Capítulo 16: Os Olhos que Invadem
*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, LUTO E CIÚMES.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: I Hold You - CLANN e Call My Name - Ghostly Kisses
https://youtu.be/uNGmyQ8UbZ8
8 de Abril de 2018
No cemitério de Rye a grama era tão verde, que brilhava quando a luz tocava as folhas. Cemitério para quem poderia pagar, sempre zelavam dessa maneira.
Os campos do ambiente eram bem aparados por um jardineiro responsável em manter o vergel menos triste possível. Também contava com uma coroa de árvores que contornavam o espaço, a incluir macieiras que serviam de morada aos passarinhos.
E ali, o sol se expunha vívido por toda a localidade que se entristeceu nos dias anteriores. Anika festejava com sua escolha.
Próximo das nove, Anya e Delphine conversavam com um grupo de elegantes idosas pretas retintas, altas e vestidas na cor violeta, com chapéus enormes e floridos nos cabelos grisalhos. Se tratava das bruxas de York, cidade localizada no nordeste da Inglaterra.
Mulheres idosas, bem-humoradas e que apesar de não aprovarem o cristianismo, se fizeram presentes para se despedir da amiga de longa data.
Elas se vestiam de roxo em respeito e fortalecimento da espiritualidade e acreditavam nas cores como um canal de energia.
Havia mais curandeiras, em maioria negras, residentes de várias localidades próximas e distantes, contudo, as Demdike faziam parte das famílias bruxas que impunham imensa estima.
Cada uma que surgia na intenção de se despedir de Anika Demdike, se aproximavam do caixão de carvalho próximo da cova iluminada e ladeada por faias¹.
Além das demais lápides, beijavam a testa da idosa ainda estranhamente conservada até aquele dia e aguardavam a chegada do padre que se encontrava na capelinha do cemitério, no preparo para o funeral.
Enquanto o jardineiro do local zelava o corpo da anciã, os coveiros arregalaram os olhos destinados à matriarca que se preservava intacta até o dia de seu sepultamento. Cochichavam temerosos entre si sobre a bruxa. E de fato era sobrenatural a conservação física de Anika.
À medida que as outras bruxas e as Demdike se reuniam próximas ao caixão, num círculo que envolvia, uma mera aglomeração, passarinhos multicoloridos voaram até os galhos de modo a aguardar o início da cerimônia.
Até surgiram pequenos esquilos-cinzentos nos arbustos para observar.
E testemunhar um deles por Rye, era raro. Era mais habitual ver gansos intrometidos nas praças ou jardins. Mas aparentavam estar lá por Anika.
As árvores cheias de folhas vívidas balançavam a dançar com o vento, o sol brilhava fora do comum, e os raios tocavam e beijavam a urna de madeira.
De repente, aos fundos da capela do campo-santo, se revelou um jovem sacerdote ruivo vestido numa batina branca, uma estola preta com detalhes dourados a contornar seu pescoço e segurava uma pequena bíblia marrom nas mãos, além de dois coroinhas que o acompanharam como auxílio.
Ordenados por Deus, seguiram até o caixão sem muitas palavras de boas-vindas e condolências.
Aparentou que ao envelhecer, se isso ocorresse, entraria num grupo seleto de padres grosseiros, ranzinzas.
Comprometido em realizar os ritos no momento, o clérigo reuniu as curandeiras para uma breve e inicial oração em respeito à falecida, porém compreendia que não era de todos os presentes a obrigação de cumprir.
Delphine e Anya testemunharam a primeira vez que Franco Gregori atuava sério feito um padre e no velório da tão adorada matriarca das bruxas.
— Irmãos e irmãs — a voz impetuosa era mais bela ao ser um padre —, elevemos nossas orações a Deus Pai Todo-Poderoso, que ressuscitou a Jesus Cristo, seu Filho e imploremos a paz e a salvação dos vivos e dos mortos, dizendo... — poucas replicaram, mas não foram tantas.
E as que responderam, já haviam lidado com o cristianismo.
Cabelos acobreados e bem penteados ao sol, além de óculos fascinantemente limpos, confirmaram que Franco Gregori havia se tornado um bom e aceitável clérigo na localidade.
— Tão novo e sendo um padre. Coitado — uma das bruxas cochichou à amiga ao lado. — Olha o que Anika nos fez passar.
A revolta era evidente.
— O que esperar do cristianismo, Elise? Esse já vendeu a alma e os bens à igreja. Pode apostar — a outra resmungou de braços enlaçados e empinou o nariz.
— Depois nos perseguem e somos obrigadas a nos esconder — Elise continuou e ajeitou o chapéu fino e florido na cabeça.
As Demdike se sobressaltaram ao notar tamanha seriedade e compromisso do rapaz na função de sacerdote, visto que o próprio reprimia uma tremenda tristeza devido o descanso da querida e falecida bruxa.
Por dentro, seu interior chorava, mas o tempo residido em Edimburgo, o fez reprimir algumas emoções no intuito de sustentar firme e abraçar uma cidade inteira, além dos fiéis necessitados da palavra de Deus.
Em nenhum momento, Padre Franco se esforçou em olhar a pequena multidão no campo-santo. Os olhos apenas transitavam na bíblia, os coroinhas e o corpo imóvel de Anika Demdike num vestido branco.
Se encontrava focado em prestar os rituais sagrados de despedida.
Contudo, logo que se aproximava de concluir os ritos metódicos, quando as mãos suaram nas luvas em razão do calor, no cemitério chegaram mais duas pessoas de início desconhecidas, de modo a se juntar ao funeral da anciã.
Os coroinhas, cabisbaixos devido à atmosfera serena, ergueram as cabeças em atenção, algumas bruxas olharam para trás, cochicharam entre si num burburinho e testemunharam a chegada de Dane Dawson e Gaya Demdike.
A que jamais foi vista.
Num vestido preto que as mangas cobriam até os pulsos e a barra que atingia na altura do joelho, além de botas medianas da mesma coloração e um enorme óculos de sol em formato de gato, Gaya se portou de preto por inteiro pela primeira vez.
O braço direito se encaixava firme no esquerdo de Dane que a conduzia vestido da similar cor, numa jaqueta de couro escura e na outra mão, a jovem carregava consigo a exata coroa de flores que se tornou lembrança logo que seguiu com destino à Londres e substituiu um ramalhete.
Para muitos se tratava de um casal.
— Nossa Mãe Terra, a última Demdike. E está mudada, não é? — uma bruxa anciã de dreads longos e platinados cochichou de longe e cutucou o ombro de sua filha que se posicionava na frente. — Essa moça ainda estava na barriga da Anya quando viemos ao casamento. Hoje ela se encontra maior que as mães, Elena!
— Mãe, tenha mais respeito. Estamos num funeral — enlaçou os braços e começou a bater repetidamente um dos pés na grama, incomodada.
— Até que horas esperaremos que a Anika nos dê um sinal que já conseguiu se afastar do corpo? Ela às vezes demorava muito para sairmos juntas aos clubes de dança e agora nos faz esperar depois que descansou. E as Demdike não fazem o ritual, não? — insistiu ao indagar a filha e percorreu os olhos em Gaya com auxílio de uns óculos redondos. — Olhe ali! — apontou aos passarinhos atentos nos galhos. — Até os pássaros esperam e Anika não adianta esse processo.
— E a senhora não fica calada em nenhum momento, não é? — reclamou.
— Preciso beber. Não tem sequer um coquetel de frutas por aqui. Não entende que a Anika partiu antes de mim? Minha grande amiga me deixou com noventa e nove anos, sozinha com uma filha de setenta anos, me mandando calar a boca a cada segundo e não podemos dançar para celebrar a passagem dela.
Para as curandeiras naquela ocasião, Anika Demdike representava tamanha importância, contudo, cada uma enfrentava a morte de diversas formas.
Algumas dançavam a festejar, outras se silenciavam pelo luto, umas bebiam até o amanhecer e choravam ao se zelar nos lares. Cada uma se preparava no intuito de enfrentar o pesar de suas maneiras. Entretanto, no fim, havia o desapego para a alma descansar pela eternidade.
Logo que o Padre Franco findou a cerimônia de modo a dar espaço aos familiares e amigos se aproximarem melhor do caixão, antes dos coveiros enterrarem, um dos coroinhas cutucou o outro para mostrar que havia uma borboleta-azul a bater asas ainda estática. Posicionada por cima do nariz da falecida idosa.
O ínfimo ser permaneceu ali por alguns segundos até chamar a atenção do padre que se encantou com as asas a brilhar na luz. Lembravam quando os raios batiam nas águas de rios cristalinos.
Assim que permitiu a aproximação dos presentes, os olhos atentos seguiram o trajeto da borboleta que voou entre as demais bruxas e contornou cada uma até pousar na ponta do nariz de uma em específico.
A prevalecer de óculos escuros, Gaya se conservou imóvel, a enxergar mediante as lentes as antenas dançantes do pequeno inseto. Os pelos dos braços se arrepiaram num choque, nenhuma saliva passava pela garganta e dessa forma não se conteve diante das repentinas lágrimas.
Dane, ao seu lado, testemunhou o acontecimento incrédulo no que via e compreendeu aos poucos que a bruxa mantinha uma específica conexão com a borboleta-azul. Aparentaram se conhecer tão bem.
O último carinho da avó foi entregue à jovem e última Demdike da família.
Ela se aprontou para partir com as patinhas, bateu as asas em direção ao sol enquanto os pássaros cantaram e árvores dançaram no vento entre uma canção de folhas. Gaya sentiu um imenso aperto de saudade no coração e soube que resultava na decisiva vez em vida que iria rever a matriarca.
A moça sabia que o luto não se estenderia por compreender que um espírito precisava de paz.
Visto haver algumas jovens na cerimônia, filhas de outras bruxas que lembravam a Gaya, Franco nem notou que aquela mulher distante, na companhia de um belo, alto rapaz e vestido em peças escuras, além de ter recebido o beijo da borboleta-azul, se tratava da sua amada.
A única que residia em sua alma.
Gaya se portou bastante diferente da maneira que a conhecia outrora. A ressaltar as vestes pretas. Era de costume se vestir inteira em vermelho.
Para disfarçar a extrema obsessão em descobrir qual delas se concernia à sua estimada bruxa, o sacerdote observava atento cada pessoa presente tocar no caixão. Disposto a ocupar a mente com as condolências.
Estudava os detalhes faciais na intenção de encontrar a amada nas mulheres.
Quando Anya se sentiu segura ao se aproximar da falecida mãe e deixou a esposa, Franco encostou junto e manteve um mero distanciamento, na vontade de oferecer apoio.
Em incessantes lágrimas, a filha abraçou a madeira com imensa saudade, beijou com carinho a testa da mãe, sorriu amorosa, todavia, estampou tristeza e acariciou os cabelos crespos arrumados e contornados por pequenas miosótis² brancas que igualmente envolviam o corpo inteiro:
— Costumam falar que são os filhos os responsáveis por enterrar primeiro os pais e eu não consigo aceitar que aconteça nesse átimo, embora tenha sido a sua escolha — Delphine determinou um afastamento para respeitar o momento da companheira enquanto testemunharam as palavras de Anya. — Pensei por anos o quanto fui abençoada por ser sua filha, Anika Demdike. Mamãe, no pior dos meus momentos você nunca me abandonou e se tornou também a sogra e avó mais amada.
Fez-se um hiato nas palavras até retornar.
— Anika Demdike, viverás eternamente tal qual a "Metamorfose das Flores": eternizada em nossas memórias. Renasça em paz — Anya findou as palavras.
— RENASÇA EM PAZ — todas as bruxas, sem exceção, repetiram em coro.
Numa grande salva de palmas, os coveiros se aproximaram cautelosos do caixão, dispostos a baixá-lo até a cova no segundo em que Gaya Demdike os impediu feito raio.
Por ela, foi aberto um espaço entre a aglomeração de pessoas e assim quis se despedir fisicamente da matriarca. Sem se importar com olhares.
À medida que se aproximava elegante do caixão, a remover os óculos da face e expôs as tatuagens, Franco experienciou a pressão despencar, mas se sustentou de pé para não se desequilibrar. Os lábios, que eram corados, perderam o rubor. Ficaram secos logo que os expandiu num susto. A expressão mesclava entre um homem abismado e insano por culpa da paixão que reacendeu em segundos.
O coração parou, quase o matou, as pupilas estouraram no cerne das irises, Franco queria agarrá-la na presença de todos.
— Gaya... — bateu os beiços num murmúrio rouco sem que ninguém percebesse. — É você... — as escleras passearam através do cabelo cortado, mas as outras minúcias dela se conservaram.
Era inigualável.
"Como está mais perfeita que o comum, meu amor...", a admirou em silêncio.
Entretanto, um dos coroinhas reparou que ele suava frio mediante a nuca e por dentro da batina. A formar uma mera mancha de suor:
— Padre? — retomou os sentidos do sacerdote que se evidenciou em transe. — O senhor está bem? — o garoto sabia que não podia encostá-lo, no entanto, demonstrou preocupação ao sussurrar próximo.
— E-estou bem, Louis. Não se preocupe — respirava afobado, sufocado pela gola da batina, porém o motivo para tanto desespero, se encontrava a dois metros de distância.
— Mas o senhor está pálido, padre — o outro alertou. — Os lábios desbotaram.
— Juro, não se preocupem, meninos. É o excesso de calor. Isso passará — quis tranquilizar, mas não se deparava nem um pouco calmo.
Ao testemunhar a própria Gaya Demdike na sua frente, que mal o percebeu, Franco abaixou a cabeça, olhou a grama, empurrou a armação ocular na ponte nasal e respirou pesado de modo a se manter firme perante à bela dama.
Retraído diante de seu amor, o amaldiçoado se abalou por completo. Perdia as forças por enxergá-la tão perto. Desejava recolhê-la nos braços, ser presente naquele instante de dor.
A bruxa tocou o caixão em meio a um sorriso de lábios tristes, pôs sua mão direita por cima das mãos da avó, o olhar abatido percorreu as pequenas flores envoltas, até a face em descanso. À medida que entendia a morte, os beiços tremeram e vieram mais lágrimas assim que se inclinou para beijar a testa de Anika Demdike.
Franco, ao observá-la, concedeu um mero passo à frente. Não queria vê-la chorar, mas também não entregaria tudo o que sentia pela jovem bruxa.
Por um segundo esqueceu de ser um padre.
Anika cheirava a flores, a pele estava fria, diferente de quando Gaya a abraçava ainda criança logo que a jovem retornava da escola e clamava por sua matriarca.
— Durma bem, vovó. Te amo até o infinito — soprou no ouvido que não ouvia mais.
A mesma coroa de flores desde sua partida até Londres foi posicionada acima dos cabelos crespos de Anika, a filha da natureza. A idosa descansava onde a recolheram.
Anika fora acolhida como uma bruxa.
Gaya se afastou cabisbaixa, permitiu os coveiros selarem o caixão e o colocassem na cova, de repente foi abraçada forte e resgatada por Dane que saiu no meio das pessoas para apoiá-la em seus braços.
Ao mesmo instante que, de súbito, encontrou seu olhar perdido com Franco Gregori, que se sentiu desestabilizado e os lábios tremiam pela amada.
Mas no momento não havia tanto sentimento partindo da moça. Visto que a atenção era somente voltada à falecida avó.
Porém, o enxergou reprimir algo.
Distante, entre os braços do Dawson e com o rosto deitado em seu peito, enquanto a maioria assistia à descida do corpo, Gaya testemunhou de longe, mediante as pupilas expandidas, o padre mexer a boca em sua direção. Balbuciou alguma coisa.
Ela interpretou conforme um "Senti sua falta".
E decerto, Franco sibilou o que foi interpretado.
À proporção que o caixão foi posto com cuidado na sepultura e lançaram variadas flores sobre a madeira, os coveiros preencheram de terra em meio aos aplausos de cada um presente.
Naquele dia ensolarado e colorido, após estar em passagem pela Mãe Terra, Anika Demdike pôde se juntar ao seu amado Callum, se materializou numa borboleta e deixou uma família preenchida de todo o conhecimento na qual adquiriu e repassou em vida.
A anciã viveu o suficiente para descansar da forma que desejou: em paz.
E toda a lenda do amor de uma bruxa por um não-bruxo que se tornou uma borboleta e passou a visitar sua esposa depois de falecer, era real.
Callum aguardou por Anika como um amor eterno. A cada visita, a testemunhava envelhecer divinamente após ter morrido cedo.
Ao findar a cerimônia de despedida, entre abraços das Demdike em amizades e conhecidos, o jardineiro encarregado de conservar os jardins dos cemitérios em Rye, se aproximou do padre para avisar sobre algo que Franco parecia saber. Se tratava do mesmo jardineiro que tempos atrás testemunhava o antigo garoto conversar com uma lápide.
— É acerca do cuidado com a cova do outro cemitério, Eustace? — além de ríspido, o olhar compenetrado em Gaya de mãos dadas com Dane, evitaram olhar o senhor.
Para culminar, assim que o rapaz que já havia visto, acariciou os dedos da jovem.
Seu sangue ferveu gritante no corpo e as mãos queimavam na luva quando esfregou uma na outra de modo a acalmar os nervos. Franco enlouquecia e morria por dentro ao vê-la com outro.
Tudo o que dissera no passado, a respeito de seguirem em frente e aceitar qualquer relação que ela conquistasse, concernia numa mentira. O Gregori odiava que tocassem Gaya daquela maneira. Era egoísta ao pensar que só ele deveria agir daquele jeito.
Se apegar ao catolicismo e os santos, agravou os pensamentos que antes não existiam.
— É sobre isso que eu iria dizer — o sacerdote prestou atenção, mas se enraiveceu ao arrastar as mãos pelo cabelo sem paciência.
Omitia ciúmes.
— Pode continuar a regar com água benta.
O sacerdote instruiu o jardineiro de pele alva e manchada por sinais de idade, que reclamava do forte odor de ovo podre no outro campo-santo.
— Mas padre, já faço isso todos os dias. O Sr. Musso está quase desistindo de vigiar as lápides durante a noite, porque segundo ele, tem uma criatura de olhos completamente pretos por cima da cova. O que tem lá? Pois o nome nem existe mais.
Franco não costumava falar do túmulo a ninguém. Mantinha confidência entre Deus e ele. Buscava apagar a pessoa da localidade, mas em sua consciência habitava feito uma doença incurável.
— Um dia desses, uma das fiéis surgiu com a ideia de tornar a lápide num local de intercessão — uma das sobrancelhas de Franco sobressaltou alarmada, tornou-o incrédulo, prestes a fugir de seu rosto. — Algumas disseram que pedirão orações na lápide na vontade de alcançar milagres.
— Não, Eustace. Por Deus! Afaste-as de lá ou farei — aflito, apoiou uma das palmas acima da testa, ao passo que, bem distante deles, as bruxas presentes conversavam entre si. — Não deveriam fazer isso. É uma afronta a Deus.
Àquela altura, os coroinhas já haviam seguido até suas casas após removerem as vestes da cerimônia na capela.
— Se o senhor souber quem está na sepultura, me avise. Parece até que se trata do próprio Satanás! — levou os dois punhos fechados apoiados à cintura.
— Se eu lhe contar, até o respectivo Diabo se sentirá menosprezado. A questão é que essa lápide precisa estar em lugar sagrado para evitar que tal espírito perambule na cidade — apoiou a mão no queixo.
— Meu Deus, Pai Santo nos proteja! — fez cinco sinais da cruz com a mão.
— Ainda tendo vida, Eustace, prometo que nada acontecerá enquanto eu estiver naquela igreja.
O jardineiro se afastou ao pedir licença com educação logo que notou duas bruxas se aproximarem do padre, compreendendo precisarem conversar.
Ao se virar no intuito de conceder atenção às Demdike, Anya e Delphine mantiveram uma certa distância de Franco e ao contrário do que pensavam, ambas aceitaram o momento fúnebre.
— Devemos lhe referir oficialmente de padre? — Delphine sorriu quase incrédula que Franco Gregori estava vestido numa batina. Aparentou estar bem realizado e sorridente nas vestes.
Costumavam vê-lo com as roupas habituais ou com o traje de colarinho-branco. Se tratava da primeira vez que o testemunharam em batinas clericais.
— Senhoras Demdike — sorriu anasalado e as mãos com luvas foram postas unidas à frente assim que se curvou para ambas. — Padre é apenas um título a mais a quem representa Deus. Continuem a me chamar de Franco como sempre fizeram.
Anya reparou com desconfiança os constantes retraídos olhares de Franco à Gaya, que cumprimentava algumas bruxas ao lado de Dane, à medida que conversavam com o clérigo.
Nem sequer o sacerdote disfarçava diante das duas. Ele sentia a necessidade de seguir as ações da moça. Aniquilar a saudade de observá-la. Feito a mãe pensou: obcecado.
Não sabiam até que ponto o rapaz chegaria para conseguir retomar o contato com a jovem bruxa. Tudo se tornava perigoso.
— Confessamos ser bem estranho lhe ver tão maduro e justamente a se disponibilizar para guiar o funeral, Franco — Delphine prosseguiu. — Depois lhe pagaremos por toda a ajuda oferecida, em especial, pelo espaço no cemitério.
— Não é necessário, sabem disso — o sorriso era tão belo e atraente logo que Gaya enxergou distante. Como Franco se tornou tão sedutor? — Sinto imensamente pela perda. Imagino o quanto é triste. Mas não precisam pagar por nada. É algo de coração por tudo o que fizeram por mim desde a infância.
— Agradecemos, Franco — Anya tomou a vez. — Mas fique em paz, não estamos mais tristes, feito antes. Choramos o suficiente, mas há certeza que minha mãe está numa situação bem melhor — sorriu e envolveu os dois braços na cintura da amada. — Ela sem dúvidas não gostaria de nos ver abatidas. A nossa tristeza pode prejudicar o processo dela.
— É incrível como aprendo muito mais com as duas até hoje. Queria pensar bastante da mesma maneira, mas Deus sabe de tudo, não é?
Seu olhar receptivo ao casal de bruxas notou a aproximação de Gaya e Dane, que lhe causou um veemente incômodo. A cada passo elegante dado na grama, esmagava o Gregori em timidez. Precisava devolver conforme ela agia anteriormente: fugindo.
— Então, Sra. Anya e Sra. Delphine, peço licença, pois preciso regressar às minhas atividades. Um padre sempre anda ocupado e... — tão perto, Gaya escutava o restante das palavras que Franco enunciava e as últimas saíram acentuadas, aparentemente propositais, como deduziu — ... amanhã, caso queiram me visitar, estarei na Igreja de St. Antônio à tarde, disponível a quem busca se confessar. Desejo oferecer conforto. Até breve, senhoras — curvou-se num cumprimento ao se despedir e suas pálpebras se apertaram torturadas ao inspirar o perfume da moça.
Sufocou os pulmões com o cheiro da dama.
Os lábios se desataram ao encará-la por trás e a semelhante sensação experienciada na cozinha, retomou os sentidos.
— Gaya... — soprou na direção dela que se portou insensível, mas em seu íntimo, mesmo ao lado do Dawson, Gaya desejou arrancar um beijo e uma vida daqueles lábios.
Tomar a alma hipócrita do Gregori com desejos. Inacreditável como na atual circunstância, o sacerdote emanava tanta sedução reprimida, que a fazia captar com facilidade.
Mas decidiu negar o resto de sua presença.
Entre as emoções aquecidas, o olhar azul oceano furioso tal qual uma tempestade, cruzou com Dane que já lhe vira outrora. Portanto, recordou com clareza de quem se tratava.
Mas antes de seguir afastado até a capelinha e voltar para casa, seu descanso para retomar a rotina de clérigo, o rapaz olhou por cima do ombro, à procura dos olhos escuros em si. Contudo, ela não mostrou se importar. O padre sentiu segurar lágrimas ao comprimir os lábios e punhos nas luvas.
Parecia que o esquecera e ele apenas ansiava gritar por razão do lamento. Não suportava vê-la assim, visto que ela retornou à cidade que os uniu.
Ainda no campo-santo, com suas costas acariciadas pelo Dawson, Gaya fingiu desinteresse com a proximidade de Franco. Nem sequer um mero "oi" foi entregue. Mas não somente entregaria a saudação. Ambicionava bem mais e o extremo do padre.
No entanto, nunca haveria a similar afinidade de antes. Franco não deixaria o sacerdócio por ela. Se comportava de tal forma com a bruxa, sem desejar enfrentá-la.
Por fim, enquanto suas mães e Dane conversavam sobre as bruxas que se despediam do cemitério, a Demdike interpretou a forte entonação de Franco como um sinal de alguma coisa.
Consoante a uma excelente curiosa, além de desafiada a se desculpar com a antiga amizade para viajar tranquila, sem mágoas, ela pôs na memória que, ainda crianças, a iniciativa havia partido de si.
Não fugiria feito ele naquela oportunidade. Se Franco enfatizou onde se encontraria, para resolverem as desavenças de uma vez por todas, custava agora correr atrás de partir para longe com a cabeça e o coração tranquilo.
https://youtu.be/Qub-cue0s_E
¹Faias: Da mesma família dos carvalhos e castanheiro – Fagaceae – a faia é uma árvore de folha caduca que pode alcançar os 40 m de altura. O tronco é comprido e reto, com casca lisa e cinzenta. A copa é cónica, ampla e bastante ramificada em árvores adultas;
²Miosótis: Flor Miosótis significa recordação, fidelidade e amor verdadeiro. É também conhecida como "Não-me-esqueças".
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