Capítulo 50 - A Oferta de Primavera
Resoluta, evitando todo contato visual com Rigard e Jack, entrou na sala de julgamentos diante dos cinco anciões. Depois de jurar sobre sobre o selo real e ser lembrada de que estava ali como testemunha do clã Nemesis, enfrentou Klaern, que representaria o clã Nemesis. Usando uma toga marrom que realçava sua cabeleira prateada, alto, magro e de aspecto feroz, ele tinha o ar inocente de um morcego escondido nas folhagens de uma árvore, esperando que um vítima qualquer.
— Regente Scarlett Redfield, antes de entrarmos no âmago dessa questão... — Começou, em tom de uma conversa casual. — Acho melhor estabelecermos sua identidade perante dos os anciões e líderes das principais raças aqui presente.
Com toda delicadeza e polpa que a ocasião merecia, Klaern conduziu Scarlett por uma série de perguntas, traçando um quadro que a retratava como uma vampira agressiva, firme e inteligente, que vinha do reino de Morlóvia e por rebeldia havia fundado uma guilda recentemente próxima ao local onde estava sediada uma das guildas de Dimitrescu. Então, sem aviso prévio, ele atacou.
— Há quanto tempo a terceira regente do reino de Morlóvia e o suposto Rigard Dimitrescu são amantes? — Perguntou num tom áspero, parando abruptamente de caminhar de um lado para o outro e encarando-a de frente.
Com o canto dos olhos Scarlett viu Rigard mover-se para a frente, na poltrona, e o ancião Esme teve que segurá-lo pelo braço.
— Rigard Dimitrescu e eu não somos amantes. — Respondeu sem emoção. E, por um instante, teve a impressão de ver um brilho de surpresa nos olhos do ancião Klaern.
— Ah! — Ele disse, a voz suave como uma carícia. — Talvez uma briga de namorados tenha mudado o tempo do verbo...
— Isso é uma pergunta?
O ancião sorriu, e Scarlett sentiu um arrepio de medo percorrê-la. Aquele não era um ser que pudesse chamar de pacificador, mesmo nas melhores circunstâncias.
— É, sim, terceira regente Redfield, é uma pergunta. Mas, se prefere, posso reformulá-la. —
Ele se aproximou até ficar bem diante dela. — Por quanto tempo vocês foram amantes?
— Menos de 12 luas cheias.
— Entretanto como o ciclo lunar tem duração menor que os meses de 30 e 31 dias é possível que ocorram duas luas cheias em um mesmo mês. Explicou Aegir se levantando.
— Considerando a duração do ano solar de 365 dias dividido pelo tempo médio dos ciclos lunares de 29,53 dias observamos que ocorrem 12,36 ciclos ao ano, portanto um ciclo a cada mês. Terminou de dizer Zendar sorrindo de lado.
— Então foi nesse período que foi organizada o baile no castelo vermelho com o fim de
restituir a dito academia real ao clã Nemesis?
— Foi.
Klaern se afastou alguns passos, antes de perguntar.
— Qual era a sua opinião a respeito do fechamento da academia real de Marlóvia?
— Achei que era uma vergonha.
— Não era uma opinião meio estranha para alguém que havia sido contratada para acompanhar o imperador Jack Nemesis?
— Não, não creio. Não é dever de uma caçadora real aprovar a destruição do último desejo da imperatriz Vivica, antes de acompanhar o regente Nemesis eu estava lá pelos manuscritos da imperatriz.
Um murmúrio de aprovação percorreu o salão.
— A terceira regente do reino de Morlóvia esteve com o vampiro Rigard Dimitrescu durante aquele fim de semana?
— Estive, sim... durante parte do fim de semana.
— Que parte? E durante quanto tempo estiveram juntos?
— Duas horas, no máximo.
— Onde?
— Eu o encontrei, pela primeira vez, numa sala de música da academia real. A sala que somente a imperatriz tinha acesso.
O murmúrio explodiu outra vez pelo salão da cidadela negra.
— E a segunda vez? — Klaern quis saber, com a expressão de um Lycan assassino farejando a presa.
— No... meu quarto.
— Pensei que, naquele fim de semana, os convidados tivessem ocupado quartos em alas diferentes, de acordo com o sexo.
— E é verdade.
— Mesmo assim, Rigard Dimitrescu visitou-a no seu quarto?
— Visitou. — Scarlett levantou o queixo, desafiante.
— E, mesmo assim, quer que acreditemos que encontrou este vampiro pela primeira
vez naquele fim de semana?
— Quero!... — Ela retrucou com firmeza. — E também quero que acreditem que, quando o Rigard Dimitrescu foi ao meu quarto, foi para conversarmos.
A resposta de Klaern foi um sorriso malicioso, que ele fez questão de que fosse visto tanto pelos demais anciões quanto pelos demais líderes.
— Vamos continuar. — Ele lançou um olhar para um rolo de manuscrito que havia tirado do bolso de sua toga. — Concorda comigo, terceira regente Scarlett, que mesmo nos dias de hoje, quando os papéis de um vampiro e de uma vampiro estão tão confusos, o orgulho de um vampiro é uma parte importante daquilo que o torna único e especial entre seus companheiros de sexo?
Sabendo que se daria mal, fosse qual fosse sua resposta, Scarlett replicou.
— Não, ancião Klaern, não creio que concorde com isso.
Para ela, o que tornava um vampiro especial eram as coisas que ele fazia e como as fazia, não um orgulho falso e tolo que muitos deles praticamente morriam para defender.
Como já estava esperando, Klaern aproveitou-se, de imediato, de sua resposta.
— Foi por isso que, de forma tão escandalosa, levou seu amante para o castelo do imperador Nemesis, no nordeste do reino de Marlóvia?
— Como?
— Terceira regente Scarlett, poderíamos poupar muito tempo se não fizéssemos jogos de palavras. — Um traço de irritação surgiu no rosto frio do ancião. — Foi por não se importar com o dano que causaria ao orgulho do imperador Nemesis que levou o vampiro Rigard Dimitrescu, seu amante, para o castelo dele, no nordeste do reino de Marlóvia? Não fazia realmente ideia da humilhação que seria, para o meu cliente, ter um inimigo de longa data fazendo amor com a vampira pela qual ele pensava ter um grande afeto, em seu próprio quarto de dormir?
— Na época, eu nem sabia que Rigard e Jack se conheciam.
O ancião Klaern fitou-a com evidente ceticismo.
— Mesmo que isso fosse verdade, ainda acho difícil entender por que uma vampira levaria o amante para se hospedar na casa do vampiro que, obviamente, estava interessado nela. E o imperador Jack Nemesis vinha mostrando seu interesse pela terceira regente Scarlett com clareza, há várias luas, não é?
— Eu só estava...
— Quer, por favor, responder à pergunta que lhe fiz?
Scarlett respirou fundo, ganhando tempo para si mesma.
Quando se sentiu de novo calma o bastante para aguentar o ataque dele, respondeu.
— Eu sabia que Jack estava interessado em mim e já tinha feito o possível para desencorajá-lo. Pois deixei bem claro que jamai aceitaria ser a sua companheira!
O ancião deu uma risadinha e olhou para os demais.
— Não posso falar pelo imperador, caros irmãos anciões, mas se uma linda vampira concordasse em passar o fim de semana comigo, nas Montanhas de um reino vizinho, eu consideraria isso um encorajamento, mesmo que fosse para ficarmos em dormitórios separados.
— Meu fim de semana na academia real foi estritamente de negócios. Compareci à reunião a pedido do meu contratante e fiz o papel diplomático que o meu soberano, o rei Sparda desejava. — Pelo brilho súbito nos olhos do ancião Klaern, Scarlett percebeu que caíra numa armadilha.
— E quanto as luas que se seguiram, quando a regente não só aceitou inúmeros convites do imperador Nemesis, como também instigou vários? É possível que ainda não tivesse conseguido todas as informações de que o vampiro Rigard Dimitrescu precisava para arruinar o regente de Marlóvia com sua infame vingança?
Quando a audiência aquietou-se de novo, Scarlett respondeu.
— Saí com o regente Jack Nemesis uma vez, o verão passado, porque ele era o imperador em visita em nosso reino e, no momento, eu não estava saindo com ninguém. Mas o convite partiu dele.
— Em outras palavras, no momento, o vampiro Rigard estava no reino de Marlóvia.
— Ele estava em Marlóvia, e eu não tinha motivos para acreditar que, um dia, pudesse ir ao reino de Morlóvia.
O olhar malicioso que Klaern lhe lançou não passou despercebido a ninguém.
— Então, na época, não estavam se vendo regularmente?
— Na época, não estávamos nos vendo de jeito nenhum.
De novo, ele parou diante dela e perguntou diretamente.
— O que sentia por Rigard Dimitrescu durante o tempo em que, segundo diz, não estavam se vendo?
O sangue fugiu do rosto de Scarlett. Lutando para se controlar, ela endireitou o corpo na cadeira dura de cristal negro. Mesmo sem fitar Rigard, pôde sentir a intensidade do olhar dele, fixo em seu rosto. Só havia uma resposta possível. Baixinho, confessou.
— Eu o amava.
— E quando estava com ele, no reino de Marlóvia?
— Também o amava.
— E agora?
— Eu o amo!... — Admitiu, como se as palavras estivessem sendo arrancadas de sua boca.
— E ainda quer que este concílio acredite que foi capaz de se relacionar com dois vampiros que eram inimigos declarados por seus antecedentes do passado, amando um deles, e não se envolver no esquema infame de seu amante para desonrar e causar sério dano ao regente do reino vizinho?
— Eu não poderia fazer isso... e não fiz.
Klaern lançou-lhe um último olhar.
— Terminei com a regente Scarlettt, Irmandade.
Os anciões olharam para o outro ancião Esme, que estava falando com Rigard. Quando a conversa entre eles terminou, o ancião levantou-se e disse com confiança.
— Nenhuma pergunta a fazer a terceira regente de Morlóvia, Irmandade.
Os pensamentos num verdadeiro caos, Rigard observou Scarlett levantar-se do centro do salão e caminhar para a saída. Ela manteve os olhos fixos na porta do castelo o tempo todo, ignorando os olhares de todas as autoridades presentes dentro da cidadela negra. O que ela tinha dito ainda estava ecoando em sua mente, e ele tornou a saborear seu doce som na imaginação.
Eu o amo, Scarlett dissera, sem hesitação, sem medo, anunciando claramente, para quem quisesse ouvir, que amava Rigard Dimitrescu.
Mas, em meio à alegria estonteante que Rigard estava sentindo, havia um traço de fúria. Por que ela nunca lhe dissera?
O som das vozes dos anciões discutindo, tirou-o de seus pensamentos. Um recesso de quinze minutos foi anunciado, e só com muito esforço ele controlou a vontade de sair correndo atrás de Scarlett. Afinal, isso só confirmaria, para todos que testemunhasse seu comportamento, que algo pouco usual acabara de acontecer dentro da cidadela negra.
Cada passo em direção à saída tornou-se um exercício em autodisciplina. Ela o amava! Ela sempre o amara. Ao alcançar o hall da cidadela, seu olhar procurou as luzes sobre a porta de saída, que indicavam onde ele estava. Terceiro piso. Seu controle quase no fim, olhou em torno e, vendo que estava sendo praticamente ignorado, correu para as escadas. Chegou ao térreo, em tempo de vislumbrar a cor de sangue do vestido longo de Scarlett, enquanto ela se dirigia à porta que levava à rua.
Se alguém estranhou um vampiro bem vestido atravessar correndo o saguão da cidadela negra, como se estivesse fugindo da guarda real ou puor dos caçadores de elite, não disse nada nem tentou detê-lo. Um ou dois sobrenaturais olharam-no, observando-o alcançar a vampira atrás da qual estava correndo e agarrá-la pelo braço, forçando-a a encará-lo. Mas quando o par limitou-se a olhar um para o outro, sem nada fazer ou dizer, os curiosos perderam o interesse.
Scarlett sentiu as mãos de Rigard tremendo sobre a sua pele pálida, quando ele a tocou nos ombros, de leve. O olhar dele envolveu-a com uma ansiedade tão grande que ela teve a impressão de ser atingida por uma força poderosa e inesperada. Durante longos momentos, eles olharam um para o outro, nenhum dos dois pronunciando uma única palavra. De repente, como se só então percebesse onde estavam, Rigard segurou-a pela mão e examinou o ambiente em torno. Depois de tentar várias portas, ele encontrou uma sala vazia do castelo, e eles entraram. Quando a porta pesada de ferro e carvalho se fechou com um clique suave, Rigard se virou para ela.
— Por que não me disse? — Perguntou, o rosto sombrio e a voz carregada de emoção. — Por que deixou que eu soubesse dessa maneira?
Scarlett gostaria de tocá-lo, alisar as linhas de sofrimento que lhe vincavam o rosto com a ponta dos dedos, aliviar a mágoa que ambos haviam experimentado com palavras que tornassem tudo certo para ele. Mas não soube que palavras usar, e a dor que tinham sentido jamais poderia ser apagada com um toque.
O que posso dizer a ele? Perguntou-se, agoniada, achando que nenhum argumento que pudesse usar pareceria lógico ou mesmo razoável. Afinal, num murmúrio, respondeu.
— Eu lhe disse, uma vez, mas você tinha adormecido e não me ouviu. Depois disso... durante os meses em que estivemos separados... não pude. Estava com medo de você... e de mim, principalmente.
Os ombros de Rigard caíram para a frente. Com que facilidade se esquecera, em seu excitamento, de que ela tivera motivos para temê-lo. Ainda tinha, por sinal. Que provas lhe dera ele de que não era um impostor e muito menos um usurpador? Que direito tinha de lhe pedir que confiasse novamente nele?
— Você foi sincera quando disse que me amava, desde o começo?
— Fui. Você destruiu as barreiras que eu tinha construído em torno do meu coração. Mesmo quando lhe disse que não queria mais vê-lo, eu amava você. Foi uma saída tão fácil para mim... Como eu era covarde! Amar você exigia não só que eu assumisse um compromisso, mas também que lhe desse uma parte de mim mesma que nunca tinha dado a ninguém. Tive medo de passar a minha vida imortal como uma casca vazia, se você por acaso me abandonasse depois que eu lhe desse essa parte de mim. E tive medo de ficar como minha mãe, se você não me abandonasse. Só no fim, percebi que nunca tinha tido escolha sobre lhe dar ou não alguma coisa. Você era dono do meu coração, desde que nos sentamos juntos naquele banco de piano. Mas eu levei muito tempo para admitir que não havia nada que pudesse fazer a respeito. E precisei examinar minha mãe com atenção, para ver que ela é e sempre foi feliz. Ela tem o tipo de coragem necessária para enfrentar os fatos difíceis da vida, e, se quisesse mesmo ser uma caçadora de elite, teria dado um jeito de treinar na academia real mesmo estando unida ao monarca de Morlóvia. Sei também que meu pai, que a ama tanto, teria feito o possível para ajudá-la. Se ela fez o que fez, foi porque quis.
Timidamente, Rigard estendeu a mão para ela, sabendo que havia coisas que deveria dizer, mas incapaz de ficar sem tocá-la por mais tempo. Quando Scarlett segurou sua mão, puxou-a para si e esmagou-a de encontro ao corpo. O tão lembrado aroma dos cabelos e do perfume dela atingiram seus sentidos. Tê-la tão perto era a realização do sonho que o vinha atormentando há tantas noites. Seu peito inchou-se de alegria, uma alegria tão intensa que chegou a doer. Ela o amava. Cada sonho, cada desejo, cada esperança que o perseguira havia se tornado realidade. Ela o amava!
Nos braços de Rigard, Scarlett sentiu o último peso que vinha carregando escorregar de seus ombros. Seu coração, há tanto tempo pesado de tristeza, estava livre, agora que tinham se juntado de novo.
— Vamos ter que superar tantas coisas, Rigard. — Disse, olhando-o nos olhos. — Somos tão diferentes. Eu não sou...
Um beijo calou suas palavras, e a força e a promessa dos lábios de Rigard sufocaram seus protestos. Com uma exclamação abafada, ela passou os braços pelo pescoço dele e puxou-o para junto de si. Sua boca entreabriu-se, ante a insistência masculina, e o beijo tornou-se mais profundo, fazendo com que se esquecessem de tudo, menos da necessidade que tinham um do outro. Uma necessidade que, quando consumada, apararia as arestas dolorosas de sua separação.
As mãos de Scarlett deslizaram por baixo do sobretudo de Rigard, até encontrar-lhe as costas, e, acariciando-lhe os músculos tensos por cima da camisa de seda escura, ela foi tomada por um verdadeiro êxtase ao arrancar dele um gemido profundo de desejo.
Percebendo o quanto estavam perto de sucumbir à paixão que os havia assolado, Rigard interrompeu o beijo e olhou-a nos olhos.
— Só tenho um intervalo de quinze minutos. — Uma expressão divertida surgiu-lhe no rosto. — Preciso voltar... ou então arranjar uma desculpa muito boa para a minha ausência. — Para onde você vai? Onde podemos nos encontrar?
Ainda acariciando-lhe a nuca, Scarlett respondeu.
— Vou estar à sua espera na minha casa.
Sério, Rigard fitou-a com atenção.
— Temos muita coisa a conversar. Talvez fosse melhor começarmos a nossa noite
num lugar menos...
— Vou preparar alguma coisa para comermos. Poderemos conversar lá mesmo.
— Bem, depois não diga que não avisei. Só tenho fome por uma coisa, agora... e não é comida. Estou com fome de você, de seus beijos e de seu sangue.
— Não me lembro de ter dito quando comeríamos...
Um gemido abafado escapou dos lábios de Rigard, quando ele a abraçou de novo.
— Você fez isso de propósito, não fez?
— Eu? — Ela retrucou com ar inocente, os olhos brilhantes de alegria. — Como pode me acusar de uma coisa dessas?
Segurando-lhe o queixo, ele ergueu o rosto dela e seus lábios se encontraram em outro beijo. Depois, relutante, soltou-a.
— Mais do que tudo, Scarlett, quero que comecemos certo desta vez. Passarei na sua casa quando isso tudo acabar, para irmos comer fora. Iremos a um lugar quieto, onde possamos ter uma certa intimidade. — Caminhou para a porta, mas, antes de sair, virou- se e fitou-a.
— Fui um tolo deixando que saísse de minha vida. Temos muito tempo a recuperar. Apenas me espere, por favor. Eu te amo!...
Scarlett levou a mão aos lábios e mandou-lhe um beijo, enquanto ele abria a porta.
2939 Palavras
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