Capítulo 2 - Versículos do Passado
"O passado, é uma percepção do que aconteceu."
Como que puxado por mãos invisíveis, Rigard foi até a janela e fitou as montanhas das quais, só naquele momento, percebeu quanta falta sentira. Nunca partilhara o amor que tinha por aquele lugar com ninguém mais. Nem mesmo com Vivica.
Vivica a vampira que lhe deu a vida.
Que erro em sua personalidade lhe permitira amar de forma tão completa uma pessoa que, mais tarde, sem o menor esforço, rejeitara esse amor? Como pudera ser tão cego a ponto de não perceber a fraqueza dela? A suavidade, a falta de agressividade e a extrema feminilidade que tanto o encantaram no começo tinham sido a causa do fim de seu amor. A maleabilidade de Vivica, sob o disfarce de sensibilidade, fora atacada pela racionalização da família dela, até forçá-la a concordar que seria, realmente, melhor para todos que nunca mais visse o próprio filho e o vampiro que mais amou, seu pai, Davis Dimitrescu. Seu pai foi capaz de trair e rejeitar o seu próprio clã por amar tal criatura frívola e odiosa, Vivica Nemesis. Era irônico que com o passar dos anos ele tenha voltado somente para salvar o lugar que deveria odiar. Muitas vezes nem ele mesmo pudia se entender!...
O adeus de Vivica ele encontrara na caixa de correspondência, junto com um folheto anunciando a liquidação total dos produtos vendidos por uma firma local, que se retirava do mercado vampresco. Escondida entre as delicadas palavras de adeus, estava a mensagem de que não se casaria com seu pai, devido ao irreparável dano social que isso causaria à família Nemesis. Talvez, Vivica dissera, se eles vivessem em outro lugar ou em outra época, as coisas pudessem ser diferentes. Mas seria impossível negar o preconceito com que os vampiros daquela região encarava os mais baixos de sua espécie, e, por mais forte que fosse seu amor, eles jamais poderiam mudar a opinião pública de Morlóvia.
Vivica jamais soube que ele estava vivo, foi criado como um parente distante de Davis Dimitrescu, por segurança. Pois se soubessem de sua real origem, sua vida seria o preço a pagar pela mistura sanguinea.
Um reflexo vermelho vivo chamou sua atenção, e Rigard tirou os olhos das montanhas para fitar a calçada, lá embaixo. Lutando para não deixar cair a maleta que tinha numa das mãos e a pasta que carregava na outra, estava uma mulher que, mesmo daquela distância, fez com que ele prendesse a respiração. De cabelos castanho-escuros, presos num coque baixo, com reflexos dourados, que brilhavam ao sol da tarde, ela irradiava alegria. Era quase tão alta quanto o homem que a acompanhava e movia-se com uma graça e agilidade incomparáveis. Despertou em Rigard algo que era excitante e desafiador, e que o fez lembrar-se de que aquele era o tipo de mulher que evitava a todo custo, pois só poderia lhe trazer complicações perigosas.
Rigard sorriu, consternado, quando ela deixou cair a pasta, que se abriu ao bater no chão, espalhando diversos papéis para todos os lados. O homem que a acompanhava balançou a cabeça, irritado, e colocou as próprias malas na calçada, para ajudá-la a catar os papéis, que começavam a ser carregados pela brisa forte que de repente surgiu. Quando ele se virou de frente para o edifício Red, olhou para cima, e, pela primeira vez, Rigard pôde vê-lo com clareza.
Rigard gelou, o coração batendo pesado no peito. Um ódio tão puro quanto o amor que sentira, um dia, assolou-o. Pois o homem que estava olhando para ele, mas que provavelmente não tinha condições de vê-lo, através do vidro espelhado, não era outro senão Jack Nemesis III.
Rigard olhou de novo para a mulher, observando a relação dela com seu tio Jack.
Apesar de carregar a parafernália de um subordinado, tornou-se logo evidente que ela era mais do que isso para Jack. Havia uma familiaridade amigável entre eles, quase como se fossem... O diretor não dissera que Jack havia se casado. Mas também, por que diria?
Rigard continuou observando a cena lá embaixo, durante os poucos minutos que Jack e a mulher levaram para catar todos os papéis e irem embora. Nessa altura, já estava convencido de que, se ela não era mulher de Jack, era alguém muito especial na vida dele.
Com certeza ela seria de uma das famílias originais de vampiros de Morlóvia.
Ver Jack fez Rigard perceber que salvar o grupo Nemesis tinha apenas aumentado sua sede de vingança, em vez de saciá-la. Havia tantas coisas erradas que ele jamais poderia reparar, tantas mágoas que nunca, nunca mesmo, poderia sanar.
O abandono de sua mãe e o assassinato de seu seu pai por ordem da família Nemesis, Jack, na verdade.
Devagar, sem ter consciência do que estava fazendo, ele se pôs a caminhar de volta para o escritório do diretor. Enquanto andava, um plano se delineou em sua mente. Um plano que faria Jack pagar por tudo que lhe fizera, olho por olho, presa por presa, amor por amor, ódio por ódio, sangue por sangue. Não salvara este lugar por vingança, mas mesmo assim isso lhe dera um gosto doce na boca. Pois, tirando o grupo de Jack, tinha-o atacado no amor que sentia pelo dinheiro... Agora, tiraria a mulher.
Rigard entrou no escritório do diretor Aruna para lhe dizer que decidira ficar para o fim-de-semana.
920 Palavras
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