Capítulo 61 - O Passado de Rigard - Parte 3
— Puta merda Rigard, eu não consigo distinguir se isso era um goblin ou só a porra de uma... cadeira? Isso aqui é uma cadeira? Não dá pra dizer. E por que temos que nos esconder do seu tio afinal?
Rigard e Davis estavam fazendo a contagem de "cabeças" dos goblins que haviam matado em outra missão as escondidas de todos da guilda. Ambos estavam vestidos com roupas casuais, o de cabelos castanhos com um conjunto de calça e camiseta, ambas pretas. Já o mais velho de cabelos negros com uma camiseta azul marinho e uma calça marrom, aparentando ser de pele de cervo. Ambos com botas de couro e equipados com suas espadas, para proteção pessoal.
— Me perdoe, grande aprendiz de magia e futuro ferreiro real, mas você tinha outra ideia para matarmos tantos goblins com segurança e sem que fugissem a não ser da maneira que eu propus? Não quero que o meu tio me diga o que eu tenho que fazer, sabe que depois da morte dela todos na guilda estão paranoicos demais.
— Se tivéssemos mais gente conseguiríamos facilmente. Sem falar que todo esse fogo não foi nada seguro, você poderia ter se queimado, e as chamas poderiam se espalhar por todas as plantações.
— Primeiro: se tivessem mais caçadores a recompensa seria dividida em um monte de partes, então não conseguiria pontos extras para continuar na academia real de Marlóvia. Segundo: as chamas jamais se espalhariam, foi um incêndio controlado, eu sou um profissional, sei bem o que faço.
— Controlado? Como você diz isso depois de dizimar todas as árvores que tinham em volta? Sem falar que se tivessem mais caçadores sequer existiria incêndio, agora temos que ficar mexendo nesses... negócios carbonizados até descobrir se era a merda de um goblin só para pegarmos a porra dos cristais deles. Por sua culpa vamos gastar um dia inteiro nisso.
— Sim foi controlado, até porque se não fosse controlado as plantações nem estariam mais aqui, entendeu? E também, se a Brida viesse ajudar nós terminaríamos essa contagem muito mais rápido e... Rigard parou de falar de repente e baixou sua cabeça. O ódio lhe subiu a cabeça e chamas negras surgiram em seus punhos fechados.
— Pois é, mas ela não está aqui mais conosco e muito menos seria louca o suficiente para ver o assassinato em massa que você cometeu, com requintes de crueldade ainda por cima. Sabe muito bem que Brida sempre foi contra esse tipo de atitude e você prometeu a ela que iria se controlar daqui pra frente ou se esqueceu disso.
— Requintes de crueldade? Davis pelo amor de Deus, esses desgraçados são que nem uma peste, crueldade não é algo discutível quando o assunto é goblin, isso é só troca equivalente. E não, eu não me esqueci da promessa que fiz a ela. Jurei que iria me controlar daqui pra frente e que buscaria a minha felicidade acima de tudo. Mas, eu... — Disse Rigard enquanto gesticulava.
— Sabe, eu acho esquisito como você olha para a vida dos outros seres com tamanho desprezo, por mais que façam mal a nós, não entra na minha cabeça que você tira a vida deles sem sentir nada no processo.
— Não se trata de desprezo, Davis, é apenas a lei de nosso mundo, você não deve se permitir matar, se não estiver disposto a ser morto também, quando um vampiro entra no território de outro, ele deve estar preparado para ser atacado com todas as forças, e conosco é assim também. E cá entre nós, você só está reclamando disso porque estamos tendo que fazer esse esforço pra contar os mortos, ontem você estava bem de boa não é? Eu já disse, se quiser trabalhar comigo, não reclame de meus métodos.
— A questão não é essa, é que... Ugh, vai Rigard, você está certo? Ó dono da razão, só vamos parar de discutir e acelerar logo esse processo, o cheiro aqui é podre, e eu quero ir logo para casa comer. Além disso, prometi a Brilla que iria a celebração no clã deles, esse ano você vai? Tenho certeza que a família da Brida ficaria contente e...
— Quem está reclamando do trabalho é você, se ao invés de ficar murmurando você estivesse pegando esses cristais, nós já estaríamos quase terminando. E eu não vou! Tenho outro compromisso em Marlóvia pela manhã.
— Você é um merda sabia?
— Obrigado pelo elogio.
Eles continuaram a procurar pelos corpos mortos dos goblins. Normalmente para fazer a contagem de baixas, os caçadores pegavam as mãos direitas dos monstros, porém dada a quantia enorme de baixas seria necessária uma carroça para carregar tantas mãos, então ambos decidiram por coletar os cristais, que ocupam menos espaço e são menos pesados.
— Hei, Rigard. — Davis novamente quebrou o silêncio.
— O que foi agora? — Indagou o jovem vampiro irritado, que estava tentando arrancar o cristal de um dos goblins sem danificá-lo.
— Não tocamos neste assunto da última vez, mas já fazia algum tempo que não conversávamos, você sumiu por uns meses, depois do que aconteceu com a Brida e todas as notícias que tinha sobre você eram do dono da taverna, ele dizia que você simplesmente entrava cedo, pegava uma missão e ia embora, depois voltava para pegar a recompensa, isso uma vez a cada três dias. Por que um vampiro tão extrovertida quanto você, que estava sempre cheio de amigos, se tornou assim? Por que essa mudança repentina?
Rigard deu um suspiro, retirou o cristal pela boca do goblin, e respondeu com frieza.
— Aconteceram alguns problemas comigo e com minha mãe. Você sabe, ela é toda grandiosa, monumental, a imperatriz do reino de Marlóvia, e eu sou apenas eu, um vampiro normal, que sobrevive como um mercenário. Porém, desde que despertei meus poderes de vampiro, ela está cada vez mais interessada em mim, algo cujo nunca foi a vida inteira. Você sabe sobre a nossa história, tudo o que ela sabia fazer era me treinar e me levar para as reuniões chatas dela agora, até que eu dei um basta e fui embora da academia. Mas não consigo ficar longe por muito tempo, mesmo o Jack implicando comigo.
— Você revelou a verdade a ela Rigard? Ficou louco, você sabe que o Jack pode te destruir num instante e...
— Eu não revelei nada, Vivica cismou comigo. A mesma vive dizendo que pareço com meu pai e...
— Pra mim você é a mistura dos dois, pelo menos é o que Brasa sempre diz. Mas acredito que a personalidade seja toda do clã Dimitrescu.
Os jovens continuaram a conversar enquanto faziam seu trabalho, sem olhar para a cara um do outro.
— Então você está me dizendo que depois de todo esse tempo separados, ela conseguiu perceber a semelhança entre vocês? E ela finalmente veio atrás de você?
— Sim, e tudo por causa da minha magia. Mas como você viu, da primeira vez que mostrei a vocês, foi um desastre...
— Tem como não lembrar? Você saiu do controle e colocou fogo em umas três árvores dentro da guilda.
— Então, é justamente por causa desse tipo de coisa que ela está atrás de mim, digamos que ela ache que eu não consiga me controlar, o que é verdade, mas não irei aceitar que ela venha atrás de mim só por causa disso. Ela sabe que eu possuo um poder muito grande dentro de mim, e ela teme que isso algum dia culmine em uma catástrofe. Tendo isso em vista, a imperatriz está tentando me obrigar a ir pro exército do seu reino, onde eu ficarei sob vigia dela.
— Era isso que ela queria que você fizesse desde que entrou na academia de Marlóvia, não é?
— Exatamente, e eu creio que ela queria me tornar em um guerreiro do império justamente para ficar de olho em mim, e isso me irrita.
— Você realmente a odeia, não é?
— Como não odiaria? Ela nunca teve um pingo de afeição por mim, sempre me viu como um objeto, por isso me descartou quando eu nasci... Agora deseja me tornar um guerreiro em potencial, na academia ordenou que me treinassem feito um louca, desde que eu pisei na academia era obrigado a passar por treinos que deveria estar fazendo hoje, aos 180. E também, se há algo que eu odeio é receber ordens e ter meu direito de escolha tirado de mim, eu faço o que eu quero, e não é só porque ela é a maldita imperatriz de Marlóvia que ela pode me obrigar a fazer o que ela manda.
— Então esse tempo todo você tem estado sumido por causa disso?
— Digamos que eu estou tentando controlar meus poderes por conta própria, mas ainda creio que eles sejam um risco, por isso me afastei de vocês, seria melhor que me esquecessem do que continuassem atrás de mim e acabassem se ferindo junto no processo.
Davis começou a gargalhar alto, o jovem Rigard ficou sem entender nada.
— O que foi? Qual a graça?
— Nada Rigard, é só que parece que você acredita ser o todo poderoso, e acabou esquecendo que tanto eu quanto os demais caçadores também somos extremamente fortes. Não se preocupe, nós não vamos nos machucar com o seu fogo negro, já enfrentamos coisas muito piores, não lembra?
— Você não compreende Davis, o que eu fiz ontem foi apenas invocar minhas chamas em minha espada para acender o líquido inflamável, mas caso eu quisesse, eu poderia ter criado uma queimada muito maior aqui sem depender disso. Por isso eu disse, foi um incêndio controlado.
— Você é um idiota mesmo? Nem seu pai possuía tamanho poder com essa idade, Rigard. Para mim isso está soando mais como uma desculpa para não nos ver mais.
— Acredite se quiser, mas uma coisa é certa, eu com certeza irei dominar esse poder, e colocarei um fim naquele maldito vampiro perturbado.
— Você tem muito chão pela frente até conseguir fazer isso meu companheiro, pode acreditar. De toda forma, já que é "tão poderoso", por que ao invés de pegar missões em que dependa desse seu fogo "avassalador", não vem comigo e com os demais caçadores fazer trabalhos mais simples, onde você não vá precisar da sua magia para sobreviver?
Rigard começou a pensar, colocou a mão sob seu queixo, ficou um tempo assim, suspirou e por fim disse.
— Tudo bem, irei com vocês em mais alguns trabalhos simples, mas não vá se acostumando, eu ainda preciso ir nesses mais complicados para compreender a verdadeira extensão do meu poder.
— Então por que não faz assim: um trabalho simples, e um difícil, intercalando-os para que não se sobrecarregue. Assim também vai se afastando da academia de Marlóvia aos poucos, sei que deseja descobrir a verdade sobre a sua origem. Mas é arriscado bater de frente com o seu Tio Jack. Não sabemos se sua mãe também fez parte do plano para destruir o seu clã. Apesar que toda essa história é tão estranha e complicada.
— Parece uma boa ideia.
— É muito bom poder conversar assim com você de novo. — Davis estava sorrindo, com a mão direita posta em sua cintura.
— Igualmente.
Depois da longa conversa, ambos tornaram a se concentrar no serviço que deveriam estar fazendo. Pelo jeito, levaria o dia inteiro para acabar. Por outro lado, o grupo de Brasa estava quase chegando em seu destino.
Os seis guerreiros cavalgavam normalmente, até que finalmente adentraram na floresta ao norte de Morlóvia. Um lugar com pouca luz solar e enormes árvores, que ajudavam a dar um aspecto sombrio ao local, tornando-o perfeito para monstros se isolarem.
— Já faz um belo tempo desde a última vez que entramos aqui. — Comentou Davos.
— Sim, pelo menos uma década. — Respondeu Brasa Dimitrescu.
— Realmente, parece que as coisas nunca mudam. — Disse o mago de cabelos negros, enquanto fazia uma bela vistoria nas redondezas.
O grupo se dirigia pela estrada de chão que cruzava a floresta e levava até uma estrada menor, que dava acesso à casa de um humilde caçador, este que havia reportado o aparecimento dos dois Orcs perto de sua residência. Os Orcs aparentemente estavam matando todos os animais que eram a fonte de renda da vila de duas raças vizinhas, humanos e elfos, gerando um enorme prejuízo.
Enquanto cavalgavam, Brilla que estava um pouco atrás decidiu fazer uma pergunta.
— Hey, mago Davos.
O nobre guerreiro olhou para trás.
— Diga minha jovem Lycan.
— Sei que pode ser intromissão da minha parte, mas eu escutei várias lendas sobre o senhor e o vampiro Dimitrescu, e ambos aparecem em livros que retratam grandes aventuras dos Caçadores. Sendo assim, por que ao retornarem para o reino de Morlóvia, decidiram entrar para a Associação, quero dizer, guilda Triburtus ao invés de voltarem aos Caçadores imperiais?
O grande mago ficou um pouco surpreso com a pergunta da jovem Lycan, e depois de uns segundos pensando, respondeu enquanto coçava sua nuca.
— Bem, primeiro porque nossos amigos estão na guilda. Segundo porque membros da guilda possuem salários fixos, então mesmo que o trabalho solicitado não seja terminado, nós ainda lucramos, sem falar que não corremos o risco de ter a missão pega por outro caçador. E terceiro, ser um caçador no reino de Morlóvia é mais tranquilo que ser um caçador dentro do reino de Marlóvia. Como sabe muitos caçadores para sobreviver já foram anteriormente mercenário e é necessário ter muita energia e disposição, já que sempre há uma corrida pelos trabalhos mais fáceis, e os difíceis, bem... são difíceis.
— E não se esqueça de acrescentar que o clã Nemesis não suportam mercenários, pois a maioria foi rebaixada por eles nesse caso. Explicou Brasa enfurecido.
— Em outras palavras, para sobrenaturais como Brasa e eu que estamos chegando em uma idade avançada, é mais simples seguir a vida na guilda junto de quem gostamos, do que viver insanamente como um caçador do reino de Marlóvia.
— Ah, então vocês só estão querendo fazer corpo mole, não é? — Disse Brilla.
Brasa se sentiu um pouco irritado com a fala da jovem Lycan, vendo-se obrigado a entrar na conversa também.
— E você também, não é? Já que entrou para a nossa guilda.
— Na verdade eu fiz parte de um grupo mercenário menor, nem nome eles tinham para você ter noção, mas o clima é completamente diferente, e como eu era uma das poucas Lycans lá, era desprezada pelos caçadores do grupo, pelo menos até que eu trouxe a cabeça do assassino de minha irmã e joguei em cima da mesa. Mas, depois disso, o desprezo virou inveja, o dono do grupo vazava os trabalhos antes para os caçadores machos, para que eu não pudesse pegar nenhum, então apenas decidi sair de lá. Já na guilda onde minha irmã foi aceita eu fui muito bem recebida, todos são amigáveis e divertidos, sem falar que tive a honra de conhecer o Leon e sua irmã gêmea Leona, e agora vocês dois também. Eu recebo menos aqui, mas pelo menos tenho trabalho para fazer. Pena que o Rigard não gosta de minha presença eu gostaria muito de saber mais sobre o relacionamento dele com a minha irmã, ela sempre falou maravilhas dele. O mesmo é o seu sobrinho não é mesmo, senhor Brasa?
Brasa se surpreendeu um pouco com a resposta da Lycan.
— Parece que todos aqui já tiveram alguma experiência com grupos mercenários, não é? — Indagou Silvario.
— Você também já esteve em um? — Perguntou Derric.
— Sim, eu fui parte dos Caçadores desde meus 210 anos, fiquei lá por sete. Quase desisti porque os poucos amigos que eu tinha lá acabaram morrendo, mas decidi continuar. Porém, há uns três anos apareceu um híbrido, digo, um híbrido seria até exagero, era um adolescente ainda. Ninguém entendeu no começo porquê ele havia sido aceito mesmo sendo tão novo, mas logo a verdade veio à tona, ele era um prodígio, assim como você Brilla. Ele virou o grupo de pernas para o ar, todos os trabalhos difíceis que eram feitos em time ele pegava e fazia em conjunto com outro novato e uma das filhas dos clãs das bruxas, então as equipes se viam obrigadas a fazerem trabalhos menores, os pequenos grupos pegavam os mais fáceis ainda, e para um caçador sozinho e mediano como eu, não sobrava nada. Sendo assim, um ano atrás vim pra cá pelo mesmo motivo que a Brilla.
— Essa história se parece muito com um jovem vampiro que entrou em nossa guilda também. Afirmou Derric desconfiado. — Qual era o nome desse híbrido afinal?
— Um tal de Rigard Dimitrescu. Disse Silvario.
— Fudeu... O nosso Rigard atropelou guildas nos dois reinos. Gargalhou Davos deixando todos sem graça.
Brasa resmungou mais irritado.
— Mas que vampiro imprudente!
— Nossa, mas ficar sete anos lá dentro é bastante coisa. Eu não tenho nenhuma história tão legal com os mercenários, fiquei um ano em um grupo chamado "As Espadas Negras", que como o nome diz, usavam apenas espadas. Mas saí de lá por falta de oportunidade também, já que é difícil ir contra o monopólio dos Caçadores de elite dos dois reinos. Comentou Elkanem mudando de assunto antes que o mal-estar ficasse pior.
— Já eu infelizmente nunca tive contato com mercenários. — Comentou Derric, que estava apenas ouvindo as histórias de seus colegas até o momento. — Ou felizmente, sei lá, todos vocês parecem ter saído desses lugares de uma maneira não muito legal.
— É claro, um nobre como você jamais saberia o que é ter de se envolver com esses maníacos para sobreviver. — Disse a Lycan.
— Pelo menos eu sou um nobre legal, e não um daqueles esnobes chatos do reino de Marlóvia.
— Neste ponto até posso concordar com você. Por falar nisso, por que entrou para a guilda, sendo que você tem a vida praticamente feita?
— Justamente para poder viver, sempre li livros sobre as grandes batalhas dos heróis dos dois reinos, sobre como era honroso defender os reinos e as províncias dos monstros, só não sabia que a maioria dos "caçadores" eram todos bêbados e velhos.
Brasa se irritou novamente, enquanto Davos e os outros davam risada.
— Você tem razão jovem. — Comentou o "Mago" de cabelos negros. — Aparentemente toda a guilda se reestruturou com as sobras daqueles que eram os antigos Caçadores de elite que lutaram no passado. Felizmente Leon e os outros conseguiram entrar na liderança, eles são bons caçadores veteranos, e conseguiram atrair uma boa equipe lá para dentro. Se eles deixaram vocês entrarem, então com certeza viram algum potencial em vocês.
— Nossa, assim eu fico até sem graça. — Disse o jovem loiro, com a cabeça baixa.
Davos sorriu, olhava o grupo de jovens rindo e se divertindo, fazendo-o lembrar de seus tempos áureos com seus amigos. Talvez fosse isso que ele estava buscando ao voltar para guilda do reino de Morlóvia.
3121 Palavras
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