Capítulo 31: Decisões Impensáveis
*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE E QUESTÕES EMOCIONAIS.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Silence - TWO LANES e In This Shirt - The Irrepressibles
*CAPÍTULO SEM REVISÃO MINUCIOSA.
— Percebi que não desistiu de mim. Ainda — seu tom soberbo irritou o visitante posicionado bem de frente a ele, que sequer se esforçou para encarar. — As polêmicas que me envolvem voaram bem rápido — sentado num dos bancos da igreja, Franco rezava em silêncio diante de Cristo.
Não sabia se rezava para viver mais um pouco ou morrer de uma vez por todas. Somente tentava quando a visão presa em Jesus resultava num ato de extrema importância.
E sua permanência em casa o permitia ter mais acesso ao espírito diabólico. No silêncio dos cômodos que rangiam às vezes, a figura o observava.
— Eu soube do incêndio no centro e... — coçou a nuca que beliscou em nervosismo —... a ida das Demdike. Não é difícil obter informações assim.
Os sapatos polidos de Kansas brilharam quando o Gregori assistiu sua aproximação por cima do ombro. Era notável o quanto suas mãos em luvas tremiam apoiadas sobre os joelhos e os poucos fiéis que restaram, ainda gostavam do padre e conservavam o respeito. Apesar de toda a Rye saber naquela situação acerca da relação entre ele e a Demdike.
— Como você está? — o analisou tão abatido que levaria o Franco até a capital para se cuidar num hospital bem quisto. — Me preocupo muito contigo, amigo.
O tom retraído e embargado expôs a pena que Kansas ansiava afastar.
— Como pode ver... — inspirou pesado e as lágrimas que segurava com pesar escorreram caladas pelas bochechas, até o ruivo se estabilizar e recolher com as costas da mão esquerda. — Eu não estou bem. Queria estar bem, só que não aguento mais, Kansas.
Somente focava nos joelhos. Não carregava mais a mesma coragem de cruzar olhares durante uma conversa.
— Sinto muito, Franco — sentou-se ao lado do jovem padre para lhe prestar apoio. Por um segundo ergueu a mão de modo a colocar sobre o ombro do amaldiçoado e recuou, como sempre agiu. — Vim me informar da sua situação emocional. Continuo pela cidade, contudo, recolhido distante do centro para poupar muitas coisas. As situações correram muito rápido e...
O Gregori resolveu encará-lo para conseguir conversar sem temer nenhum olhar julgador.
— Foram eles que incendiaram a floricultura das Demdike, não foi?
— Não — nem demorou muito para responder. — Foi tudo muito estranho. Estão investigando aos poucos e as Demdike nem deveriam ter fugido. Prejudica demais o andamento e não podemos fazer nada.
— E... e você sabe se Gaya deixou algo ou alguma mensagem para mim? — contorceu os lábios para baixo.
Levou poucos minutos para Kansas decidir contar que as bruxas fugiram sem dar adeus.
— Infelizmente não, Franco. Se souber para onde elas foram, não conte.
— Nunca contarei. Mas esperava que ao menos ela me entregasse um adeus de alguma forma. Gaya sempre soube como nos comunicamos.
— É melhor ser assim, amigo — encostou as costas no apoio do banco e se inclinou para o lado, na intenção de sussurrar ao ruivo. — E preciso te contar o que acontecerá daqui em diante. Meu objetivo também é lhe alertar. Tentar lhe fazer recuar ou fugirmos da Inglaterra.
— Veio me sentenciar?
No exato instante, o jardineiro surgiu pela porta dos fundos da capela. Suor, palidez e desespero tomaram a face de Eustace que encostou a madeira para se aproximar dos sacerdotes.
— Padre, deseja que eu também limpe o túmulo e regue as flores do seu pai?
Recolheu o chapéu nas mãos e contorceu o tecido.
— Obrigado, Eustace. Por favor, eu agradeceria — foi concedido um sorriso frouxo e sem evidenciar os dentes.
— E o túmulo daqui? Não queria assustar, embora eu esteja assustado, mas parece que se rachou — Kansas lançou um olhar suspeito e dividido nos dois. — Tem um buraco escuro de três centímetros de largura e quinze de distância. Deseja que eu tampe com cimento?
— Depois verei isso com cuidado. Acho ser provocado por algum efeito natural. É estranho porque túmulos assim são resistentes, mas depois veremos.
— Tem certeza? — insistiu.
Uma lenda corria pela cidade que algo se escapa quando um túmulo se racha ou é aberto intencionalmente. A partir do instante em que se fecha, punhados de terra e flores são jogados, e rezas se lançam sobre quem falece, significa que qualquer energia presa ali, se mantém e necessita se conservar lacrada.
— Fique tranquilo. Está tudo certo. Depois veremos.
— Bem, irei para casa após zelar o túmulo do seu pai, padre. Até mais — os referenciou e seus passos correram de volta na porta dos fundos.
— Até, Eustace. Obrigado.
— Franco, você não me falou de um túmulo rachado na igreja. O que isso significa?
— Kansas, não tenho tempo para conversar sobre isso contigo. Quem sabe um dia? Quando eu estiver mais tranquilo? — seu tom firme, rasgado e estressado perfurou os ouvidos do padre. — Eu quem devo solicitar explicações. Por que não me diz o motivo para estar novamente aqui?
Explicações rodearam a cabeça de Kansas que esfregou as palmas das mãos no rosto, a fim de apagar qualquer conflito interno e mental.
— Você recebeu alguém na igreja? — não quis rodear muito na conversa. — Tentaram te matar?
As escleras quase pularam fora das órbitas quando notou Franco afinar o olhar em pura desconfiança. Após Dane indicar que não confiasse em qualquer membro católico, a incluir Kansas, Franco careceu pressionar.
— No mesmo dia do incêndio. Por que a pergunta? Como sabe disso?
Seu corpo voltou em direção ao amigo que já não se mostrava tão amigo assim.
— Fale como soube, Kansas — pressionou.
— Bem, Franco. Olhe para seu pescoço... — sequer notou que o hematoma da asfixia ainda marcava levemente na pele alva.
O mais velho se ergueu do assento de madeira, levou as mãos unidas para trás do corpo, presas na lombar e circulou no piso da igreja, quase formando um buraco ao temer contar.
— Eu não estava por aqui quando isso aconteceu contigo. Fui convocado para uma reunião com meus superiores e acho que já me descobriram.
— Você estava por lá?! Quem está por trás de tudo, Kansas? — Franco se retraiu no banco, num empurrão onde não havia como fugir da presença do "amigo".
— Eu me infiltrei para descobrir as maldades em torno dos sacerdotes que tanto jurei lealdade e quero me redimir pelo meu amigo, Franco. Você! — se ajoelhou para implorar perdão sem tanta proximidade e o Gregori até ergueu meramente as pernas para expulsá-lo. — E nunca pensei que me decepcionaria tanto com o que descobri.
— Quem é o mandante de todos os crimes, Kansas? — repetiu e chiou entredentes, perigoso. Disposto a esganar o pescoço do padre em sua frente. — Se deseja se redimir comigo, fale.
A voz ecoou pela igreja e o som das folhas rodopiando no exterior e passando feito vultos nas janelas com vitrais, anunciou a chegada de uma ventania. E com ela, uma tempestade se formava acima da cabeça do Gregori. Ele estava furioso.
— O Bispo Arlo Hill.
Um zumbido na audição do ruivo o fez perder a consciência. Sua pressão despencou, mas não ao ponto de ceder suas pernas no chão. Ele se ergueu apoiando as mãos nos bancos, à procura de ficar o mais distante de Kansas que se conservou desmanchado no piso, entre uma respiração cortante e barulhenta.
Sem perceber, Franco já estava perto do confessionário, enxergando Kansas do outro lado da igreja. Por instantes observou Jesus abatido na cruz, desviou para os santos entre os lábios semi abertos até os reprimis num fio. Por um reflexo, arrancou as luvas e lançou raivoso ao chão. Além do colarinho branco e preso no pescoço, se mantendo somente com a camisa escura.
Em segundos, resolveu ser mais compreensível.
— Eu... — engoliu seco. — Eu sentia que o bispo era estranho. Ele sempre vivia próximo nos momentos cruciante da minha trajetória, presente, na companhia da minha avó no funeral do meu pai, quando ingressei no seminário, a formatura... Como nunca percebi? Como você não notou?
Atingiu o olhar para Kansas que se levantou com o apoio das mãos, mas permitiu se unirem nas laterais do próprio corpo, contudo, os punhos fechados seguravam a raiva pelo seu superior. Ambos conversaram em extremos da casa de Deus.
— Hill me enganou. Eu o considerava um mentor. Alguém no qual os meus segredos eram certamente bem dirigidos. A voz da experiência e empatia. E descobri tarde demais, diante de mim e na presença de muitos. Soube sem nem ao menos esperar. Sem Dante me alertar, porque Deus me mostrou para que eu comprovasse com meus próprios olhos. Mas Arlo Hill era próximo dos bastardos.
Lentamente, Kansas já estava no centro da igreja, entre o caminho de desenhos no chão e assentos enfileirados em cada lado.
— O poder é uma caixa de surpresas vazia, Franco. Dê ao homem e o veja enfeitar esse vazio da forma que deseja. Não se sabe qual o lado desse poder ele optará.
— Todos foram vítimas do poder. Incluindo você.
Se aproximaram novamente depois das emoções acaloradas se esfriarem num apoio. Agora, Franco somente tinha Kansas e Kai por perto. Duas pessoas que alcançaram um elevado nível de confiança. Não tanto quanto com Gaya. Mas seria impossível vê-la de novo.
— E agora? O que acontecerá?
Uma mistura de decisões corria na consciência do amaldiçoado que só questionou para escolher uma delas baseada no que Kansas expusesse.
— Sinto muito, amigo — enrugou os lábios para dentro e as sobrancelhas despencaram em desesperança. E o jovem rapaz sequer expressou qualquer tipo de terror enclausurado no interior. — Cumprirão o plano bem no dia do seu aniversário, certamente no próximo ano. Embora isso custe a minha vida, preciso lhe preparar.
— Onde? — muitas coisas se passaram na mente e uma delas ansiava descobrir onde seu corpo entregaria os últimos suspiros. — Aonde irão me assassinar?
— Na-na igreja principal de Rye, onde o sino tocará em comemoração — gaguejou e a voz enfraqueceu num provável choro por empatia ao amigo. — O papa chegará na Inglaterra e haverá celebrações por todas as igrejas. Uma delas acontecerá em Rye. Utilizarão disso para acobertar sua relação amorosa, dirão ser pura pressão individual sua. Diante de todos, Franco. Até do nosso Deus — apontou com as duas palmas abertas para o alto. — O centro será tomado por pessoas também de outras cidades para testemunharem o ato e não haver dúvidas do seu fim.
— Deus... — riu anasalado e sequer expressou humor nisso —... a propósito, um ótimo presente, não é? Falecerei assim como meu pai. Sem a mulher que amo, abatido, traumatizado... — entendeu tardiamente. — Como o meu pai. Restarão as fotos e eles queimarão tudo o que servir de valor sentimental para mim.
Passou pelo amigo até se sentar num dos degraus que guiavam ao altar. De costas para Jesus.
— Estou vivendo meu último tempo como amaldiçoado. Deve ter sido assim que os demais se sentiram. O inconsciente deve ter alertado sobre o fim.
— Você viveu numa situação bem melhor que os outros, Franco. Posso lhe assegurar acerca disso. Parece que o destino ou Deus foi paciente e empático contigo.
— Para sequer evitar uma morte desse tipo? Kansas, eu preferia morrer dormindo.
— Todos preferimos — seus passos chegaram diante do amigo sentado e ainda de pé, conversou analisando todos os detalhes da igreja. — Posso te esconder num local mais seguro, diferente do anterior, conheço também alguém na Irlanda disposta ajudar...
— Ficarei, Kansas. Como insisti — impôs sua decisão ao interrompê-lo. — Se não posso ser feliz aqui, prefiro aguardar minha morte para estar ao lado do meu pai. Depois de tudo, acho que preciso descansar nos braços dele. A morte o tirou de mim muito cedo. Preciso ter como última lembrança o nosso retorno para casa depois do piquenique. Aquele rio nunca existiu e meu pai nunca nadou.
https://youtu.be/UbD8WVinVxk
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