Um prato que se come quente
Roberto olhava para mim e Henrique várias vezes, desviava o olhar pra baixo e depois nos olhava de novo. Ele estava tremendo, parecendo estar só de cueca no Pólo Norte. Estava suando, sua testa estava pingando e sua blusa se colando ao seu corpo. Devia estar suando frio. Sua perna balançava o tempo inteiro, parecendo o rabo de um cachorro quando está alegre. A veia de sua testa estava muito alta, dava nervoso de olhar, parecia que ia explodir a qualquer momento.
Era exatamente daquele jeito que eu queria vê-lo. A imagem que eu havia criado de ter Roberto em minha frente, completamente ipotente, parecendo um simples empregado diante de um rei, que estava prestes a lhe cortar a cabeça. Mas usar a imaginação para criar aquela cena não se comparava nada com ver aquele ser, de verdade, completamente indefeso diante de mim.
- Que... Que isso? - Roberto continuava zonzo, devia estar vendo tudo embaçado ainda.
- Oi! - eu afinei mais a voz, como se estivesse falando com uma criança pequenininha. Além de ator ator dramático, eu também sabia fazer humor, mesmo que fosse um humor bem negro. - Como você vai?
Roberto tentou mexer as mãos, mas percebeu que elas estavam amarradas com o pano.
- Que que está acontecendo? Por que eu estou amarrado?
- Ora, você foi um garoto muito malvado, Roberto. Por isso, está de castigo.
- Você sabem meu nome?
Que palhaçada é essa?
- Palhaçada é com a gente mesmo! - eu falei, quase gritando.
- Quem são vocês? - as palavras de Roberto quase não saíam.
- Nós viemos aqui fazer companhia pra você, eu já falei.
- Eu quero sair daqui! Eu quero sair! Me soltem, me tirem daqui, agora! Agora!
- Calma, amiguinho. Você está muito nervoso. - Roberto mexia os braços amarrados e olhava pro chão com preocupação. - Sabe de uma coisa? Eu vou contar uma histórinha pra você se acalmar. Era uma vez um garoto que vivia muito feliz e contente. Até que um dia, ele foi estudar em uma nova escola. Estava muito feliz, porém...
Por um momento, fiquei encarando Roberto em silêncio.
- De repente, apareceram três seres, que não podem ser chamados de pessoas. Sabe por que? Porque não tinham um pingo de sentimentos. Essas três pessoas, acabaram comi... - eu percebi que não devia falar aquela palavra e, sim, outra. - acabaram com o pobre garotinho. O humilharam de todas as formas possíveis, o agrediram... Eles não tiveram um mínimo de consideração.
Roberto ficou calado, com uma expressão apática.
- O que achou da história?
- O que eu tenho a ver com essa história?
- Como o que? Ela não te lembra nada?
Roberto pareceu mudar de expressão por um momento. Ele foi de apático para um misto de surpreso e pensativo. Ficou olhando para sempre como se estivesse lembrando de alguma coisa. Dos momentos. Das maldades que fez. De tudo o que aconteceu. Eu podia imaginar as imagens daquele dia sendo projetadas em sua mente. Podia adivinhar seus pensamentos.
Ia se arrepender? Estava se lembrando mesmo? Ia, finalmente, demonstrar um pingo de sentimento? Havia mudado ou continuava seco como um deserto?
- Hein? Isso te lembra alguma coisa? Algo que você fez? - eu parecia um policial interrogando um suspeito. Talvez, fosse levado mais a sério se não estivesse com aquela máscara de palhaço.
- Como você sabe?
Roberto lembrou. Lembrou de tudo.
- Como sei o quê?
- Do que aconteceu.
- Ah! Você sabe!
- Não estou entendendo nada.
- Você sabe muito bem que foi um garoto muito mal, Roberto.
- Essas coisas já aconteceram há tanto tempo.
- Não importa. Não importa se foi há mil anos ou se foi ontem. Você fez coisas horríveis do mesmo jeito. E vai pagar do mesmo jeito. Chegou a hora. Chegou a hora de você pagar por tudo o que fez.
Só faltou que uma câmera desse um close em mim, estilo cena de novela mexicana. Roberto encolheu suas e contraiu seu rosto. Parecia um animal assutado diante de seu dono, que estava com uma cinta na mão a ponto de castigá-lo por sua bagunça.
O grande sonho da minha vida estava sendo realizado. Pra mim, ver aquela cara indefesa de Roberto diante de mim, valia mais que todo o dinheiro do mundo.
- Quem é você? - a voz de Roberto baixa, parecia estar com medo de fazer qualquer coisa.
Me aproximei um pouco dele.
- Eu sou o seu pior inimigo! - falei, engrossando a voz, dessa vez. - sou o seu pior pesadelo!
Eu sempre quis dizer aquilo. Acabei não conseguindo me conter e dei uma enorme risada. Acho que até Henrique estava com um pouco de medo de mim. Eu havia pedido que ele ficasse calado. Mas ele teria um papel muito importante no plano.
- Vocês são loucos.
- Nós? E você? É super normal tudo o que você fez, não é mesmo? É super normal provocar um trauma em uma criança de apenas dez anos.
- Eu não faço essas coisas há muito tempo.
- Já fez várias vezes, não é?
- Isso não te importa.
- Tem razão. Não importa. - me afastei um pouco dele e me aproximei de Henrique. - Não importa agora. O que importa é o presente. É o agora. É como diz um ditado que eu vou criar agora: -me aproximei da mochila que Henrique carregava e abri. - Aquela criança que foi traumatizada ontem, será vingada hoje! - tirei uma aranha enorme de dentro da mochila e a segurei na frente de Roberto. Os olhos dele se encheram de lágrimas em um instante, sem que ele nem tentasse se segurar. - Que animalzinho simpático. Não acha?
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