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12. O silêncio das flores

Capítulo 12 | O silêncio das flores

No dia seguinte, Zoey voltou cedo à casa de Liam. Os pais negaram a princípio, dizendo que o garoto não estava bem e precisava ficar sozinho. Porém, ela insistiu tanto que a mãe ligou para Lana após o café, perguntando se Zoey poderia vê-lo.

Para a surpresa e o alívio de Zoey, Lana dissera que ela poderia ir quando quisesse, pois Liam estava um pouco melhor e adoraria ter uma companhia.

Quando chegou, Lana mandou-a ir à sala de cinema, pois Liam estaria esperando-a. Zoey subiu as escadas correndo e parou no corredor, observando a porta da sala aberta. Hesitante e um pouco envergonhada, ela andou lentamente pelo corredor. Sentiu seu corpo ficar quente e respiração acelerar quando viu o garoto encolhido no enorme sofá, o cobertor amarelo cobrindo-o até o pescoço. Na televisão, passava uma série de TV que Zoey não conhecia.

Liam olhou para ela com os olhos inchados e deu um sorrisinho, sentando-se lentamente no sofá.

- Oi – ele disse.

Zoey tirou as sandálias e pisou no tapete felpudo da sala, jogando-se no sofá ao lado dele. Fitou a televisão ligada por um momento, depois olhou para ele. Como você está? Ela queria perguntar. Fez um gesto mostrando o polegar e apontando para ele. Liam compreendeu e assentiu.

- Estou um pouco melhor – ele falou. – Desculpe-me por ontem. Às vezes eu não consigo controlar. É horrível.

Zoey fez uma expressão de dúvida. Não sabia o que se passava.

Liam se recostou nas almofadas e respirou fundo. Zoey teve o ímpeto de se aproximar e abraçá-lo, mas é claro que não o fez. Ele parecia tão exausto e triste.

- Estou tendo crises de ansiedade  – ele contou. – Fui diagnosticado com depressão também, mas pra mim nada é pior que essas crises. Às vezes, sinto-me como se eu estivesse morrendo.

Zoey baixou a cabeça e passou a mão no braço, um pouco agitada.

- Eu sei o que você sente – Liam continuou, surpreendendo Zoey quando a mão do garoto pousou na sua. Tão quente e acolhedora. A moça sentiu o coração saltar, mas não era a mesma sensação sufocante que geralmente sentia. – Ansiedade. Toda vez que precisa ou quer falar com alguém, mas não consegue. Você fica nervosa e seu coração dispara. Suas mãos suam e você quer fugir.

Zoey concordou com a cabeça, desconcertada. Olhou para a mão sobre a sua. Teve vontade de tocar no anel prateado que ele sempre usava.

- Eu sempre fui ansioso – ele contou. – Mas as crises...elas são muito piores. Parece que vamos chegar ao nosso limite, e somos levamos ao inferno. Eu...eu às vezes penso em desistir. Já fiz muitas coisas as quais eu não me orgulho agora. – ele soltou a mão de Zoey e puxou a manga da camisa de frio, expondo as cicatrizes. – Não me orgulho disso.

A moça se aproximou e tocou no antebraço dele. Uma sensação amarga invadiu seu estômago. Imaginou Liam fazendo aquelas marcas mais uma vez, mas não conseguia julgá-lo. Ao longo dos anos, sem perceber, a moça aprendera a ter empatia.

Zoey acariciou o antebraço dele com os dedos. Nunca havia tocado assim em alguém antes, sobretudo em um garoto.

- Posso te contar uma coisa? – Liam perguntou. Zoey balançou a cabeça em sinal positivo. Ele mordeu o lábio inferior, pensativo. – Bem... Eu fui adotado. A Marcela não é minha irmã biológica, sabe? – a moça olhou para ele com a sobrancelha levantada. Ela não fazia ideia daquilo. – Meus pais sempre quiseram adotar. Depois que Marcela e meu irmão mais velho cresceram, eles me adotaram. Eu tinha três anos. Lembro-me de algumas coisas ainda, do abrigo. Durante a minha infância inteira eu me perguntava por que meus pais de verdade me abandonaram. Mas eu aceitei depois de um tempo, pois realmente comecei a amar meus pais adotivos. Até que meu irmão mais velho começou a mexer com drogas e meus pais se separaram. Foi aí que me mudei de cidade e vim morar com Lana. Foi uma mudança radical na minha vida.

Ele ficou em silêncio por algum tempo. Zoey absorvia tudo aquilo, um pouco atordoada.

- Eu... – ela começou a dizer. Viu os olhos de Liam sobre ela, mas logo desviou-os para as almofadas cinzas. – Sinto muito.

- Às vezes – Liam disse, sem parecer se importar nenhum pouco com a fala de Zoey. – As mudanças vêm e não há nada que possamos fazer a não ser aceitar. E eu amo morar com Lana e minha irmã. Elas me ajudam muito. Eu só odeio ficar tão exausto e sentir tanto medo o tempo todo.

- Sinto medo também – Zoey respondeu em um tom quase inaudível. Mas Liam escutou. – O tempo todo.

- Eu sei. Sinto muito. – Liam respondeu.

Eles ficaram em silêncio, assistindo a série que passava. Mais uma vez, apesar do assunto um tanto penoso, Zoey sentiu-se leve. O nervosismo inicial se dissipou, embora estivesse ciente do corpo quente e familiar de Liam ao seu lado. Agradeceu mentalmente por ele não ter demonstrado nenhuma reação. Aquilo tornava as coisas mais fáceis para Zoey, e ela estava contente com isso.

Minutos depois, Liam adormeceu. Zoey ajeitou o cobertor sobre ele e observou seu rosto por alguns segundos. Parecia um pequeno anjo dormindo. Resolveu ficar ali também e fechar os olhos, suspirando ao sentir seu corpo relaxar. Há tempos ela não se sentia tão bem. Ela só esperava que Liam também estivesse sentindo aquilo.

❀❀❀

Liam já estava bem melhor após o almoço. Ficar na casa do colega – que agora Zoey considerava um amigo – já estava se tornando quase um hábito. Ele queria estudar com ela, mas Lana dissera que ele precisava descansar mais. O garoto acabou adormecendo novamente depois de se alimentar, e Zoey ficou na varanda da casa observando os pássaros que voavam ali perto – provavelmente, haviam feito um ninho entre as estruturas de madeira que sustentavam o telhado. Eram pequenas andorinhas. Zoey sorriu ao vê-las, tão ágeis e delicadas. O jardim da casa, após a chuva, havia ficado ainda mais colorido. A relva verde, as árvores cheias e as flores ainda mais bonitas.

- Venha comigo – Lana passou por ela, descendo as escadas em direção ao jardim. Elas haviam acabado de conversar sobre a ida de Zoey à nova psicóloga. Os pais haviam aceitado e agradeceram toda a ajuda de Lana. Ela havia dito que, quando pudesse, poderia levá-la às consultas também; já que era na cidade vizinha e nem sempre os pais estariam disponíveis.

Zoey queria tanto agradecê-la. Apesar dos pequenos avanços, tudo era ainda muito difícil para ela. Porém, agora, ela sabia que era uma questão de tempo. Lana sabia o quão grata ela estava por tudo.

A moça acompanhou Lana até o jardim, com a cadela ao seu encalço. As duas se sentaram em um banquinho branco sobre uma árvore e ficaram em silêncio por algum tempo.

- Você me fez refletir sobre muitas coisas... – disse Lana de repente. – Eu estive pensando em escrever um livro. Sobre nós. Sobre tudo o que passamos. Alguns de nós temos dificuldades, e seria mais fácil se as pessoas ao nosso redor compreendessem um pouco.

Zoey assentiu, concordando.

- O que você acha? – Lana perguntou. – Você gostaria de me ajudar nesse projeto?

- Sim. – Zoey soltou, encarando uma abelha que passava por ela. - Legal.

- Legal. – Lana repetiu, sorrindo.

A moça suspirou lentamente, sentindo o ar fresco adentrando os pulmões. Observou o jardim de margaridas bem a sua frente. O vento balançava suas delicadas pétalas brancas, conforme algumas abelhas pousavam em seu miolo amarelo.

Zoey costumava odiar o silêncio e todo o desconforto que ele lhe trazia quando sua voz não conseguia sair de sua garganta. O silêncio após uma pergunta ou sua própria presença esmagadoramente quieta. Mas aquele silêncio era diferente. Por trás dos suaves cantos dos pássaros e o farfalhar das folhas, ela começou a ressignificá-lo. Percebeu, ali mesmo, que nem sempre o silêncio era negativo – ao contrário: ele falava mais que as pessoas imaginavam; bastava observá-lo e ouvir com o coração. E isso Zoey sabia fazer muito bem.

A moça lembrou-se de quando estava no jardim de infância e plantou uma pequena muda no canteiro da escola. Nunca viu a sua plantinha crescer, mas ela tinha crescido. E aquela pequena criança que ainda existia dentro de si, tão calada e tão amedrontada, começava a sentir-se mais confiante e entusiasmada com o próprio futuro.

Sentindo a felicidade e a esperança percorrer seu ser, Zoey sorriu pela primeira vez para si mesma. Ela inspirou mais uma vez, agraciando-se do perfume e o silêncio das flores.

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