Capítulo 25 - Eu Faria Tudo de Novo
Scarlett deu mais uma olhada no armarinho do banheiro, para verificar se não estava esquecendo nenhum dos apetrechos necessários para se manter apresentável durante a semana e meia que passaria em uma das mansões do reino de Marlóvia. Tinha descoberto, dias atrás, que o favor que Jack queria lhe pedir era que ficasse algum tempo no castelo que ele possuía no noroeste do reino, trabalhando em conjunto com alguns caçadores e organizadores que cuidavam da reforma do castelo de Sangue que estava erguendo do zero depois do incêndio.
A princípio, pensara em recusar, mas depois ele mencionara que estaria em outro lugar durante aquela semana e meia, e ela havia reconsiderado sua decisão. Mas o que finalmente a convencera de que o favor que Jack estava lhe pedindo não tinha nenhuma implicação oculta, fora o fato de ele ter convidado outro caçador com o mesmo fim.
Com o passar dos dias, a ideia de se afastar de Morlóvia e de tudo que lhe recordava Rigard, ainda que por pouco tempo, foi se tornando cada vez mais atraente.
Um cenário maravilhoso como do noroeste do reino na certa faria seus problemas parecerem insignificantes, principalmente com apenas algumas horas dedicadas ao trabalho, todas as manhãs, e o resto do dia livre. Esse era, provavelmente, o remédio de que estava precisando para curar sua alma dolorida, pois, ao contrário do que havia esperado, a mágoa causada pela partida de Rigard não tinha diminuído com o tempo. Dois meses haviam se passado, sem que a dor que a atormentava sofresse o menor alívio.
Fechando a porta do armarinho, Scarlett voltou para o quarto, pensando em guardar os sobretudos que havia decidido não levar. Já estava com eles na mão, quando ouviu uma leve batida na porta da frente. A última coisa que poderia querer, naquele momento, era uma visita da faladeira vizinha do apartamento ao lado — a única pessoa que tinha o costume de sempre ignorar a existência de sua campainha. Por um segundo, pensou em fingir que não tinha ouvido, mas depois lembrou-se de que seria muito pior se a vizinha a pegasse quando estivesse saindo de casa, e decidiu abrir.
Uma exclamação de surpresa escapou-lhe dos lábios, quando abriu a porta e viu...
Rigard! Ele estava com uma aparência horrível, pálido, com as faces encovadas, a barba por fazer e os olhos estranhamente brilhantes, como se estivesse queimando em febre.
— Sinto muito, Scarlett!... — Ele disse, pronunciando as palavras devagar. — Eu tentei, mas não consegui ficar longe de você. Eu juro que tentei!...
Scarlett teve a impressão de que uma couraça de ferro estava se fechando em torno de seu peito e lutou para respirar.
— Não quero você aqui!
Pelos Deuses, ajude-me, pediu, em silêncio. Ajude-me a ter força para mandar este vampiro embora. Uma voz, em seu íntimo, mandou-a fugir, mas seus pés recusaram-se a obedecer. Sua mente exigiu que manifestasse, aos gritos, a dor que ele acabava de lhe causar, simplesmente reaparecendo na porta de sua casa, mas sua boca recusou-se a formar as palavras. Ao mesmo tempo, inacreditavelmente, invadiu-a uma vontade louca de estender a mão e afastar os cabelos que caíam sobre a testa de Rigard, acariciandom as linhas de cansaço que lhe vincavam o rosto. Mas seus braços permaneceram rígidos ao longo do corpo, como se pesassem uma tonelada.
— Por favor... — Rigard disse baixinho, a voz cheia de desânimo. — Deixe-me entrar e falar com você. Deixe-me lhe dizer o quanto te amo.
Como podia ele falar desse modo com ela?
Como podia ele tê-la rejeitado de uma forma tão brutal e agora querer que o recebesse de braços abertos, para que pudesse terminar o que começara?
Não, não o deixaria voltar para a sua vida. Seria impossível recuperar seu equilíbrio emocional uma segunda vez. Ficaria arrasada.
— Não!... — Murmurou, afinal. — Você já me disse tudo que tinha a dizer no seu comunicado. E estava certo. Seria um erro continuarmos a nos...
Como se estivesse observando uma cena passada em câmara lenta, Scarlett viu Rigard estender as mãos para ela. Teve muito tempo para escapar, dar um passo para o lado ou virar-lhe as costas, mas seu corpo não se moveu. Enquanto sua mente gritava que não queria que ele a tocasse, seus braços negavam essas palavras, envolvendo-o pelo pescoço no momento em que, com um profundo suspiro, ele a abraçou.
— Não! — Scarlett repetiu inúmeras vezes, soluçando de encontro a camisa preta dele. — Não quero você de volta na minha vida. Quero esquecê-lo. Quero esquecer que já nos vimos um dia.
Delicadamente, Rigard ergueu-a nos braços e entrou, fechando a porta com o pé.
Cheio de tristeza, notou que ela havia perdido peso. Estava diferente, mais apática, onde antes tinha tão lindas curvas havia um outro corpo que o mesmo desconhecia. Além disso, ela havia mudado a sua aparência, Scarlett não tinha mais os cabelos longos. Seria ele, um dia, capaz de compensar o mal que lhe causara?
Existiriam palavras suficientes, no mundo, para lhe dizer o quanto estava arrependido?
Nunca contara a ninguém as coisas que teria que contar a ela para que entendesse por que a abandonara, mesmo amando-a. Poderia ele, agora?
Rigard sentou-se no mesmo canto do sofá onde Scarlett se sentara, dois meses atrás, para reler o manuscrito que ele lhe escrevera. De imediato, ela tentou se afastar, mas ele segurou-a com mais força.
— Fique comigo. — Pediu. — Preciso tocar você, sentir você ao meu lado, enquanto lhe revelo toda a verdade sobre mim.
— Isso é exatamente o que não quero que você faça. — Scarlett replicou com ar de desafio, levantando-se e indo se colocar diante da lareira, a poucos passos de distância.
— Não sei como nem por que aconteceu, mas eu seria uma idiota se tentasse negar que, por um breve momento, meses atrás, houve algo entre nós. — Um riso sem alegria escapou-lhe dos lábios.
— Graças aos Deuses foi só físico. Tenho pena da vampira que se envolver emocionalmente com você, Rigard Dimitrescu. A menos, naturalmente, que ela seja do tipo que gosta de vampiros egoístas e sem consideração. O que não é o meu caso. Portanto, a atração que senti por você está acabada. Não temos mais nada em comum. — Levantando o queixo para esconder o tremor de seus lábios, ela ordenou. — Agora, dê o fora daqui. Tudo que tínhamos para nos dizer já foi dito.
— Ainda temos muita coisa a nos dizer, Scarlett Redfield. — A voz de Rigard tinha um tom gentil, mas firme. Inclinando-se para frente e apoiando os cotovelos nos joelhos, ele esfregou os olhos vermelhos. — É algo novo para mim e tenho medo de parecer um pouco estranho, quando lhe disser em voz alta... — Levantando a cabeça, ele viu que Scarlett estava olhando para ele com uma expressão confusa no rosto bonito. — Eu te amo.
Os olhos dela encheram-se de lágrimas vermelhas.
— Droga!
— Eu te amo. E isso é algo que nunca vou deixar de dizer ou sentir, Scarlett! — Rigard repetiu, estendendo a mão para ela.
— Droga... — Quase como se não tivesse outra alternativa, Scarlett segurou a mão de Rigard, que se fechou devagarinho sobre a sua, num toque tão cheio de ternura que a fez prender a respiração.
— Você está errada, Scarlett. — Levantando-se, ele se aproximou dela. — O que aconteceu entre nós não foi apenas físico. Tenho certeza de que continuaríamos a sentir a mesma coisa um pelo outro, se não pudéssemos mais fazer amor. Não vou negar que o que partilhamos, dois meses atrás, me deu um prazer que nunca tive com outra vampira, mas o que sinto por você é muito mais profundo que isso.
A princípio, as palavras de Rigard atraíram Scarlett como um poderoso ímã. Depois, lembrando-se da dor que ele lhe causara, ela se dominou, forçando-se a resistir a essa atração.
— Não diga! — Exclamou. — E quando descobriu esse maravilhoso sentimento? Quando estava escrevendo o seu terno manuscrito de adeus? Ou quando veio colocá-lo debaixo da minha porta?
Retirando a mão da de Rigard, Scarlett deu-lhe as costas, decidida a se afastar.
Mas ele impediu-a, segurando-a pelos ombros e forçando-a a fitá-lo.
— Na verdade, foi na noite antes de eu escrevê-lo.
Scarlett foi pega de surpresa pela dor na voz máscula, e levou alguns segundos para se recuperar e perguntar, com ar incrédulo.
— Era a isso que você estava se referindo, quando disse que nos afetávamos de um jeito que não era bom para nenhum dos dois? O que achou que poderia lhe acontecer por me amar? Pensou que eu fosse uma fada? Uma princesa como as outras?
— Está querendo saber se achei que era uma feiticeira? Pelos Deuses, achei, sim! De que outro modo eu poderia explicar o que você me fazia sentir? Mas não foi isso que me levou a ir embora. O que me fez ir embora foi saber que amar você mudaria a minha vida para sempre.
Scarlett estava boquiaberta. Que estranho que não tivesse percebido que ele estava sendo dominado pelo mesmo medo que ela.
— E agora? Mudou de ideia? — Prguntou hesitante, olhando-o nos olhos.
— Agora sei que, por mais que eu faça e tente negar, minha vida sem você é incompleta. Com você, percebi que sempre me faltou algo. É verdade que levei algum tempo tentando me convencer de que o que estava faltando não era importante... mas foi impossível. — Com a ponta dos dedos, ele tocou-lhe uma das faces. — Durante os últimos dois meses, percebi o quanto a minha casa é vazia sem você. Muitas noites procurei por você numa cama que nunca partilhou comigo. — Sorriu gentilmente. — Tenho o costume de contemplar a lua de sangue da varanda de minha casa. Quantas vezes, durante os últimos dois meses, observei depois do Sol sumir no horizonte e a grandiosa lua surgir, e fiquei surpreso por você não estar lá, para me acompanhar...
A dor e a zanga sumiram do coração de Scarlett, mas o medo de ser ferida novamente, caso acreditasse nele, recusou-se a desaparecer. Como se tivesse o poder de ler seus pensamentos, Rigard pousou a ponta do indicador em seus lábios, para impedi-la de falar.
— Psiu! Não precisa me dizer nada. Eu sei. Confiança é algo que, uma vez destruída, tem que ser recuperada aos poucos. Foi por isso que vim. Não importa o tempo que leve, vou reconquistar a sua confiança. Quando me der o seu amor, quero que seja sem restrições. Nunca ofereci a ninguém o que estou lhe oferecendo agora. Ninguém sabe quem sou nem de onde Vim. Meu passado é algo que nunca consegui partilhar. Mesmo amando você como eu amo, será difícil partilhar o meu passado... — Rigard parou de falar, procurando compreensão nos olhos dela. Mas antes que Scarlett pudesse dizer qualquer coisa, continuou. — No entanto, mesmo sendo duro para mim, tenho que lhe contar. É o único jeito que conheço de fazer com que seja uma verdadeira parte de mim. Mas não agora... Se lhe contar esta noite, não será do jeito que eu quero. Minha alma está atordoada... Só o meu amor por você é claro e preciso. Minha vida seria vazia sem você.
Scarlett estendeu a mão para tocar-lhe o rosto.
— Não estou falando coisa com coisa, estou? — Ele murmurou, sorrindo.
Ela correu a ponta dos dedos pela barba que lhe cobria o queixo, depois traçou as pequenas rugas em torno dos olhos dele. Seus próprios olhos brilhavam, cheios de lágrimas, quando o segurou pelo pescoço e puxou-o para si, respondendo-lhe da melhor forma que conhecia.
Por um instante, o beijo que partilharam foi suave e hesitante. Depois, sentindo os lábios de Scarlett se entreabrirem sob os dele, Rigard soltou um gemido profundo e esmagou-a de encontro ao corpo, mostrando a necessidade desesperada que estava sentindo no modo como a segurou. Finalmente, forçando-se a interromper o beijo e a se contentar com o fato de estarem juntos, ele enterrou o rosto nos cabelos dela. Mas o cheiro de Scarlett fez com que se lembrasse dos momentos em que tinham feito amor, e uma onda de desejo assaltou-o. Sabendo que não poderia lutar contra esse desejo com ela nos braços, afastou-a.
— Acho melhor arranjarmos outra coisa para fazer. Minha resistência está seriamente abalada.
— Rigard... — O modo como ela pronunciou o nome dele foi uma verdadeira carícia. — Eu não diria não...
— Eu sei. E se não achasse que o nosso futuro depende do que vai acontecer entre nós, de hoje em diante, faria amor com você até deixá-la entorpecida de prazer. —
Deslizando as mãos pelos braços de Scarlett, Rigard segurou-a pelos pulsos. — Quero você muito mais do que pensei que fosse possível um vampiro querer tanto assim uma vampira. Mas mais importante que tudo é construirmos algo duradouro entre nós. E se para isso for necessário esperar, eu esperarei.
— Eu gostaria de poder lhe dizer que está errado. Mas, por mais que o meu corpo sinta vontade de fazer amor com você, uma parte de mim não quer isso.
Eles se olharam nos olhos, e uma corrente de compreensão uniu-os. Começariam de novo, do princípio, e seu amor seria indestrutível. Levando a mão trêmula ao rosto de Rigard, Scarlett sentiu, pela primeira vez, a febre do cansaço com que ele estava.
— Venha comigo!... — Convidou, sorrindo tristemente. — Sente-se e conte-me onde conseguiu esse cansaço todo.
Quando já estava novamente acomodado no sofá, com Scarlett no colo, Rigard respondeu.
— Eu saí mais cedo da guilda, ontem... já estava a meio caminho de casa, quando percebi que não conseguiria suportar mais um dia de solidão... E aqui estou.
— Você saiu ontem?! Dirigiu praticamente por quilômetros sem parar? Por que não veio por outro meio?
Ele sorriu.
— Custei a me decidir, mas, depois que decidi, não quis que nada me atrasasse. Além disso, a divisa entre os reinos estão sendo vigiadas pelos guerreiros de seu irmão Devil. Pelo que ouvi ela tem pistas concretas do que ocorreu no castelo de sangue em Marlóvia.
— Mas parou para se alimentar, não parou?
— Eu não estava com fome.
Scarlett olhou-o. De forma mais eloquente que quaisquer palavras, as ações de Rigard mostraram-lhe quanta falta ele havia sentido dela. Num gesto cheio de carinho, recostou a cabeça no ombro dele.
— Mesmo achando que isso foi uma tolice, estou tão contente por você não ter parado! Se tivesse parado, não me encontraria quando chegasse. Mais dez minutos, e eu já estaria longe.
— Desse jeito vou acabar acreditando no destino. — Rigard puxou-a para mais
perto de si e beijou-a na testa e se lembrou das palavras da bruxa verde. — Para onde eu teria que ir, para encontrar você?
— Para o noroeste de Marlóvia. Já esteve lá?
— Não. Nunca senti vontade de conhecer esse lado do reino de Marlóvia, mesmo quando estava caçando por lá.
— E agora?
— Agora, o noroeste acaba de adquirir um charme incrível. Mas por que vamos para lá mesmo?
— Preciso acertar alguns detalhes com a guarda e os caçadores da segurança e da reconstrução do castelo de Sangue que eu estou gerindo. Mas isso só vai tomar algumas horas de cada manhã. Terei o resto do dia livre.
— Parece promissor...
— Você pode ir? Tem tempo para me acompanhar?
Rigard fitou-a pelo que lhe pareceu uma eternidade, antes de responder.
— Eu já lhe disse que o tempo não tem importância. Não há nada mais importante que você na minha vida agora.
Tendo decidido que deixaria para fazer as compras necessárias assim que chegasse no noroeste de Marlóvia, Rigard colocou a bagagem de scarlett no carro dela, que era maior. Enquanto ele lutava inutilmente para se manter acordado e lhe fazer companhia, ela tomou as estradas serpenteantes que levavam a seu destino, censurando-se, como sempre, por não ter escolhido a rota mais indicada pelos caçadores mais experientes, mais longa porém menos perigosa, ao atingir a subida íngreme do Pico Nosferatus. Era mais de meia-noite quando avistou a casa de Jack.
Rigard acordou assim que Scarlett desligou o motor de seu carro escuro, e olhou rapidamente em volta, tentando se localizar, antes de virar-se para ela.
— Desculpe, Scarlett. Não era minha intenção desmaiar como desmaiei.
— Não tem importância. Qualquer criatura capaz de atravessar metade de um país, só para me ver, não pode fazer nada errado. — Sorrindo com ternura, ela acrescentou. — Sou sua e estou inteiramente em suas mãos.
As profundas rugas de expressão, das quais ela se lembrava tão bem, surgiram no rosto de Rigard, quando ele sorriu.
— Estar em minhas mãos, não é bem a palavra que eu usaria...
Scarlett estremeceu, atingida por uma onda de recordações.
— Espero que esta vida celibatária, que você escolheu para nós, não dure muito.
Inclinando-se, ele beijou-a com paixão controlada.
— Se soubesse como torna tudo difícil pra mim, quando diz coisas como essa...
— Não se esqueça. — Foi a vez de Scarlett beijá-lo. — De que essa ideia não foi minha.
— Está querendo me dizer que não aprova?
— Quando me sinto como agora, sou incapaz de raciocinar com lógica. A única coisa que sei, com certeza, é que quero demais que você faça amor comigo.
— Só quando chegar a hora certa.
O beijo rápido que Rigard lhe deu, na ponta do nariz, mostrou a Scarlett que o momento de fraqueza havia passado, e que ele estava, de novo, em completo domínio de si mesmo. Com um suspiro de frustração, ela saiu do carro e dirigiu-se à porta da frente do castelo. Luzes escondidas entre os arbustos que delimitavam o caminho de cascalho tornavam a ligeira subida segura, mesmo àquela hora da noite. Que Jack tinha um segurança pessoal para tomar conta de tudo era evidente, pois as plantas estavam aparadas e os caminhos cuidadosamente varridos. Por que, então, teria ela ficado com a impressão de que, há meses, ninguém entrava lá?
2955 Palavras
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