Capítulo 26: Remissão dos Pecados
*ALERTA DE GATILHOS: MENÇÃO A MORTE, MENÇÃO A SUICÍDIO, SACRILÉGIO, RELIGIÃO, CATOLICISMO E MENÇÃO A ASSASSINATOS.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Option - Crosses e You're the Sea - Andrew Belle
*CAPÍTULO SEM REVISÃO MINUCIOSA.
28 de Maio de 2018
— Ama o seu irmão? — após a madrugada anterior, durante a manhã do dia seguinte, o sacerdote conversava com um menino ao seu lado no banco diante de Cristo na cruz.
A jovem mãe do garoto de oito anos, o aguardava em quatro assentos atrás após aprovar a confissão. Se abraçava na quietude da igreja menor com seus vitrais e santos piedosos.
Franco permitia a confissão com crianças fora do confessionário. O piso era ruim para os joelhos tão fracos, a altura não acomodava os pequeninos e seria melhor ouvi-las permitindo que o enxergasse.
Transmitia confiança e na presença dos pais atentos e acomodados em fileiras afastadas para prestar segurança.
— Sim, padre — a voz fina e inocente lembrava sua infância, quando o mundo era ínfimo aos minúsculos olhos. — Meu irmãozinho. Gosto muito dele.
Concordou com as escleras expandidas em atenção, mãozinhas acomodadas nas pernas e pés a balançar por inquietação. Era uma criança hiperativa.
Caso se tornasse pai, Franco entendia como escutar seus filhos.
— Então ele o ama da mesma maneira, não é?
— Sim.
— Não seria bom beliscá-lo, entende? Não devemos machucar, ter vontade de ferir alguém que amamos. Quanto mais ferirmos, entristecemos Jesus, que está ali na cruz. Além de que nos entristecemos. Deve doer mais em nós.
Apontou com o indicador para Cristo e o menino acompanhou. Sensibilizado com a estátua tristonha.
— Juro por Jesus que não farei mais. Eu pro-prometo, padre.
No mesmo instante, de súbito e na calmaria da morada do Pai, sem Franco perceber por estar concentrado na confissão, Padre Kansas adentrou a casa do Senhor em seu comum traje sacerdotal.
Distante, sem cerimônias de boas-vindas, de pé, avistou Franco de costas cumprir o confessionário na presença da mãe.
À medida que visitava o amigo, diziam aos ventos na cidade que a igreja recolheu seus membros para planejarem algo grandioso. Aos cidadãos, concernia numa tremenda festividade. Para os sacerdotes que detinham conhecimento do que ocorria, uma tragédia se encorpava para se cumprir.
— Então, criança, que não machuque mais o seu irmão e que Deus, o Altíssimo, seu filho amado e a Virgem Maria perdoe seus pecados. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Sinalizou uma cruz na testa do garoto, sem proximidade. No exato instante, a mãe se ergueu do assento, disposta a voltar para casa e se aproximou de ambos.
— Vamos, querido — apanhou a mão da criança com leveza e muito carinho. — Obrigada, padre. Agradeça ao padre, filho.
— Obrigado, padre — o sacerdote retribuiu com um sorriso grato.
A mulher levou sua criança que parecia ter soltado um peso, cumprimentou rapidamente o outro sacerdote presente e passaram da entrada. No mesmo instante, ao rotacionar o corpo para trás, Franco avistou Kansas se achegar depois de muito tempo distante. Em passos que ecoaram pela igreja. Porém, o amaldiçoado nem pareceu receptivo.
— Reencontrar um amigo como o senhor, não me causa boas impressões — ríspido, recusou enxergá-lo.
Folgou os dedos das luvas enquanto Kansas concedeu o sinal da cruz na própria testa, ombros e lábios para reverenciar Jesus no templo.
— Olá, Kansas. Animado por me enxergar vivo? — debochou e prendeu os lábios num sorriso desafiador.
— Soube que voltou para Rye depois da ordenação. Percebo que não está feliz em me ver se me recebe com pedras e sua língua que esfaqueia.
Sentou-se no primeiro banco onde Franco havia se erguido e ofegou estressado com a recepção.
— Sim, estou feliz em te ver — acomodou as mãos na frente, unidas. Sua imposição na postura, evidenciou os poucos cílios quase transparentes e claros piscarem somente duas vezes até arderem as escleras. — Mas temos que conversar sobre algumas coisas. Seus segredos que me envolvem — apontou a ele com o indicador.
Imaginava o que seria e um suspiro pesado ecoou pela igreja.
— Então, antes de me encher de questionamentos, quero saber se você aceitaria uma proposta — ergueu ambas as sobrancelhas, além do queixo, mediante o olhar estreito.
Não encarou bem o que seu amigo levantou. Talvez o prejudicasse.
— Sem rodeios — revirou as escleras, impaciente. — Fale sua proposta.
— Aceitaria se mudar para uma arquidiocese? Distante da Inglaterra?
— Como é? — sentou-se ao lado dele, revoltado e enrugou o nariz além da testa. — Está me fazendo essa pergunta?
Apertou a borda do banco com as palmas.
— Ouvi o bispo falar que planeja mudá-lo de paróquia. Algumas coisas estão acontecendo e...
— Kansas — quis tomar as palavras numa repentina agonia ao interrompê-lo.
— Se não optar pela arquidiocese, na Igreja de São Tiago de Manchester há um convento onde descansará por um tempo até se mudar de paróquia e...
— Kansas, irão me matar. Eu sei — o tom tranquilo disfarçou seus temores. — Sobre isso que decepciona não ter me dito assim que descobriu. Não quero ser transferido. Se tiver que me assassinarem, que seja aqui. Onde nasci e fui criado.
O padre mais velho contornou os olhares pela igreja e perdeu um pouco do oxigênio. Impaciente e medroso, até bater os pés inquietos. Ansioso ao extremo pela decisão do rapaz e pela quebra de sigilo.
— Como soube disso? — o enxergou com revolta.
— Seu corvo me contou. Dane Dawson, lembra dele?
— O conheceu? — apreensivo, temia o fim de sua amizade com o Gregori.
— Já o vi no seminário quando te visitou, nos falamos brevemente e por pura coincidência, ele conhece a família Demdike. E pelo visto, você não quis me contar cada detalhe oculto nessa investigação, nem para me poupar de mais desgraças — gesticulou logo que uniu polegar e indicador esquerdo, ao pontuar as palavras. — Até quis me afastar dela. Como pôde, Kansas? Sabendo de todos os meus segredos. Era o que eu mais queria. Tê-la de volta.
— Você se encheu de coragem para seguir como padre, Franco! Tentei te convencer a desistir do sacerdócio!
— Errei, Kansas! — se levantou mais uma vez e se pôs ao encontro do amigo. — Mas não entende bem como para mim, se trata mais de uma promessa familiar.
— Não adianta discutir isso com você. Mas saiba que avisei.
Kansas enxergou Franco enfiar os dedos entre os cabelos e bagunçá-los. Caótico entre os dentes presos. Prestes a explodir.
— Ela é o motivo de você continuar aqui, rejeitando uma proposta que talvez salve sua vida — se igualou ao rapaz, à procura de ser enxergado por Franco, que andava impaciente de um lado para outro na igreja. — Ela é sua ruína.
— Não me importo — rangia os dentes ao passo de provocar agonia e conteve lágrimas odiosas. — Se ela é minha ruína, antes dela, sou o que provocou.
Irado, concedeu passos até o sacerdote e quase esbarrou contra ele. Próximo de encostar testas, num provável conflito físico, porém, os punhos em luvas se comprimiram prestes a estourar o couro maleável. Suas veias pulsaram, a mandíbula apertada comprovou uma raiva desmedida e o Gregori sequer piscou para Kansas, que se surpreendeu com as mudanças nas atitudes do amigo.
— Com você, talvez não se importe. Mas e ela? — apontou com a cabeça para a entrada da igreja. — A ama tanto e não se interessa de evitar pôr risco a vida de sua bruxa?
— Gaya Demdike, Kansas. A chame também pelo nome. A forma que entona sua voz ao referi-la, soa com desdém — mordiscou as bochechas e seu traje sacerdotal estava desorganizado pela inquietude.
— Então me diga uma coisa. Seja sincero numa única coisa, Franco — o nome dele saiu feito um sussurro com as palavras que antecederam.
— Não tenho o que mentir — deu de ombros sem o fitar.
— Você já se relacionou intimamente com ela? Por favor, fale a verdade. Se não tem como mentir, fale — desviava o olhar para fora da igreja, de modo a evitar que fiéis entrassem e escutassem.
O silêncio pairou na casa de Deus e Franco considerou finalmente contar.
— Ainda duvida? Não é a primeira vez que desfruto de qualquer intimidade com ela — seco, apenas deglutiu e seu pomo se moveu. — Ocorreu em lugares que não me permito admitir.
Kansas notou o desvio no olhar azul em direção ao confessionário e tudo caiu feito tempestade em sua cabeça.
— Não posso crer, Franco... — o enxergou confirmar com a cabeça. — Aqui?!
Compreendeu onde um dos atos foi consagrado. Bem na casa do Altíssimo e Cristo.
— Não diga mais nada — Roman implorou.
Kansas sentiu os pulmões se esvaziarem e um buraco no estômago conquistou lugar para as náuseas. Entendia o que aquilo significava. Se descobrissem, um imenso caos consumiria a cidade.
Um jovem padre manteve atos carnais com uma bruxa e não se arrependia de suas decisões. Considerariam que fora enfeitiçado. Mas na realidade, Franco era obcecado por Gaya. Partindo do confessionário, decidiu segui-la para onde ela ia.
Reagia tal qual um cão farejador, sedento para estar com ela. Morria quando sentia o perfume, escutava a voz ou qualquer faísca de seu nome por Rye.
— E o que fará, se ela engravidar de você? Já pensou nisso? — apertou os lábios, mas seus olhos mostravam horror.
— Eu não sei. Eu... eu apenas quero fugir com ela — ofegou pesado ao afastar seus cabelos da testa para trás com as duas mãos.
Estático no ambiente
— Então lhe direi o que acontecerá — afrouxou o colarinho ao notar perder oxigênio. — Você é precioso, sua herança pertence à igreja. Portanto, se tiver um filho, passaria para a criança. O que não acontecerá. Afetará a reputação da instituição. Então qualquer oportunidade que surgir para matar Gaya e seu fruto, será viável para eles.
— A herança era dos meus filhos, além de Gaya, até o dia que me fez assinar aquilo quando entrei no seminário, não foi? Passei tudo para eles, até a merda da minha vida. Fale, Kansas!
Gotículas de saliva saltaram e o sacerdote em sua frente recuou o rosto para o lado, comprimindo as pálpebras.
— Eu achava que era apenas isso. O dinheiro para a igreja. Não sabia estarem em posse da sua vida.
Mostrou-se arrependido, culpado, um "verme". Todos os xingamentos para si escalaram na mente e com razão.
— Compactuou com isso, Kansas. Contra mim, seu amigo — o indicador machucou ao tocar o próprio peito, perfurando constante vezes.
— Eu não compreendi que era além daquilo. Me arrependo diariamente por ter lhe permitido entrar no seminário. Eu me sacrificaria por você. É meu amigo, Franco.
Quase se ajoelhou para implorar perdão, mas se lançou de volta no banco até se inclinar, se contorcer para frente e enfiar a cabeça careca entre as mãos. Desesperado.
— E o Reverendo Gaspar sabia desde o internato, não é?
— Todos sabiam que você pertencia à igreja. Seu pai seria padre e ele rompeu o que você passa hoje.
Afastou o rosto avermelhado das mãos e apoiou as palmas esparramadas em cada lado do corpo na madeira.
— Então se eu não tivesse nascido, ele viveria o que estou vivendo?
— Sim, Franco.
Massageou as têmporas, enquanto sibilava algo indecifrável para Kansas.
— Eu te daria uma arma para que atirasse na minha cabeça. Sou culpado por estar aqui.
Kansas soltou. Há tempos que não falava de forma problemática e emergente.
— Kansas, de toda maneira eu morreria. Acho que em partes meu pai foi egoísta por desejar que eu nascesse. Minha mãe nunca me quis. Não sei se ele sabia que eu chegaria até aqui nessa situação e por isso não esperava que eu me tornasse padre, tanto faz. Só que de toda forma, eu pereceria — subiu no degrau que pertencia ao altar e acariciou a grande mesa. — Olhe para mim. Estou me definhando a cada segundo. O destino ou Deus quis assim, não é?
— Não, amigo. Foi a instituição que servimos — cortou os pensamentos misturados do Gregori.
— Esperaram tanto tempo para me matar, mas possuem coragem de dar fim num provável filho meu. Que nem sabemos se terei. E para ser sincero, eu preferia não ter. Imagine nascer sabendo que morrerá — existiu desgosto no mero riso que entregou mediante os lábios secos. — Entende? E espero que Gaya não esteja mais aqui quando isso acontecer. Ou ela merece ser feliz com uma família que não terá o mesmo caminho que eu.
— Ah... mas eles irão atrás. Eles não descansam, Franco. Ela foi testemunha de muitas coisas e o Dawson bem lhe confidenciou. Apesar de um dia tudo ser revelado.
Franco desceu o degrau e parou diante de Kansas que o assistiu formar uma face que emanava um monstro construído pela igreja. O amaldiçoado agora faria de tudo para instigar mais ódio na instituição.
— E eu também não darei sossego a eles. Até o dia da minha morte, continuarei a fazer tudo o que eu puder e quiser. Isso aqui é só uma roupa — apontou para si. — Quero ser o pesadelo deles e que Gaya seja ainda mais. Me moldaram assim e se querem me matar, entregarei a pior morte de todos os meus familiares, que conseguirá traumatizar toda essa maldita cidade.
— Não fale isso, Franco.
Negava insistente com a cabeça e não suportou ouvir tudo aquilo do jovem clérigo.
— Já decidi. Se quiser me ajudar, contrate mídias, tudo o que puder registrar quando o dia se aproximar, para atingir fora da Inglaterra. Quero que chegue até o Vaticano, para assistirem seu padre ordenado morrer. Desejo formar um buraco na testa deles e em todos que testemunharem. E você — apontou —, proteja Gaya. Ela é uma parte de mim. Se acha que sua vida não vale nada, ao menos se acerte comigo já morto, se sacrificando por ela.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro