CAPÍTULO VINTE E CINCO
— Mantenha os pés firmes.
O instrutor estava há alguns minutos me explicando como fazer movimentos básicos. Após Miguel me ajudar no aquecimento e alongamento do corpo, ele foi para o ringue e me deixou aqui.
Depois de alguns minutos repetindo os golpes alternados no saco de pancadas, paro para descansar.
— Acha que consegue praticar no ringue? — O instrutor pergunta depois de termos repassado o básico de alguns movimentos. Não era tão complicado, o desafio maior era a Olívia sedentária que corria poucos quilômetros uma vez a cada dois meses.
— Sim, vamos a luta!
As luvas de boxe já estavam fazendo meus dedos suarem. Miguel ergue a corda para que eu entrasse no ringue. Ele sorri sapeca para mim.
— Pronta para ser derrotada?
— Miguel, Miguel — Repeti em tom ameaçador. — Você não ria de mim, todo mundo tem o seu primeiro dia, posso superar você no futuro.
— Veremos, Olívia.
Dito isso, Miguel avança em minha direção. Percebo o quanto ele é competitivo. Dei passos para atrás, quando cheguei aos limites das cordas ele gargalha.
— Liv, você acha mesmo que vou te machucar? — Ele volta ao meio do ringue.
— O seu instinto de sobrevivência te faz recuar. — A voz do instrutor alcança meus ouvidos. — Primeira lição, ir contra isso e se defender do inimigo.
Respiro fundo e refaço a posição de defesa caminhando lentamente até Miguel.
— Ataque. — Avanço tentando acertar seu rosto com socos. Miguel recua como se eu não tivesse feito nem cócegas. — Lembra dos pés, Olívia. — O instrutor continuava a tagarelar. — Alterne os seus alvos.
Miguel parece ter recordado do motivo que ele mesmo me trouxe aqui e deixou que eu o acertasse. Meus golpes não eram precisos, porém sentia toda a força do meu corpo atingir o seu máximo.
Vez ou outra Miguel também me atingia.
— Foco, Olívia. Sem tempo para pensar. — O instrutor tentava me lembrar do que me explicou uma hora atrás.
Miguel iria me acertar, mas desviei rapidamente.
— Uou, muito bom! — Miguel aprecia meu movimento. Voltei acertando seu abdômen seguido de um soco desferido de baixo para cima acertando o queixo dele. Sua cabeça gira com o golpe.
— Uppercaut. Atenção no cotovelo, mantenha baixo.
Miguel leva segundos para se recuperar e me atinge na lateral da barriga com um gancho. Gemi de dor. Meu sangue ferve. A adrenalina parece me dominar. Tento golpeá-lo várias vezes, mas ele desvia. Quando o atingi com um soco cruzado Miguel protege a cabeça com as luvas na frente do rosto.
Começo a bater constantemente em seu abdômen. A sensação de força preenche meu corpo inteiro. As dores dos golpes que eu recebi pareciam inexistentes agora. Um apito estridente ecoa. Paro os meus movimentos sentindo o suor pingar da minha testa, e por todo o meu corpo. Miguel me encarava surpreso com esse meu ataque. Me afasto dele e escorrego pela extremidade do ringue apoiando minhas costas nas cordas. Tentava regular a respiração. Fecho os olhos sentindo dores por todo lugar e principalmente nas mãos.
— Pegue. — Miguel me entrega uma garrafa de água mineral. Abro ela rápido e bebo o líquido que descia rasgando minha garganta. — Você foi muito bem. Como se sente?
— Com muita dor — gargalhei ainda respirando forte. — Mas muito aliviada. Obrigada! — Minha cabeça pende para o lado até se apoiar no ombro dele.
— Bati muito forte? — Ele pergunta, não vi a sua expressão, mas o tom de voz pareceu preocupado.
— Eu que deveria te perguntar isso. Não consegui evitar.
— Gostei do que vi, Olívia. — O instrutor aparece antes do Miguel responder. — Se continuar assim em pouco tempo você poderá participar dos torneios.
Ouvir isso me fez sorrir. Eu era capaz afinal de contas.
___________________________________________
Depois que saímos do ringue, Miguel me levou até umas cadeiras para me recuperar do treino. Minhas pernas pesavam toneladas, caminhei apoiada nele.
— Olívia! — Um grito fino chama o meu nome. — Bianca comentou outro dia que Ricardo finalmente te trouxe para treinar. — Brenda surge do nada em nossa frente, Paulo e Bianca chegaram logo depois.
— Não acredito que perdi seu primeiro treino. — Bianca me olha surpresa. — Suada assim até parece que entrou no ringue.
— E ela entrou. — Quem diz é Miguel. —A Olívia me surpreendeu positivamente!
— Pensei que era mais uma dessas frescas e cheia de não me toque. — Paulo comenta brincalhão. Olhei para ele incrédula. Todo mundo riu menos a Bruna.
— Não se preocupe, Liv. O Paulo disse a mesma coisa de mim, mas espera pra ver eu lutando com ele. O nocaute dele vem rápido. — O sorriso do Paulo se desfaz. — Eu não sou que nem a minha irmã que tem dó de bater em você, querido.
— Ei, ei, Brenda. Eu não tenho dó dele não. — Bianca se defende.
— Ah, isso é verdade, Brenda. Já vi ela golpeando o Paulo.
A irmã cruza os braços e sorri irônica para outra.
— O ponto não é esse. — Brenda resmunga. — Vamos marcar os horários dos treinos, Liv. Quero te ajudar.
Agradeci a minha amiga. Bebi mais da água que ainda tinha na garrafa.
Olhando para o ringue vejo dois rostos conhecidos, o Rafael e o Júlio, eles eram rápidos nos movimentos. Percebi o quanto preciso evoluir nisso ainda.
— Eles são bons. — Brenda admite ao olhar na mesma direção que eu. — Um dia eu chego nesse nível.
— Desde quando vocês vêm aqui? Eu não fazia ideia. — Perguntei, estava curiosa.
— Tem muito tempo, Olívia. — Paulo responde. — Nem lembro quando comecei.
— Nós começamos logo que você foi embora de Canobra. — Diz Bianca. — Paulo insistiu tanto.
— E agora vocês não saem daqui, não ouvi os agradecimentos até hoje. — Paulo brinca com a namorada. Ela finge dar um soco em seu braço. — Uou, se eu soubesse que ficaria assim nem tinha chamado.
Bianca o repreendeu com o olhar.
— Se prepare que não pegarei leve hoje, deixa só desocuparem o ringue. — Brenda ri irônica para o cunhado após a resposta da irmã.
Outra dúvida aparece em minha mente.
— Mas, Paulo, como você soube do lugar se pelo que o Ricardo me falou é para a segurança da família dele?
Ele me encara sério.
— Ue, Liv, e como você acha que encontram as pessoas para trabalhar lá na mansão? Não é oculto da sociedade o que treinamos aqui.
Franzi o cenho ainda curiosa, porém não perguntei mais nada. Não queria parecer desconfiada sobre a situação toda, a resposta dele foi razoável.
___________________________________________
Mais tarde, Miguel para o carro na frente de casa. Ele me olha atento, posso ver nitidamente o seu sentimento por mim.
— Foi incrível, Miguel. Obrigada por ter me levado lá. — Agradeço sincera. — Se eu soubesse que bater em alguém aliviava a dor emocional, já tinha começado faz tempo.
Ele sorri de orelha a orelha.
— Você não imagina o quanto fiquei preocupado, pensei na dor que estaria sentindo. Você não merece derramar nenhuma lágrima de tristeza, Olívia.
Miguel se aproxima de mim e segura a minha mão. Baixei meu olhar para encara-las. A outra mão toca o meu rosto no lado direito. Fitei seus olhos, lembrei-me dos meus quinze anos. Diferentemente daquela época, não sentia o nervosismo que me assustou naquela noite.
— Olívia — Sussurrou. — Não consigo evitar.
Em questão de segundos Miguel me beija. Com o susto acabei cedendo os lábios permitindo tal contato. Ele me beijava lento, esperei a sensação das borboletas no estômago, mas ela não veio.
— Me desculpe! — Pede após fechar os olhos e encostar a testa na minha. — Eu não devia ter feito isso agora.
Suspirei pensativa. Tentei encontrar as palavras certas pra dizer.
— Tudo bem, eu não achei ruim. — Admito, talvez fosse melhor não ter dito nada.
— Quer dizer que alguma coisa mudou? — Miguel pergunta esperançoso.
Me senti mal por ele, poxa. Desde que o conheço Miguel sempre demonstrou seu afeto por mim. Será que derramei as minhas energias e pensamentos no homem errado?
— Eu estou confusa, Miguel. Agradeço por hoje, mas eu preciso ficar sozinha agora.
Ele assente cabisbaixo. Droga, pessoas confusas demais machucam os outros.
Entro em casa me sentindo culpada por não conseguir retribuir os sentimentos dele por mim.
— Que carinha é essa, Liv? — Ouço a minha tia perguntar do sofá. Caminho em sua direção, me sento ao seu lado.
Tento dizer qualquer coisa, no entanto, não consegui. Marta me encarava sugestiva. Respirei fundo e iniciei.
— Lembra daquela nossa conversa assim que voltei a Canobra? — Ela assente. — Então, parece que nada foi resolvido.
— Como assim, Olívia? Você me disse que gostava do Ricardo, até começou a namorar com ele. O que não foi resolvido? — Tia me pergunta confusa. Suspirei.
— O Miguel. Lembra que te falei que não sentia o mesmo que ele sentia por mim? Então, hoje ele me beijou.
Ela me encara surpresa.
— Calma, você gostou? — Penso antes de responder.
— Foi diferente, os beijos com o Ric eram mais... Não sei, só foi diferente.
— A questão é diferente bom ou ruim?
— Acho que bom. — Admiti por fim.
— Entendi. Olha só, Liv, pra você é tudo tão intenso. Deixa acontecer, assim como foi com o Ricardo. Apesar de você parecer melhor, as coisas com o Fernandes aconteceram muito rápido. — Tia pousa as mãos em meus cabelos fazendo um leve carinho. — Se eu fosse você eu não descartaria um romance com o Miguel. Ele sempre foi tão atencioso contigo, acho que vale a pena dar uma chance. Isso somente se você estiver bem consigo mesma.
Depois da conversa que tive com Marta refleti muito sobre dar ou não uma chance a Miguel. Ele sempre foi amigo e acolhedor pra mim, conclui que talvez não fosse uma má ideia.
___________________________________________
No dia seguinte, eu estava no banco de trás do carro com Brenda sentada ao meu lado, enquanto Paulo dirigia.
Bianca falava baixo ao celular no banco da frente. Há apenas alguns minutos eles foram me buscar em casa, estamos indo a academia. Brenda me ligou animada ainda de manhã me chamando, por isso estou aqui.
Assim que chegamos, percebo alguns olhares curiosos direcionados a mim. Talvez todos soubessem que eu já não estava namorando o Ricardo, e se me impedissem de entrar? Eu não paguei nada e nem quero trabalhar como segurança deles.
— Vocês têm certeza que eu posso continuar a vir aqui? — Perguntei, quando chegamos a área com os equipamentos. Bianca sorri pra mim.
— Liv, você praticamente faz parte da família dos donos, por que não poderia?
— Por que eu já não estou mais com Ricardo, talvez eu não devesse estar aqui.
— Não pense nisso, Olívia. Ricardo te queria aqui, por isso te trouxe. — Paulo diz, e logo caminha em direção ao aparelho que usaria para treinar.
O instrutor que me ajudou ontem não estava aqui, deduzi que não seria seu horário de trabalho. O ringue estava vazio no momento em que o encarei.
Brenda me ajudou nos alongamentos e o aquecimento no saco de pancadas. Meu corpo ainda doía do esforço de ontem, mas não reclamei. A dor trazia um alívio ao mesmo tempo. Dentro do ringue de boxe, Brenda me fez cair algumas vezes. Me fez perceber que o caminho seria longo até eu ter resistência aos ataques.
— Você precisa melhorar o seu apoio nos pés e conseguir manter firme a guarda.
Uma voz grave ecoa no ambiente. Na hora não reconheci, todavia Charles sobe no ringue se revelando para nós duas. Ele encara Brenda sério e ela se afasta aos poucos indo até os limites da corda. Charles usava uma roupa informal. É a primeira vez que o vejo sem aquela capa toda preta que os seguranças da mansão usam dia e noite.
— Eu vou simular um ataque real, só tente se defender, não importa os meios que use. — Ele diz e seu olhar espera uma resposta minha. Balanço a cabeça positivamente.
Charles caminha ao meu redor lentamente. Endireito a minha postura e ergo as mãos. Sinto o meu peito subir em nervosismo.
Após alguns segundos percebo o movimento de sua mão direita tentar atingir meu rosto, me abaixo ao mesmo tempo que tombo para o lado. Mais uma vez Charles tenta me atingir, e praticamente corro de seus golpes sem o atacar.
Era diferente, eu sabia que Miguel não me atingiria e nem a Brenda. No entanto, Charles, ele não estava brincando e nem parecia se importar se realmente me machucasse.
O medo dele conseguir me fez reagir a cada golpe que ele acertava. Atingi seu abdômen algumas vezes antes de cair no chão tremendo. Meu rosto pingava suor e a minha respiração estava descontrolada. Ele não havia pegado pesado, se posso chamar assim, mas para mim os socos leves que recebi queimaram meu corpo pequeno.
— Você precisa de constância e disciplina se quiser ganhar alguma luta em sua vida. — Charles estica a mão direita em minha direção. Encarei seu rosto antes de pegá-la e ele me ajudar a levantar.
Não sabia o que dizer, estava exausta. Mas, não me arrependi, isso serviu pra me motivar a querer melhorar o máximo que eu pudesse.
___________________________________________
Sentada onde ficava as cadeiras afastadas do ringue, vejo uma mulher alta se aproximar de mim.
— Oi, Olívia. Podemos conversar um minuto? — Pergunta, Angélica com seu vestido florido marcando uma silhueta grávida. Confirmei me questionando se estava mesmo preparada para isso.
Ela se sentou uma cadeira de distância da minha e começou.
— Eu convivo na mansão desde os cinco anos, tempo em que os meus pais começaram a trabalhar para os Fernandes, depois o meu irmão Charles. Então a vida que eu me lembro estou naquele lugar...
Franzi o cenho tentando relacionar as informações. Foi no tempo depois que eu tinha ido de Canobra pela primeira vez. Angélica continua.
— Quando conheci Ricardo, ele era um garoto sério, de poucas palavras e meio solitário. Não tinha quase nenhuma criança por perto na mansão, era apenas eu além dele. Aos poucos a gente foi se aproximando, acho que por influência do meu irmão que era quem o acompanhava quando ele queria se aventurar nas montanhas.
Vejo sua mão pousar em sua barriga um pouco mais notável desde a última vez que a vi.
— O tempo foi passando e eu gostava cada vez mais dele, apesar de sempre existir uma barreira que o impedia de realmente ser meu amigo. Quando você voltou a Canobra há sete anos, foi que me dei conta. Ricardo havia mudado, sua forma de agir, era como se ele fosse outra pessoa. Eu não era idiota, percebi os olhares de proteção que ele lançava até você, não gosto de admitir que sentia certa inveja dessa demonstração de afeto dele que não era comigo. Então, eu nunca consegui me aproximar de você por isso, eu não entendia o porquê de Ricardo agir assim, sendo que nem te conhecia direito e eu praticamente morava na mansão.
Devo ter percebido alguns picos de emoção em sua fala já que sua voz afinou.
— Daí você foi embora, e eu mesmo já sabendo que a ligação de vocês começou muitos anos antes, fiquei aliviada por você ter ido embora. Eu sei, sou uma puta egoísta por querer a mínima atenção de um garoto na época. Eu sempre fui bem vestida, mas não ter a atenção de Ricardo mexia com a minha autoestima, se eu não era capaz de conquistá-lo que beleza era essa que eu tinha?
Mordo meus lábios nervosa. Essa conversa está me revelando coisas que eu não queria saber. Mas não a impedi de terminar.
— Eu vi o caminho livre para tentar e eu tentei. Depois de meses ficando juntos eu percebi que não importava o que eu fizesse, Ricardo jamais olharia pra mim da mesma forma que um dia olhou pra você. Isso me destruiu, demorei um tempo pra me reerguer, e isso aconteceu. Eu fiquei mesmo bem. Conheci novas pessoas e encontrei a atenção que eu tanto queria com outra pessoa, porém, não teve o fim que eu esperava.
Angélica tinha lágrimas nos olhos.
— Não me arrependo do meu bebê, eu morreria para que ele vivesse. Apenas lamento que não é mesmo de um amor que sei que mereço.
Tive pena dela, evitei transparecer. Angélica enxuga o rosto com as costas da mão.
— Ricardo quando descobriu tudo ficou furioso. Ele foi atrás do meu ex e tentou por mim. Sei que sua preocupação não passou da de um amigo, mas a forma como ele decidiu que assumiria o meu filho me fez ter uma dose de esperança em uma futura relação. Sinto muito por te fazer ouvir isso tudo, quis ser sincera com você.
Balancei a cabeça incapaz de dizer qualquer coisa.
— Um dia eu quis muito ele pra mim, no entanto, não sou mais uma adolescente, gosto do que é certo e não quero me iludir com migalhas de amor. Sei que Ricardo te ama muito e sempre vai amar. Vejo a tristeza no olhar dele todos os dias, ele senta sua falta. Não quero que um erro meu atrapalhe a felicidade de vocês. Eu disse que não era preciso que assumisse o meu filho, e sabemos como Ricardo consegue ser protetor, ele não volta atrás.
Ela procura minhas mãos e aperta. Prendi a respiração.
— Vocês precisam fazer as pazes, Olívia. Não perca todo esse amor raro e recíproco que ambos têm.
___________________________________________
Deitada em minha cama, a voz da Angélica ecoava nos meus pensamentos me impedindo de dormir. Ouvir o seu desabafo me deixou inquieta com um turbilhão de emoções. A mágoa que sentia de Ricardo pareceu pequena quando a revelação de Angélica sobre ele sempre ter me amado me atingiu.
Eu seria capaz de o perdoar depois de toda a dor que senti?
___________________________________________
Olá, meu povo. Passando para lembrar que estamos quase nos desfechos finais dessa história (finalmente). ❤️
O que acharam do capítulo? Até que enfim saiu um beijo, não é, Miguel? A Olívia deve terminar a história com quem?
Gente, lembrando que eu sou escritora iniciante, então se encontrarem algum erro não deixem de me avisar sobre, agradeço demais.
Um beijão e até o próximo capítulo!!!
❤️❤️❤️
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro