Memórias inesquecíveis
Queria permanecer abraçado com Alessandra durante toda a eternidade. Aquele abraço, assim como a primeira vez que a vi e todos os momentos seguintes em que senti sua presença perto de mim haviam provocado uma sensação tão diferente, tão especial, tão forte que eu nunca tinha experimentado antes. Era uma sensação boa. A minha vida toda senti uma imensa tristeza, solidão rancor, ódio, desejo de vingança, todos os tipos de de sentimentos ruins. Percebi que, pela primeira vez em tantos anos, - desde que os meus pais morreram, precisamente - senti algo bom invadir meu corpo. Como algo que trouxe um tipo de paz inexplicável. Demorei um pouco para descobrir o que era, mas acabei percebendo. Não era uma sensação qualquer. Era mais que isso. Muito mais. Era um sentimento. Era amor. Uma coisa que eu só havia sentido unicamente por meus pais e mais ninguém. Por isso, demorei a perceber.
Quando eu estava saindo do hospital, dentro do meu carro, dirigindo, lembrei de um momento em que parei para conversar sobre amor com minha mãe. Eu tinha uns seis. Sempre via ela e meu pai rindo e conversando. Raras vezes chegavam emburrados do trabalho. Então, cheguei para minha mãe em um dado momento, quando ela chegou do trabalho e lhe chamei para conversar.
- Você quer falar sobre o quê, querido? - nos sentamos no sofá da sala, que era todo vermelho e confortável, eu me sentei no colo dela e ela me balançava de leve, como sempre adorava.
- Sobre amor. - minha voz era bem fininha e soava engênua na época, típica de uma criança.
- Amor? Filho, você não acha que é muito novo para isso?
- Eu só queria saber. É isso que você e o papai sentem um pelo outro, não é?
- É sim. - Ela jogou uma mecha do cabelo que batia em seu rosto para trás. - Assim como é amor o que sentimos por você.
- Algum dia eu vou sentir amor como você e o papai sentem um pelo outro?
- Ah, com certeza vai.
- E como é a sensação? - me recostei em seu colo.
- É maravilhosa. Você vai se sentir a pessoa mais feliz do mundo. Só que vai ter que se esforçar também para esse amor dar certo.
- E como eu faço isso?
- Aí, eu só vou poder te contar depois.
- Depois quando?
- Daqui a alguns aninhos! - ela soltou uma risadinha, alta e alegre como eu adorava.
E nunca mais pudemos continuar aquela conversa.
Olhando pelo vidro do carro, com minhas mãos firmes no volante vi aquela cena: um pai com sua filhinha, devia ter uns três anos, adormecendo em seu colo. A menina usava uma chupeta vermelha na boca e o homem nem percebeu quando o objeto caiu no chão.
Parei o carro na mesma hora e fui correndo pegar a chupeta do chão. A apanhei e cutuquei o pai coruja.
- Com licença, vi que a chupeta dela caiu.
O homem me olhou com uma expressão sorridente e pegou o objeto de minhas mãos.
- Ah, obrigado!
- Nada. É sua filha?
- É sim. Estou levando ela para casa. Voltamos do hospital agora.
- O que ela tem?
- Cólica. Sente muito nesse tempo frio. Mas ela já está melhor?
- Que bom.
- Você parece ser um bom rapaz.
Sorri e fiquei envergonhado não só por aquilo ser um elogio, mas por eu saber que era uma mentira.
- Bom, você quer carona?
- Não, obrigado. Moro pertinho daqui.
- Ah tá, bom. Boa noite.
- Boa noite.
Me afastei do homem e da mnina no seu colo, entrei no carro, posicionei minhas mãos no volante novamente, mas fiqui paralisado ao ver aquela cena: o pai indo embora com sua filha. Um pai como eu era. Uma menina como era quando criança. Sem preocupações. Sem rancor. Sem tristeza. Sem nada. Somente alegria. Dava tudo para voltar no tempo e fazer as coisas serem diferentes.
No dia sequinte, encontrei Henrique logo na entrada da estrada. Já havia falado um pouco com ele pelo telefone, mas, quando chegamos no intervalo, paramos em um local perto do banheiro, onde pouca gente ficava, para conversarmos sobre tudo que estava acontecendo.
- Você o que? - Henrique quase gritou de tanto espanto quando terminei de contar a história que aconteceu com Kelly.
- Tudo em nome da vingança.
- eu falei, em tom baixo e discreto.
- Mas você não disse que chegaria a matar alguém. - sua voz estava se alterando.
- Eu não disse, mas também não quer dizer que nunca faria.
Henrique coloco as mãos na nuca.
- Meu Deus.
Seu rosto aparentava que ele não estava processando direito o que estava ouvindo.
- O que? Vai amarelar, agora?
- Eu não sei mais o que pensar, Eduardo. Eu nunca pensei que...
- Meninos! - uma voz masculina surgiu atrás de nós de repente e e Henrique e eu noa concentram os na pessoa que estava se aproximando de nós na hora.
Era o Jorge.
- Oi.
- Oi, professor. - eu disse.
- Posso falar com você a sós por um momento, Eduardo?
- Claro que pode.
- Então, vamos à sala de aula. Está vazia agora e podemos conversa.
- Ta bom.
- Com licença, Henrique.
- Toda. - Henrique falou baixo e meio desanimado, certeza de que depois que nos afastamos dele, ele ficou pensando na nossa conversa.
Fiquei pensando se não fiz uma burrada em contar aquilo e confiar tanto nele.
Jorge e eu entramos na sala de aula vazia e ficamos parados um de frente para o outro perto da porta fechada.
Ele assumiu uma expressão de seriedade tão grande que eu até estranhei.
- Eduardo, eu quero ser franco com você. Eu quero que você seja sincero: o que você fez realmente naquele dia em que o Roberto desapareceu?
Aquilo soou como um grito alto em meu ouvido.
- Não sei o que você quer dizer com essa pergunta, professor.
- Eu quero saber o que aconteceu de verdade. Eu estava pensando e percebi que foi muito estranho o Roberto sumir desse jeito no exato momento em que estava sozinho com você.
E era como se gritassem em um tom mais ensurdecedor ainda. Não estava gostando do tom daquela conversa.
- O que quer dizer com isso? Vcê está me acusando, é isso? - me fiz de desentendido.
- Não estou acusando ninguém.
- Então, o que você quer dizer?
- Quero saber o que aconteceu. Achei estranho pessoas atacarem vocês e você não ver nada.
- Está dizendo que eu ataquei o Roberto? - fiz minha voz soar séria.
- Eu não estou dizendo que você fez por mal. Mas, não sei, você pode ter feito alguma brincadeira com ele e ele acabou se machucando e desmaiou, alguma coisa assim. E você teve medo de contar a verdade.
- Ah, e joguei ele numa cabana pra esconder o corpo e fiz aquele teatro todo depois para passar de vítima, não é isso?
- Eduardo...
- Não quero mais te ouvir, professor! Pense o que quiser! - Jorge me olhou fixamente e respirou fundo, - Mas olhe bem para mim: eu nunca faria mal à ninguém, nem de brincadeira. Não desse jeito, à toa, como você está pensando. - e eu estava, de certa forma, falando a verdade. Minha maldade não gratuita. Tinha razões. E muitas.
- Além disso, me aproximei dele: não fui eu quem aceitei 50 pratas de mão beijada. E aposto que a diretoria não é gostaria de ficar sabendo disso, não é?
Analisando o olhar de Jorge, percebi que, se ele pudesse, me xingaria de todos os palavras que conhecia aquele minuto. Mas como estávamos em uma escola, um silêncio super agradável permaneceu por um momento, até saí da sala sem dizer mais nenhuma palavra.
Logo depois que saí, pensei um pouco e decidi: não deixaria aquilo barato. Não deixaria uma testemunha à solta. Não mesmo.
Quando o sinal do último tempo bateu, me escondi dentro só banheiro.
Jorge além de professor, era inspetor da escola. Era o último a sair. A oportunidade perfeita batia à porta.
Subi até as salas, escondido, vi Jorge de longe fechando uma das salas com chave. Quando ele andou até o topo da escada, gritei:
- JORGE! - ele se virou para trás tão rápido como uma bala.
- Eduardo, o que... - parei em frente à ele e não o deixei terminar de falar.
- Eu vim aqui te dar uma coisa que você não vai esquecer pelo resto da vida. Aliás, nem vai ter tempo para lembrar disso.
Com as duas mãos, em um milésimo de segundo, o empurrei, sem precisar de muita força, escada abaixo.
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