais outros cuidados. Nasceu com os dedinhos presos no cordão e se recusa a soltar.
Uma gargalhada genuína de Anya, aquietou a filha. Delphine nem se aguentou e se aproximou da criança, deixando Dane enxugar Gaya.
— Mãe, preciso vê-lo — Gaya esticou as mãos à medida que limpavam melhor a criança. — Quero ver meu filho, por favor.
Seu instinto protetor e aguçado, mirava o neném. O único resquício de Franco em sua vida.
Delphine no instante apanhou o bebê com o cordão ainda interligado na placenta exposta entre as coxas e ninou por instantes para amenizar o choro do ser tão pequeno. O sorriso da segunda avó desatou em seus lábios ao entregá-lo para a filha. De maneira inacreditável, os choros cessaram quando Gaya o enlaçou nos braços.
O mínimo polegar atingiu a boquinha, tão confortável que a mais nova mãe estranhou a reação de seu minúsculo motivo para sobreviver.
— É uma menina... — Gaya soprou incrédula pelos detalhes que jamais pensou que ela carregaria. — Minha pequena bruxa.
A ponta dos dedos traçaram os cabelos ralos, a sobrancelha inexistente e as bochechas redondas. Os cílios mal existiam de tão invisíveis.
— Menina, bruxa como a mãe e avós — Anya comemorou e se aproximou. Todos cercaram Gaya de forma tranquila, respeitosa e sem assustar o bebê.
— Ela é como o Franco! — Delphine se abismou percebendo melhor cada característica ainda inicial. — Parece uma boneca de tão pequena.
— O Franco era assim numa fotografia — relembrou com tanto amor ao segurar o bracinho solto enquanto o outro se apoiava com o dedo na boca. — Seu pai, meu amor — a voz afinou para falar com a filha.
A pequenina negra de tonalidade clara, mas ainda sem definição, de cabelos ruivos feito o Gregori, foi beijada na testa pela mãe incansável de admirar. Por segundos, a criança abriu seus olhos ainda sem cor certa e seu sorriso banguelo surgiu ao escutar a voz daquela que lhe gestou.
— Meu amor, você se parece tanto com ele — sequer escondeu o choro saudoso. — Minha bruxinha, seu pai nunca pensaria que você nasceu feito ele.
Pequena e frágil como Franco Gregori, inexistia dúvidas que assim que crescesse, a filha de ambos preencheria a falta que seu pai causaria. Só o conheceria por fotografias, diários, das histórias de todos os que estavam ali.
— Como nossa pequena bruxa se chama, filha?
Gaya voltou os olhos para o real jardim pintado através da janela. As flores e pássaros cantavam, o sol brilhava celestialmente feito um milagre. A visão do Éden.
— Quando nos conhecemos, uma única flor interligou nosso amor sem medir a dimensão. Tudo surgiu como um florescer. Bloom agora é o meu florescer. Bloom Mae Kalitch Demdike. Filha de Franco Gregori e Gaya Demdike. A materialização e certeza do que fomos — suas lágrimas rolaram pelo rosto, queimando a pele sensível. — E que infelizmente findou.
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