|livro um| unus
Olá! Tudo bem com vocês? Cá estou eu com o gênero que mais gosto de escrever: histórias onde 100% dos personagens precisam de terapia urgente.
Não quero conversar demais para não dar spoilers antes da hora, mas espero que vocês adentrem na cabecinha de Jennie (na medida do possível) e me digam o que acharam desse primeiro capitulo. No mais, desejo uma boa leitura, favorite pra ajudar os parça e as atualizações serão as sextas, beijinhos :)
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A universidade de Seul é uma cidade dentro de uma cidade.
O portão principal está abarrotado de alunos chegando, com sorrisos contidos e mochilas nas costas, apertando as alças com olhares sonhadores, all stars sujos e ansiedade. Todos dão sorrisos maiores que o rosto ao verem a placa que colocaram acima dos portões, despontando no céu cinza: "Bem vindo aos melhores anos da sua vida" dizia.
Reviro os olhos, descrente, pisando na bituca do cigarro com mais força ao atravessar a rua.
A faculdade é o que todos dizem que ela é, cheia de possibilidades. Eles só não falam quais são essas possibilidades, esperam que busquemos sozinhos. E então chegamos a outro problema: ninguém ali está preparado para isso. Os alojamos estão cheios de choro contido e olhares emocionados, pais e seus carros grandes se despedindo dos filhos, abraçados como aquela família branca dos filmes americanos, um golden retriever na janela do carona, a língua escorrendo baba enquanto fingem ser o que não são, uma família perfeita.
Eles irão voltar para a casa bonita na cidade vizinha e o pai vai continuar traindo a esposa com a secretária, ela vai fingir que não sabe e, mesmo que a filha esteja longe, vai arrumar outra desculpa para ficar mais alguns anos naquele casamento. A garota que eles deixaram na faculdade é bonita, "é pra casar" eles dizem, ela tem uma franja rala e sorriso acolhedor, mas assim que se instala tira o pózinho da bolsa e o coloca na bancada da pia do banheiro, capturando tudo com o nariz.
— Quer um pouco? — ela pergunta.
Paro no batente da porta, observando quando ela tira a sujeira do nariz e recomeça.
— Jisoo, certo?
— É, Kim Jisoo. — Ela oferece novamente, nego com um menear de cabeça.
— Jennie Kim.
— Kim... — Ela pára para refletir. — Podemos ser irmãs. O que acha?
Entro no banheiro e me coloco ao lado de Jisoo. Ela usa uma saia curta, rosa, e uma blusa de algodão branca, mostrando a beirada do sutiã rendado. Seus cabelos bem hidratados escorrem pelas costas, anos e anos de cabeleireiro caro. As unhas bem feitas recolhe o resto do pozinho na pia e metade dos seus pertences estão em caixas do lado de fora daquele banheiro, cuidadosamente embalados em plástico bolha.
Tiro a touca, observando meu próprio reflexo. Minha pele não é macia como a dela. Contando com a blusa no meu corpo eu só tenho mais duas na mochila, um tênis all stars descolando a sola e cinco pares de calcinha, mais uma calça jeans que achei em um brechó de igreja. Meu aroma era recheado de cigarro barato e sabonete, o de Jisoo era doce, como um pedaço de céu.
Ninguém diria que éramos irmãs, mesmo com o sobrenome igual, mesmo se nascêssemos do mesmo ventre.
— Posso usar suas coisas?
— É claro. — Ela deu de ombros.
Sorrio para o seu reflexo no espelho.
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— Que legal! — A garota se debruça na mesa, incrédula. — Vocês duas são irmãs e decidiram fazer música, juntas?
Folheio o livro devagar, observando Jisoo pelo canto de olho, sentada ao meu lado. Ela se inclina até a menina e responde, animada:
— Ainda conseguimos morar no mesmo quarto de alojamento! Acredita? — Nossas coxas pouco cobertas por saias parecidas se tocam, resvalando mentira. — Acho que Deus tem um plano maior para nós duas.
Seguro o riso o máximo que posso, concordando com a afirmação de Jisoo.
No segundo dia de aula ela me deu um crucifixo, era grosso e de bronze, que eu deveria usar sempre na altura dos seios, preso a uma correntinha que veio junto com o artefato. Jisoo me presenteou com blusas de algodão macias ao toque, que deveriam ser lavadas a mão de tão delicadas. Todas elas tinham um decote generoso, onde a cruz deveria se alojar.
Era a forma que Jisoo encontrou de levar todos para o inferno, porque a cada olhada entre nossos peitos a pessoa em questão veria a imagem de Jesus, na cruz.
— Bem vindas, bem vindos! Sentem, já vamos começar! Okay, quem deixou essa janela aberta? É a sua cara fazer isso, Jimin... Oh? Uma maçã? O que quer com ela? Um ponto no final do semestre...? Você! Você por aqui? Não acredito que tomou pau na minha matéria de novo, Sana... Ah, créditos extras? Conta outra... — A risada dela ressoa. Agora que todos sentaram apressados em seus respectivos lugares, parece ecoar pela sala inteira.
Desprendo meus olhos lentamente das notas que dançam pelas páginas do livro, caindo na mulher em cima do palanque, no meio da sala.
Ela está de costas, os cabelos castanhos cortados um pouco abaixo dos ombros. O terno é largo, formando mangas bufantes, suspensas até próximo dos cotovelos. Ela apaga com rapidez desenhos de pinto, letras de músicas e nomes aleatórios escritos por giz no quadro negro. A calça do terno é folgada também, tampa completamente qualquer curva que poderia ter nas pernas longas, como se nos desafiasse a imaginá-las por contra própria.
Quando ela bate as mãos sujas de giz a brancura sobe e o sorriso continua estampado no semblante feliz demais para se ter antes das 8 da manhã.
Ela analisa os semblantes ansiosos da sala. Era como se quisesse desvendar a história de todos nós somente com os olhos, imaginando o que teríamos deixado em casa, quem desistiria na primeira semana, no final do semestre ou faltando pouquinho para terminar o curso. Se ficaríamos frustrados, odiosos, desesperados, se morreríamos de amor ou se o mataríamos antes que tentasse. Ela parece engolir a todos com aqueles olhos críticos, risonhos e hipnotizantes.
— Ah, amo ver essas carinhas jovens, vocês não tem noção! — Ela desce do palanque, o barulho do salto baixo ecoa pela sala silenciosa. — Eu sei, eu sei, deve ter muita gente aqui pensando que eu não tenho o direito de chamar ninguém de jovem, me confundem com estudante às vezes, devo admitir. Mas para a infelicidade de alguns, estou de olho em você, Sana. — Bate na mesa de uma garota loira, na primeira fila. — Sou a professora de Introdução à Teoria Musical, Lalisa Manoban. É Lalisa, estão me ouvindo? Só os alunos que tomam pau na minha matéria podem me chamar de Lisa, vocês não vão querer me chamar de Lisa, não é? Diferente dos outros professores, não vou passar as próximas horas tecendo comentários sobre meu currículo, não é o meu passado que vocês vão estudar aqui. Sei as perguntas que querem me fazer e já adianto: não, não fico com alunos, nada de beijinho, nem em troca de pontos.
Um suspiro desanimado sai da minha boca assim que ela passa por mim. Lalisa percebe e sorri ladino, continuando o caminho pelas carteiras.
— Sim, minhas provas são difíceis, não, não sou coreana, chegaram a essa incrível descoberta pelo meu sotaque? Podem me perguntar sobre tudo, a qualquer hora, eu faço o possível para quebrar essa merda de relação distante professor versus aluno. — Ela aponta para a própria roupa. — Só vim de terninho para passar uma boa primeira impressão e porque derramei café na minha jardineira antes de sair de casa. Mais alguma dúvida?
No final do discurso todos os olhares receosos e ansiosos se transformam em pura admiração. Passo o dorso da mão pelos lábios, capturando a baba que escorre pelas beiradas e recebo o olhar silencioso de Jisoo. Ela se ajeita na cadeira e levanta a mão, Lalisa permite que ela fale.
— Eu tenho uma dúvida, professora Manoban...
— Lalisa.
— Professora Lalisa — Jisoo recomeça. — Você pontuou que não fica com alunos, mas não comentou nada sobre alunas.
A sala ecoa um "hmmmm" prolongado. Cutuco Jisoo por debaixo da mesa, meu olhar perpassa choque e irritação, mas ela apenas me cutuca de volta, como se dissesse "deixa comigo."
— Qual o seu nome?
— Jisoo. E essa é a minha irmã, Jennie. — Jisoo aponta para mim. Tento encarar as notas no livro que deixei na mesa, fingindo uma concentração anormal mesmo sentindo o segundo exato que Lalisa paira os olhos sobre mim.
Levanto o olhar e encontro o dela, meu corpo arde e queima observando-a levantar uma sobrancelha em divertimento.
— Jennie, infelizmente, nem com aluna. — E se vira, caminhando novamente para o palanque.
O corredor é preenchido pelo ir e vir do final do segundo tempo. O zumbido de conversa é como escutar abelhas na colmeia, trombamos em algumas mochilas grandes demais, enquanto carregamos somente um gloss de morango na bolsinha e um livro nas mãos.
A luz no fim do túnel é a porta que dá para um jardim aos fundos do prédio que estudamos. Nesse jardim, uma capela azul é cercada de grama e flor, e muitos passam o período vago ali, pegando sol, jogando peteca ou apenas fumando. Almoço dentro do ambiente sagrado com Jisoo dizendo palavrões a léus enquanto dividimos uma salada de fruta.
— O que você tinha na cabeça? Quer dizer, achou que ela fosse puxar meu livro e passar o número? Assim, na frente de todo mundo?
Empurro o pote de salada até a outra extremidade do banco largo. Jisoo pega e usa a colher de plástico para capturar uma manga.
— Pelo menos ela tem certeza que você está interessada. Viu como ela olha para as meninas? Certeza que é sapatão. Tive uma amiga sapatão, sei como é — diz de boca cheia, deslizando o pote até o meu lado do assento. — E é isso que irmãs fazem. Se intrometem.
Abro a boca para responder de forma petulante, mesmo que não tenha irmãos para refutar essa última frase. Jisoo fala como se tivesse uma irmã mais nova, que agora, sem ela por perto, teria que aguentar os pais brigando todas as vezes que a mãe cheirasse a camisa de trabalho do pai e sentisse um perfume diferente, ou um irmão mais velho, casado, que usasse muito gel no topete. Ele acabaria batendo na esposa em uma noite, bêbado demais, mesmo que nunca tenha encostado em Jisoo antes ou em qualquer outra mulher. Ele diria que nunca faria nada assim novamente, porque cresceu numa "família de bem."
É algumas possibilidades que rondam a minha cabeça, mas Jisoo e eu nunca falamos do passado, nem sobre família ou o que fazíamos antes de entrar na Seul. É como se tivéssemos nascidos assim que atravessamos os portões.
— Papai odeia quando você faz isso, quando se intromete na minha vida. — Me levanto da cadeira, deixando Jisoo para trás.
Assim que passo pelos vitrais da capela, semicerrando os olhos pela luminosidade quase cegante, vejo Lalisa atravessar o gramado. O blazer de antes foi tirado, provavelmente pelo calor, e amarrado em volta da alça da maleta de couro que ela carrega. Uma blusa de seda contorna os seios pequenos, deixando os ombros a mostra quase como uma segunda pele.
— Professora Manoban! — Ela olha para trás, confusa, mas seus olhos se iluminam ao me reconhecer e espera pacientemente que eu a encontre. — Desculpe, Lalisa.
— E você é a Jennie, irmã da Jisoo. — Ela sorri quando me envergonho, como se me achasse adorável pela timidez. — Vem, te pago um café.
— Na verdade, eu queria... queria te pedir desculpas. — Começo a segui-la, sem saber onde colocar as mãos que não fosse na barra da saia curta.
— Você já não me pediu desculpas agora? Taehyung, seu salafrário! Quero aquele trabalho na minha mesa, ainda hoje... — Ela chuta um menino jogado na grama e ele tenta puxar a barra da sua calça. — Pare de fumar, câncer de garganta, já ouviu falar? Arh, desculpe, Jennie, esses meninos... — E me lança um olhar culpado. — Como estava dizendo, assunto resolvido.
Chegamos a lanchonete, onde a área verde cede lugar ao concreto. Mesas foram colocadas em distâncias curtas, e o burburinho de comida e pratos batendo preenche o ar como orvalho. Alguns se sentam em cima das mesas, mesmo com placas dizendo ser proibido, outros se deitam, mochilas jogadas aos pés e tablets, notebooks, copos de café e cadernos compartilhando o espaço diminuto. Somos as últimas na fila.
— Só queria deixar claro, caso fique estranho, não que tenha ficado, nada disso... que bom que tudo não passou de uma brincadeira — suspiro, segurando o crucifixo brevemente.
Observo o momento exato que Lalisa ganha uma passagem direto para o inferno. Ela desce os olhos pelo meu cordão e para na cruz, no meio dos meus seios.
Na pouca experiência que as últimas semanas me trouxe com aquele cordão preso no pescoço, percebi que a reação dos curiosos solapando para dentro do meu decote é sempre a mesma: eles desviam o olhar, envergonhados e cheios de tesão reprimido. Se tornam inquietos e os lábios ficam secos, como a garganta, porque posso ouvir o barulho da glote quando engolem o nada.
Diferente de todos eles, Lisa se aproxima e toca a cruz.
O dedo dela não chega a encostar na minha pele, mas foi quase. O calor do corpo de Lalisa emana, a respiração quentinha próxima do meu rosto, me fazendo rezar pela primeira vez na vida para que aquela cruz se transformasse em papel e a pressão dos dedos dela se afundasse sobre mim.
— É religiosa? — Ela recolhe o dedo, dando passos para trás. Em nenhum momento seus olhos expressam vergonha, eles estão fixos em mim.
— O que acha?
— Acho que quando se ajoelha, não é pra rezar. — Ela sorri breve.
Andamos mais um pouco em direção ao caixa. A maioria dos estudantes estão inclinados a fim escolher algum dos salgados expostos atrás do vidro, discutindo sobre preços e recheios. Ela parece notar que estamos destoando do resto, e não liga nenhum pouco.
— É sempre tão aberta assim com os seus alunos, professora Manoban?
— O que acha? — Ela devolve a minha pergunta com uma sobrancelha arqueada.
— Acho que não, como também acho que não é boa em cumprir com as regras que falou lá na sala.
— Você é bastante perspicaz, garota. — O atendente nos aguarda, impaciente. Espero que Lalisa continue, porque parece querer fazê-lo esperar mais um pouco, mas ela desiste com um suspiro. — Dois cafés, por favor. Não, o meu sem açúcar. Jennie, deseja mais alguma coisa?
Meneio a cabeça que sim, mas o que eu desejo não está disponível no cardápio. Lalisa se esforça para não sorrir ao perceber isso e falha novamente.
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— Acha que vamos para o inferno? — O isqueiro se acende quando aciono a trava e o fogo rodopia segundos antes de se apagar, mas a ponta do cigarro já brilha. Puxo, mais forte na primeira vez, e vejo a fumaça se aglomerar por cima da minha cabeça antes de se dissipar pelo quarto.
Jisoo olha o processo deitada na cama do lado da minha. Ela está completamente nua, os seios pendendo para o lado, roliços, e as pernas completamente abertas. Ela não espera o creme depilatório fazer efeito e fica abanando a própria vagina, o apressando.
Jisoo não fuma, mas pega o cigarro da minha mão e o leva a boca. Ela é desse modo, não é lésbica mas beija garotas, não fuma mas sinto cheiro de cigarro nas suas roupas, não faz nada até que faz, simples assim. É o tipo de pessoa que aproveita todos os momentos que aparecem, porque sabe que vai morrer jovem.
— Você que ir para o céu?
— Não responda a minha pergunta com outra pergunta. Só é legal quando ela faz.
— Acho. Acho que vamos para o inferno — responde ela, simplista, prendendo a fumaça antes de soltar. — É melhor até. O céu é um lugar onde nada acontece, e provavelmente, não tem maconha.
Sorrio e me levantando da cama com o cigarro pendendo nos lábios. Ainda uso minhas roupas antigas para dormir, uma das três blusas que agora só é camisola. Me arrasto até pegar a bolsa nos pés da cama, tirando de lá meu mais novo troféu.
— Que porra é essa?
Jisoo quer se levantar, mas lembra do creme e volta a se deitar na cama, as mãos estendidas para ver o que tem demais no copo. Eu finjo que irei entregar mas recuo, fazendo-a soltar uma série de palavrões apressados.
— É o copo que Lisa tomou café comigo ontem — me vanglorio, colocando-o em cima da mesa de estudos.
Jisoo sabe que fiquei o dia usando o seu computador, pelo histórico do navegador, viu que passei horas no Instagram de Lalisa, baixei todas as fotos e mandei para o email da gráfica da faculdade, para revelar. Pesquisei o nome de Lalisa até achar todos os artigos acadêmicos que ela publicou, pretendo ler a noite toda. Me ouviu falar das reminiscência dos olhos dela, dos segredos que acho que escondem, da maneira como sua pele brilha no sol, do meu nome saindo baixinho pelos lábios fartos.
Mas foi só quando mostrei o copo que recolhi do lixo, que recebi aquele olhar. Aquele olhar que recebi muitas vezes antes.
Algo brilhou nos olhos de Jisoo, medo ou curiosidade, nunca soube decifrar muito bem antes de dar de ombros.
— Nossa família sempre foi maluca mesmo. — Ela se levanta, rumando para o banheiro, me deixando sozinha no quarto, encarando a beirada do corpo borrado pelo batom de Lalisa.
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Até sexta!
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