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Capítulo 10: O Livre Arbítrio

*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, MORTE E LUTO.

*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Lights Are On - Tom Rosenthal e Lighthouse - Patrick Watson

Sonolenta, Anya despertou de seu descanso às cinco e quarenta da manhã após escutar com atenção o ruído da porta de correr que guiava ao jardim, se abrir.

Estava frio, de congelar os dedos dos pés, o sol nascera entre as nuvens, porém, o quarto na qual ela e sua querida Delphine dormiam se preservava escuro junto às finas cortinas.

Ao notar que a esposa adormecia como um anjo ao lado, a Demdike se certificou de que seria a sua afável mãe.

A bruxa buscou as pantufas no chão, levantou-se, recolheu seu roupão de lã de uma das araras do dormitório, envolveu no corpo no intuito de se aquecer, esfregou as mãos nos braços e soprou o ar que se transformou num vapor gelado.

A porta do ambiente permanecia aberta para caso houvesse urgência. Anya saiu do cômodo em direção ao aposento da mãe, ao chamar pelo nome da matriarca e chegar na entrada, notou que o colchão marcado por culpa do peso se deparava vazio, com as cobertas bagunçadas.

Sabia da teimosia de Anika e o quanto lhe cansava manter a mãe quieta.

Decerto a acharia na sala, disposta na poltrona, a cantar sozinha ou a se comunicar com a Mãe Terra. Então desceu a escada comedida até ouvir atenta cochichos roucos, calmos, mas o que testemunhou lhe preocupou e causou curiosidade.

Anika não se encontrava na sala e em nenhum dos cômodos internos.

No vergel, vestida numa camisola de algodão sem mangas, cabelos crespos brancos e presos para cima por uma presilha de flor, descalça, ela se acomodou sentada no chão, a tocar a árvore da família e conversar na língua da flora durante o frio matinal.

A cena assustou Anya, que nem imaginava a mãe se expor na baixa temperatura e temeu que apanhasse um resfriado ou talvez uma pneumonia, justo na idade avançada.

Era confortante para Anika estar em contato com a natureza, mas na ocasião, equivaleu a um assunto diferente. A respiração pesava naquele instante. Frágil.

Anya prevaleceu silente e deu passos até a passagem do quintal, temendo interromper a comunicação.

Callum ainda me espera, Mãe? — falava no idioma das bruxas e Anya compreendia.

Uma brisa intensa tocou as mechas da anciã, tal qual um sussurro e ela sorriu acolhida. O frio insuportável não a atingia. A divindade lhe aquecia.

Quando era criança, a bruxa teve a oportunidade de conhecer o pai por intermédio das histórias da amável mãe. Sobre como Callum as amava por todo sempre.

Concernia num pai que desejava conservar ao seu lado.

Sabe que nunca contei à Anya que antes do falecimento do meu querido Callum, senti com pesar que ele partiria naquele exato dia. Insisti bastante para não ir à capital de trem, e mesmo sendo uma bruxa, não pude implorar pela existência do meu grande amor — suspirou e passou a falar seu idioma mortal. — Agora sei que o guarda e zela para mim. Obrigada, Mãe.

Mais uma vez o vento quente acariciou suas madeixas, vestes leves, contudo, naquela circunstância, as folhas voaram e se alinharam aos fios crespos.

— Noventa e oito anos, uma filha de sangue que sempre me orgulhou, outra filha de coração que acolhi em minha vida, — referiu-se à Delphine — uma neta que amo profundamente e agora se graduou, mas queria tanto que Callum ainda estivesse aqui. Envelhecendo ao meu lado, sentado em outra poltrona, a dormir na mesma cama, cuidando dos meus cabelos e acordando comigo — respirou exausta. — Certa vez confidenciei à Gaya a respeito da tal lenda da borboleta, sem jamais revelar que se tratava de mim.

Anya entreabriu os lábios surpresa, pôs a mão acima do peito, se desmanchou em lágrimas e tampou a boca de modo a ocultar sua emoção.

— Após tempos de sua partida, ele nunca mais apareceu em meu quarto feito uma borboleta. Até me chateei pelo sumiço, esperei todas as noites. Creio que devido ao nascimento de Gaya, meu luto se dissipou com a chegada dela. Senti que precisava deixá-lo descansar, voar. Prevaleci a ouvir a sua voz na consciência, cada foto guardei na gaveta do meu aposento, o perfume de lavanda, o cabelo crespo bem aparado do jeito que Callum estava, aquele terno de linho bem engomado e aqui enterrei a última margarida que bem me entregou. Só não sei se ainda me espera.

Anya comprovou entre o olhar sobressaído, a margarida mencionada, surgir por baixo da terra, próxima da árvore. Anika desatou o sorriso ao tocar a pequena flor e apreciar as pétalas, conforme na primeira vez que recebeu do falecido companheiro. A filha esfregou os olhos descrentes no que enxergava.

— Ah, me sinto aliviada! — suspirou tranquila, sorriu abrandecida e de seu olho esquerdo desceu uma lágrima que caiu no solo. De repente, ela levou a mão esquerda ao ombro direito e sentiu um arrepio, um toque macio. — Querido... Meu amor, eu te amo tanto..., mas tanto... Da mesma forma que te vi em minha juventude. Percebo que cumpri a missão, nossa neta carrega algo imenso e acredito que tudo termina aqui. Minha cama está vazia há muito tempo, que preciso dormir ao seu lado por toda a eternidade.

Anika jurou ver Callum ajoelhado em sua frente, a sorrir de maneira encantadora, como a conquistou. A aparência jovial aparentou estar apaixonado pela idosa que continuou a viver depois de sua morte.

— Nem ao menos mudou de roupa, querido — ele sorriu, ela soluçou e cortou o coração da mulher que assistia à mãe. — Foi com essa que partiu.

O rapaz tocou o rosto da anciã e enxugou suas lágrimas com desmedido carinho.

Naquele instante, assim que o espírito desapareceu consoante à brisa, Anya se aproximou do jardim e chamou por sua mãe.

Até então enxugava o próprio choro logo que Anika se despediu da árvore na língua das bruxas, guiou a mão aos lábios, beijou, tateou a madeira, se levantou, negando ajuda da filha e voltou a ser teimosa.

— Mãe, o que fazia aqui? — escutou tudo, mas não queria entregar o que ouvira. — Está frio, mamãe. Entremos.

Removeu o roupão de lã e pôs por cima da mãe, que negou qualquer auxílio.

— Sempre fiz isso durante anos sem você perceber, no mesmo horário, portanto um frio não me abala, Anya Grover Francis Kalitch Demdike — fez questão de falar todo o nome da moça, pois se chateou.

— Mãe, estou apenas cuidando de você — apoiou as duas mãos sobre os ombros da matriarca.

— Noventa e oito anos, Anya. Acha que um resfriado me levará? Só partirei quando eu quiser e se a Mãe Terra achar necessário. Não me trate feito um bebê.

Ambas seguiram até o interior da casa, Anya batia os dentes por culpa da temperatura e digeria a situação. O que testemunhou de sua mãe, precisou contar à Delphine, que reagiu tal qual qualquer pessoa.

Após o ocorrido mais cedo, ao passo que o dia se formava mediante o aglomerado de nuvens espessas no céu, Anya notava distante que a mãe se evidenciava bem alegre que o habitual à medida que as horas se passavam.

Logo que Delphine despertou, entregou um beijo nos lábios da amada para principiar bem o dia e um cheiro nos cabelos da matriarca que descansava cantarolando na poltrona, ela estranhou a sogra agir daquela maneira e voltou com dúvidas à esposa.

Não era comum Anika se mostrar animada e ao extremo.

Aconteceu alguma coisa que ainda não sei? — se pôs ao lado da companheira que preparava uma limonada com hortelã, cochichou e observou Anika cantar de pálpebras seladas e a mexer os pés.

No alvorecer, a encontrei falando com a Mãe Terra, isso umas cinco da manhã, Delphine — picou as folhas de hortelã com os dedos e lançou no liquidificador, com os limões cortados na intenção da mãe beber. — Algo me diz que hoje não devo sair e me manter atenta nela.

Então irei à floricultura sozinha. Não se preocupe. Só ficarei no atendimento porque as flores já foram separadas para a vitrine. Fique tranquila, meu bem.

Delphine apanhou um pote de biscoitos de avelã e pôs dois na boca. Encheu as bochechas, mastigou e aguardou que a esposa falasse mais coisas.

Tem algo a mais que queira me contar? Afinal, compartilhamos tudo entre nós — questionou de boca cheia, pôs uma das mãos sobre o ombro da companheira que libertou um suspiro pesado e interrompeu a limonada. Sabia que errou ao falar com comida na boca e se sentiu errada. — E como nunca lhe vi tão preocupada assim... — completou até engolir tudo.

Estou com pensamentos inquietantes, querida. Nada me evita pensar que preciso ficar em casa. Não sei os motivos, mas a minha mente sussurra e implora que eu fique. Enquanto ela não me diz nada, permaneço impaciente.

Hawthorne tomou as duas mãos de Anya que estava apoiada no balcão da pia, as segurou levando ao peito, acariciou os dedos e a trouxe para próximo de seu corpo. Anya derramou uma ínfima lágrima secada por intermédio do polegar de Delphine que em seguida concedeu um selinho caloroso e acolhedor na testa da esposa.

Tudo ficará bem, Anya. Já passou por tantas situações desde que te conheci e criou um casulo que te comprime e fez com que ande apreensiva por qualquer situação. Mas te entendo. Não lhe julgo. Anika somente se conectou com suas raízes, ou esqueceu que somos bruxas? — conquistou um sorriso meigo da companheira que raramente sorria em ocasiões tensas. — É dessa forma que desejo te enxergar. A sorrir para mim.

Delphine olhou novamente para a poltrona e notou que Anika não se encontrava mais lá, até seus olhos guiarem até o jardim. A testemunhou receber os raios de sol que reluziam na pele já enrugada com o tempo.

— Olhe lá — Hawthorne indicou com o queixo. — Ela está bem. Sinto à distância.

Anya continuou a aprontar o suco, focou no liquidificador e antes de ligar apenas finalizou toda a conversa:

— Nada me tira da cabeça que está experienciando os últimos momentos e cada detalhe da vida — insistia. — Creio que a Mãe Terra me avisa ou me prepara sobre.

Anika regressou à confortável poltrona e permaneceu por lá até perto do meio-dia.

No decorrer da manhã, ela comeu, apenas se levantou de modo a tomar uma ducha quente, fazer suas necessidades e retornou ao assento. De lá não saiu mais e entrou num estado de meditação.

Delphine não voltou para almoçar e deixou a esposa sozinha. A floricultura se preencheu de clientes, o que auxiliou nas economias do mês. Anya passou boa parte do dia a cumprir a função da mãe na jardinagem e tudo até o instante se mostrava normal.

Enquanto ela limpava os instrumentos de jardinagem e recolhia os vasos desocupados no intuito de pôr na prateleira próxima do jardim, de ouvidos atentos, escutou seu nome clamado pela mãe.

A voz fraca, cansada, causou um espanto na filha, que deu um pulo, correu até a sala e se dispôs para a mãe.

Anika se conservava de pálpebras seladas, mãos relaxadas apoiadas nos braços do estofado, pernas dispostas na pequena mesa e a nuca encostada na almofada posta por trás de seu pescoço.

Anya se agachou e colocou-se menor à mãe numa expressão atordoada. Ponderou chamar uma ambulância.

Os joelhos estremeciam, a boca rachou no seco e os pelos se arrepiaram:

— Oi, mãezinha. Estou aqui — a idosa abriu os olhos e acariciou a cabeça raspada da filha. Há tempos que a bruxa não chamava a mãe daquela forma.

A última vez, resultou durante sua adolescência.

— Sabia que, quando você nasceu, Callum olhou para mim e perguntou "como pode um ser tão pequeno carregar consigo a beleza inteira do universo?". Você sorriu banguela, creio que entendeu. Mas não recorda o quanto era linda a voz do seu pai e como seu rosto me lembra, embora dissessem que se parece comigo — conversava serena, à medida que Anya principiava a chorar em silêncio. Exceto o barulho das narinas a fungar. — Eu sabia que era uma bruxa, afinal, e sempre estranho, a maioria das mulheres de nossa família são bruxas.

Anika se ajeitou na poltrona e Anya sentou-se na extremidade do sofá, próximo da matriarca.

— E quando me apresentou a Delphine, confirmei que ela estava destinada a permanecer para sempre em sua vivência. Coisas que algumas mães sentem. Suponho que nunca falei sobre isso, mas Delphine é feito uma filha. O destino as uniu.

— Mãe, nem imagina o quanto isso é importante escutar — fungou o nariz mais uma vez e as escleras se avermelharam de emoção. — É tão respeitoso e admirável de todas as maneiras... — enfraqueceu a voz.

— É a pura verdade, Anya. Eu não seria uma mãe se não as amasse e respeitasse. Sou completa por viver com vocês — eram as mais genuínas e sinceras palavras de Anika. — E conforme Delphine decidiu se casar, construir uma vida plena ao seu lado depois de tudo o que passou, conquistei mais a certeza que estava em ótimas mãos, na presença de uma magnífica companheira.

A anciã passeou as mãos pelos cabelos grisalhos e a enxergou com imenso amor. Mãe e filha se completavam. E até o momento, Hawthorne não havia chegado.

— Assim que Gaya floresceu, assisti e senti que aquele bebê não era uma bruxa como nós. Existe um cosmo nos olhos daquela criança, diferente do universo enxergado em ti pelo seu pai. Portanto, que me sinto segura e orgulhosa em declarar que és minha filha, é o meu legado e de muitas que vieram antes de nós. Me orgulho em ter transmitido à minha neta tudo o que aprendi. E hoje, não temas acerca de Gaya. Sol é maior do que pensamos, e todos nesta cidade verão com nitidez. Se atente a ela. Grandes acontecimentos virão por Sol, Anya.

Ainda restava que a história fosse reescrita.

— Portanto, me encosto nesta poltrona, fecho as pálpebras e testemunho toda uma vida que experienciei, só para dizer que um dia, na minha mesma idade, ao lado das mulheres de sua existência, estarás sentada aqui, a viver mais do que vivi...

— Mãe, o que está falando. Até parece que... — segurou as mãos enrugadas da mãe, apertou sem tanta força, ainda aos prantos.

— Me encontrei com seu pai, querida. Callum me aguarda. Já fiz tudo o que eu podia, a guiei na intenção de repassar nossa história, trajetória, preservar nossas raízes, e hoje é o dia que repouso, minha menina.

A deixou em choque. A anciã falou naturalmente e a filha não custava a acreditar.

— Mãe, não brinque com essas coisas. Por favor, não haja assim — se sustentou no sofá até se levantar e ajoelhar diante da mãe que abriu os olhos de novo no intuito de enxergá-la. — Pare com isso, não fale mentiras, eu lhe conheço.

— Não chore, Anya — as lágrimas despencavam conforme rios e a mãe as enxugou com as mãos fracas. — Mamãe te amará eternamente, meu amor. Não estará sozinha, acredite em mim. Eu viveria mais de cem anos, porém, sabendo que seu pai até hoje me espera e que tudo ficará bem, não posso deixar meu grande companheiro sozinho. Será como dormir, porque não sentirei nada. Eu juro.

— Não, mãezinha... não mamãe... — insistia que não partisse.

— Em dias, o luto que pensa em experienciar, não existirá, pois saberá que a morte não é o fim. És uma bruxa. Somos bruxas.

— Mãe, não é justo! — a voz trêmula e engasgada entregava desespero ao apertar as mãos frágeis da mãe. — Necessita continuar viva, olhe quantos anos têm pela frente! A Gaya está prestes a se tornar uma artista de sucesso, é provável que se casará, talvez será uma mãe, você precisa vê-la, conhecer seus bisnetos, a Delphine... — engoliu o choro. — Como cumprirá a promessa de jogar sinuca com sua neta? As piadas que Delphine ama lhe contar, a feirinha do entardecer, a limonada...

Anya relutava e se recusava a permitir a partida de Anika.

— A morte é democrática, Anya. A única diferença é que nós, bruxas, barganhamos com a Mãe Terra para partir antes ou um pouco tarde. Deve respeitar minha escolha.

Ali, cessaram mais conversas e calou a jovem bruxa. Existiu muito respeito logo que uma curandeira escolhia o tempo de fenecer. Um respeito pela divindade da vida, a criadora. E pela divindade que recolhia num descanso eterno.

Não poderia impedir, principalmente quando uma anciã liderava uma família até o momento. Sua última palavra simbolizava um ponto final. Inexistia mudanças de pensamento acerca da morte. Era partir ou partir.

Como último pedido, ainda relaxada na poltrona, num sorriso labial, de sua boca foi solicitado um chá quente e perfumado de erva-doce, com algumas pedrinhas de açúcar na xícara com desenhos florais.

A porcelana morna com uma colher metálica foi entregue nas mãos firmes da idosa que conservava equilíbrio, seguindo da inspiração do vapor adocicado nas narinas da matriarca que sorriu ao tomar um gole da bebida.

— Está no ponto, querida. Sabia que nunca acertei a temperatura dos chás? Quem me indicou foi seu pai — bebeu mais um gole e moveu as pedras de açúcar com o talher.

— A senhora já me contou sobre isso, mamãe — a voz, ainda fraca devido ao luto antecipado, cortava o humor da mãe. — Até disse que queimou a língua do papai em inúmeras ocasiões.

— E como foram muitas... — soltou uma risada frouxa e rouca. — Seu pai adorava me irritar, às vezes era proposital, mas no fim eu sentia dó. Até jurei que ele perderia a língua de tanto queimar, mas o bendito constantemente dizia: "sabe que sofro por amor". E eu resmungava que era sem querer. Jamais fiz por mal. Sempre o amei.

Tornou-se pensativa. O olhar se prendeu no canto da parede da sala por mínimos minutos e retornou com um sorriso meigo no rosto, mediante as belas rugas.

Até aquele instante, durante a conversa, já havia terminado o chá, posto a porcelana e talher na mesinha de centro e se espremido entre o assento. Anya mexeu nos objetos só para se entreter e voltou a enxergar a mãe com excesso de saudades.

— Sem instrumentos, apenas sua voz, peço que cante para mim aquela nossa linda canção das bruxas, filha. Só para eu adormecer um pouco — se remeteu na poltrona e inspirou imersiva num sossego.

— Toda a canção, mamãe? — agarrou a mão da mãe, que retribuiu da similar maneira.

— Até onde achar necessário concluir.

Anya sentou-se no chão próxima da mãe, apoiou a cabeça e braços por cima do colo da anciã e sentiu os dedos frágeis da idosa acariciar seu cabelo raspado.

A bruxa selou os olhos como a mãe e iniciou a canção no precedente respirar profundo. Cada palavra da cantiga, uma lágrima despencava nas vestes de Anika que ainda continuava a acarinhar a filha.

A atmosfera se transformou acolhedora, não tão quente e nem tão fria. Folhas da magnífica árvore caíram com a brisa, o cântico ecoou na casa, transitou pelos cômodos e baniu qualquer lástima.

Um perfume de flor-do-campo dançou no ambiente e emergiu um arrepio na pele da bruxa que ainda cantava, próximo do fim.

Ela permaneceu a chorar, aceitando a aproximação da conclusão da música e já sentia o afago diminuir. Era tudo muito triste e simbólico:

"Almejando pela vida eterna."

O canto teve seu fim.

As pálpebras fechadas e pregadas em lágrimas se abriram arrebatadas num desespero. As escleras quase saltaram para fora, assim como seu coração que se rompia no peito.

Ainda se encontrava imóvel, com a cabeça deitada sobre as pernas da mãe, que já havia cessado carinhos.

Anya engoliu os prantos, seu nariz entupido a impedia de sentir o mesmo aroma de flores-do-campo que transitava na residência. Também soluçou e com calma levantou a mão da idosa.

Ao levantar-se, ela caiu no piso sem conter o choro de criança, mas se ergueu de imediato de modo a mimar o rosto da mãe que partiu sorrindo sem evidenciar os dentes.

Dos lábios não saíram palavras, nem sequer um "mãezinha" ou "mamãe".

Sem dores, sem nenhum problema em sua existência, nascida em vinte e três de junho de 1920, Anika Vance Kalitch Demdike descansou sido recolhida respeitosamente pela Madre Mortem que a envolveu nos braços feito um bebê.

A entidade prezava por Anika e construiu um carinho e respeito pela curandeira que amava as plantas e animais. Ao redor, na cidade, quem passasse pela frente do lar das Demdike, veria aves, esquilos e outros seres nos telhados, muros, arbustos, em silêncio.

Os pássaros se prontificaram a calarem seus cantos por honra à grande bruxa. O sol brilhou e as nuvens sumiram ao dar espaço para a imensidão azul.

Sem dúvidas, ela se juntou com suas ancestrais. Fizera bem o que se passou de geração em geração.

A anciã deixou sua filha única, a de coração e uma neta que obteve a oportunidade de vê-la com olhos abertos pela última vez.

"Existimos a partir do primeiro choro. A questão é sobreviver, resistir. E nesse percurso de esforços, o conhecimento se torna uma bênção a ser repassada até quando não existirmos."

Anika Demdike.

https://youtu.be/YtKz1TMcE3o

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